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Mãe Bernadete: das sete câmeras do quilombo, apenas três estavam funcionando


 

Governo ofereceu novo programa de proteção, mas a família recusou

  • Gil Santos

Publicado em 20/08/2023 às 12:19:17
Corpo de Mãe Bernadete é sepultado na Quinta dos Lázaros. Crédito: Ana Lúcia Albuquerque/ CORREIO

O quilombo onde Mãe Bernadete, 72 anos, foi assassinada tem sete câmeras de segurança, mas apenas três estão realmente funcionando. Neste sábado (19), a organização responsável pela proteção da líder quilombola ofereceu um novo programa de proteção para a família dela e lideranças locais, mas todos recusaram. O governador fez reunião com a alta cúpula para discutir o andamento da investigação.

Mãe Bernadete estava no programa de proteção por conta das ameaças que sofria por defender os direitos humanos e, principalmente, por lutar pela demarcação e titularização da terra onde fica o quilombo. As câmeras deveriam ajudar na proteção da religiosa, mas mais da metade dos equipamentos estavam desligados o que pode dificultar o trabalho da investigação. A informação foi confirmada pelo advogado que representa a família da vítima, David Mendez.

No sábado, por volta das 14h30, os familiares de Mãe Bernadete e outras lideranças locais estiveram no Ministério Público da Bahia, no Centro Administrativo da Bahia (CAB), para participar de uma reunião com representantes da Organização da Sociedade Civil Ideas – Assessoria Popular, entidade responsável pela execução do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) no estado. O encontro durou cerca de 4h.

“Eles tentaram convencer os familiares de dona Bernadete a inclusão em um programa de proteção mais radical, onde eles teriam que cortar todos os vínculos com a comunidade quilombola e com as outras relações socais. Teriam que seguir para um local indefinido e que seria escolhido pela organização, a mesma organização que era responsável por proteger dona Bernadete”, explicou.

O advogado contou que a família recusou a oferta. “Simplesmente por falta de credibilidade do estado e da organização que não garantiram a proteção de dona Bernadete. Além disso, temos casos de pessoas que foram submetidas a esse programa, que foram retiradas de suas comunidades, transferidas para a periferia de outra cidade e que passaram por muitas dificuldades”, afirmou Mendez.

Depois de quatro horas de conversa, a reunião foi encerrada e não houve novo contato por parte do estado. Mãe Bernadete foi assinada com 12 tiros quando estava em casa. Dois homens foram até o quilombo em uma moto, desceram do veículo e entraram na casa da idosa. Eles não tiraram os capacetes, mandaram que os netos dela fossem para o quarto e executaram a líder quilombola que estava sentada no sofá.

Mãe Bernadete era uma autoridade na defesa dos direitos humanos e o crime teve repercussão imediata. Entidades locais, nacionais e internacionais se manifestaram. A Organização das Nações Unidas (ONU) emitiu nota de pesar e cobrou celeridade nas investigações. Ministros de estados também pediram que a polícia encontre os responsáveis.

Um levantamento da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) mostrou que, nos últimos dez anos, 30 lideranças quilombolas foram assassinadas no Brasil. A maioria dos casos, 11 ocorrências, foi na Bahia. Depois parecem Maranhão (8) e Pará (4).

Na Bahia, o programa de proteção é vinculado a Superintendência de Apoio e Defesa aos Direitos Humanos (SUDH), da SJDH e atua no atendimento e acompanhamento dos casos de risco e ameaça de morte de defensoras/es de direitos humanos. Até maio, 103 pessoas estavam sob a assistência do programa, ao qual o Governo da Bahia aderiu em 2011. Destes, 68 protegidos eram indígenas

Mãe Bernadete era considerada uma autoridade na defesa dos Direitos Humanos. Crédito: Reprodução

Alta cúpula

No mesmo sábado, o governador Jerônimo Rodrigues (PT) fez duas reuniões para discutir o assassinato da líder comunitária. O primeiro foi com a alta cúpula da Polícia Civil. No encontro com a delegada-geral Heloísa Brito, a delegada-geral adjunta Elâine Nogueira e diretores dos departamentos e coordenações operativos foram avaliadas as providências adotadas, desde o assassinato, além dos próximos passos das apurações.

“A Polícia Civil está empregando todos os recursos necessários para a identificação e responsabilização dos autores”, afirmou Heloísa Brito. A diretora-geral do Departamento de Polícia Técnica (DPT), a perita criminal Ana Cecília Bandeira e outras autoridades estiveram presentes na reunião.

À tarde, o encontro foi com os secretários estaduais da Justiça e Direitos Humanos, Felipe Freitas; da Comunicação, André Curvello; da Segurança Pública, Marcelo Werner; da Promoção da Igualdade Racial e dos Povos e Comunidades Tradicionais, Ângela Guimarães; de Políticas para as Mulheres, Fabya Reis; do chefe de gabinete do governador, Adolfo Loyola; além da delegada-geral Heloísa Brito e do comandante-geral da Polícia Militar, coronel Paulo Coutinho.

As investigações estão em curso e envolvem agentes de departamentos como de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP),  Especializado de Investigação e Repressão ao Narcotráfico (Denarc) e da Coordenação de Conflitos Fundiários (CCF).

A Polícia Civil instalou um grupo de trabalho multidisciplinar composto por Departamentos e Coordenações especializados para a apuração do caso. Ações investigativas em campo e de inteligência policial são realizadas com a utilização de recursos tecnológicos. A população também pode colaborar ligando para o Disque Denúncia da Secretaria da Segurança Pública (SSP). Basta ligar para o 181 e não precisa se identificar.

Procurada, a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, responsável pela gestão do programa de proteção na Bahia, ainda não se manifestou sobre o não funcionamento de mais da metade das câmeras de segurança do quilombo e sobre a reunião de sábado com a família.

O CORREIO  não teve retorno da OSC Ideas.