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Caso Joel: ex-soldado foi demitido da Polícia Militar por morte do menino


 

Ele também foi réu num processo de homicídio contra uma mulher

  • Bruno Wendel

Publicado em 06/05/2024 às 05:00:00
Ex-soldado foi demitido da PM pela morte do menino Joel . Crédito: Reprodução

O ex-soldado Eraldo Menezes de Souza, de 46 anos, que nesta segunda (06) encara o júri popular pela morte de Joel da Conceição Castro, de 10 anos, foi demitido da Polícia Militar exatamente pelo crime, após conclusão de processo disciplinar (PAD) em 2012, instaurado em paralelo ao inquérito da Polícia Civil. Em 21 de novembro de 2010, o menino ia dormir quando uma bala invadiu o quarto e o atingiu na cabeça. Hoje, após 13 anos, Eraldo vai sentar-se no banco dos réus do Salão Principal do Fórum Ruy Barbosa, às 08h, juntamente com o tenente Alexinaldo Santana Souza, 49, que estava à frente da operação quando Joel morreu.

O CORREIO teve acesso com exclusividade à decisão do PAD nº Correg 036D/1425-11/12, realizado por um colegiado, formado por um major e dois capitães, que decidiu pela demissão de Eraldo, réu confesso, em razão da conclusão da investigação da Corregedoria da PM, em 29 de julho de 2012, ocasião em que o então PM estava no 11º Batalhão da Polícia Militar (BPM/Itaberaba). “Por fim, releva destacar que a Constituição Estadual da Bahia, no art. 4º, inciso IX, estabelece, verbis, que ‘constitui infração disciplinar, punível com a pena de demissão a bem do serviço público, a prática de violência, tortura ou coação contra cidadãos, pelos agentes estaduais ou municipais’”, diz trecho do documento.

Em seu interrogatório na Corregedoria da PM , Eraldo disse que o disparo “ocorreu de forma acidental durante uma troca de tiros com marginais; que de onde estava não poderia ver o menor, pois este estava em seu quarto com a janela fechada e as luzes apagadas; que o terreno era bastante acidentado e, enquanto se deslocava, escorregou o que fez com que involuntariamente apertasse o gatilho”. No entanto, foi descartada a hipótese de que Eraldo efetuou apenas um disparo de forma acidental, “já que além do projétil encontrado no corpo da vítima, foram encontrados dois estojos percutidos pela arma do dito respondente, o que leva a conclusão de que foram ao menos dois os disparos”.

Lençol coberto com o sangue de Joel . Crédito: Reprodução

Os peritos concluíram ainda que Joel “estava no interior do seu quarto, situado no pavimento superior da residência, a janela de madeira fechada e o projétil que o atingiu percorreu uma trajetória ascendente, de fora para dentro, fazendo concluir que o atirador estava do lado de fora, no nível da rua”. Ainda sobre o momento em que o menino foi atingido, o PAD apontou que o então soldado “agiu isoladamente sem sequer informar aos demais componentes da guarnição da ocorrência do disparo”.

O PAD concluiu que o fato de o disparo não ter sido direcionado a Joel, “não isenta de responsabilidade o atirador, visto que, tendo recebido preparo para lidar em situações como esta, trabalhando inclusive numa tropa especializada em ocorrências que tais, agiu com imprudência (inobservância das obrigações necessárias, sem cautela e praticando um ato perigoso), gerando um resultado trágico e gravíssimo que levou a óbito uma criança”. “Ora, mesmo num embate com bandidos armados, não pode o policial militar sair dando tiros a esmo, notadamente num local onde residem famílias, sob pena de atingir inocentes, como ocorreu. Deve o agente, desta forma, responder pelos seus atos, já que o fato é também tipificado juridicamente na modalidade culposa”, diz trecho.

Tiro atravessou janela e atingiu Joel na cebeça . Crédito: Reprodução

Ainda de acordo com a investigação da Corregedoria da PM, Eraldo quando soldado sofreu dentro da corporação uma repreensão e duas detenções administrativas.

Denúncia

Na ocasião, Eraldo e o tenente Alexinaldo trabalhavam na 40ª CIPM (Nordeste de Amaralina) e foram denunciados pelo Ministério Público do Estado por homicídio qualificado (motivo torpe, emprego de meio que resultou em perigo comum e impossibilidade de defesa do ofendido). De acordo com a Justiça, o tenente foi pronunciado porque estava no comando da operação desastrosa. Em nota, o MPBA informou que só falará sobre o assunto no final do julgamento.

O menino Joel chegou a participar de uma propaganda turística do governo do estado, no verão de 2009/2010. Crédito: Reprodução

Já o pai do menino Joel acredita na condenação dos réus. “Estou ansioso. Não consigo dormir só pensando. Nunca passei por isso. Mas com certeza tudo vai dar certo e eles vão pagar por tudo que fizeram”, declarou o pai do menino Joel, o segurança e capoeirista Joel de Castro, de 55, o “Mestre Ninha”, momentos antes do júri.

O CORREIO procurou a defesa de Eraldo. “Infelizmente só falarei dentro do processo. Eraldo também não está autorizado a falar”, declarou o advogado do réu, Bruno Teixeira Bahia. O criminalista Vivaldo Amaral, advogado de Alexinaldo, disse a reportagem que também que só irá falar sobre o assunto no júri. A reportagem procurou a Secretaria de Segurança Pública (SSPBA) e a Polícia Militar do Estado (MPBA), mas não houve resposta.

Processo

O CORREIO teve acesso também ao processo, que tramita no 2º Juízo da 2ª Vara do Tribunal do Júri. Segundo os autos, “os denunciados teriam ido até ao Nordeste de Amaralina, a fim de realizarem uma suposta diligência policial”. Sendo assim, quando chegaram ao local, efetuaram inúmeros disparos e os moradores se abrigaram em suas residências, “temerosos e sem entender uma ação policial que justificasse a saraivada de disparos realizados”.

Joel acredita que policiais sairão do júri algemados . Crédito: Marina Silva

Amedrontado com os tiros, o pequeno Joel se preparava para dormir, quando foi atingido fatalmente em frente à janela do seu quarto, situada no segundo andar da residência. “Conforme coadunado dos autos, o denunciado Eraldo Menezes de Souza prostrou em frente à residência da vítima, oportunidade em que mirou a arma de fogo em direção à janela, efetuando o disparo responsável pela morte do menino Joel e desespero indefinível de sua família”.

No decorrer do processo, foi constatado que naquela noite, em um determinado momento, o grupo de policiais se separou e, na hora do tiro, o ex-soldado Eraldo e o tenente Alexinaldo estavam juntos – por isso, apenas os dois foram pronunciados pela Justiça, ou seja, o juiz foi convencido da materialidade do fato (ou seja, existência do fato delituoso) e de indícios de autoria ou participação (ou seja, de que há indícios de que o réu tenha praticado ou participado do delito). Já os demais PMs, foram impronunciados, ou seja , retirados do processo. São eles: os soldados Leonardo Passos Cerqueira, Robson dos Santos Neves, Paulo José Oliveira Andrade, Nilton César dos Reis Santana, Luiz Carlos Ribeiro Santana, Juarez Batista de Carvalho e Maurício dos Santos Santana.

“Diante de tudo quanto foi apurado nesta fase pré-processual, concluiu-se que o resultado fatídico da referida diligência deveu-se, sobretudo, a um inconteste excesso dos policiais envolvidos, mediante um comando presencial que se precipitou a denúncia imprecisa, negligenciando na devida cautela ao penetrar em área residencial, onde há grande número de imóveis de altura elevada, correndo o risco eminente de erro, considerando os disparos para o alto e direcionados para diversas casas, aliado ao demonstrado desconhecimento dos policiais envolvidos da realidade topográfica do terreno ocupado e a falta de dados para avaliação crítica da informação”, diz treco.

ONU

A morte do menino Joel e outros óbitos de jovens e adolescentes em ações policiais em Salvador foram denunciados na Organização das Nações Unidas (ONU). Um dossiê do Instituto Odara, com 17 casos, foi entregue na 3ª sessão do Fórum Permanente de Afrodescendentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos, entre os dias 16 e 19 de abril deste ano, em Genebra, na Suíça.

“Ressaltamos que nossa atuação enquanto movimento de mulheres negras é focado na responsabilização do Estado por essas violências contra a comunidade negra. Não temos o interesse de fazer exclusiva e prioritariamente a responsabilização individual de agentes policiais por entendermos que eles não são, pessoal e individualmente, os únicos e principais responsáveis por essas violências e sim que fazem parte de uma estrutura institucional fundada e fomentada por paradigmas racistas e truculentos, que encaram a maior parcela de sua população (a negra) como inimiga”, declarou o Instituto Odara.

O documento foi apresentado no painel sobre o tema "Quem vai pagar a conta? A reparação quanto ao extermínio das infâncias e juventudes negras do Brasil". Além da denúncia, o Odora recomentou o reforço ao Plano de Ação de Durban, plano da ONU com ações concretas para enfrentar o racismo sistêmico, xenofobia e intolerância, e é considerado um desenvolvimento fundamental em direitos humanos, propôs ainda a desmilitarização, um tribunal onde o Brasil seria réu pelo racismo institucional, para reparar a sociedade por crimes contra população negra e indígena, e ainda um fundo monetário das nações unidas voltado para o tema de reparação. “Entendemos que já passamos de todos os limites para a manutenção da militarização das polícias e é urgente o debate sobre um novo modelo de segurança pública, bem como mudanças severas na política de drogas no Brasil”, complementou o Odara.