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Alegria de erê é caruru no prato


 

Na Bahia, dia 27 de setembro é dia de celebrar a dualidade e a alegria dos santos gêmeos

  • Gil Santos

Publicado em 28/09/2023 às 05:00:00
Crianças se divertem e se lambuzam, alguns repetiram o prato. Crédito: Marina Silva/ CORREIO

Nessa quarta-feira, 27 de setembro, sete crianças sentaram na entrada do box 82, onde fica a Barraca Chapéu de Couro, na Feira da Sete Portas, em Salvador. O proprietário e pai de santo trouxe os pratos com o caruru, arroz branco, feijão fradinho, acarajé, banana, farofa, rapadura e entregou aos pequenos, que se lambuzaram, enquanto os adultos aguardavam a vez na fila.

Estava aberta as homenagens aos santos gêmeos Cosme e Damião, na tradição católica, e os Ibêjis, para as religiões de matriz africana.

Era tanta gente que avançava pelo corretor estreito, formado pelas barracas e dobrava a primeira esquina, seguia por mais alguns metros e dobrava novamente a segunda esquina. Foram distribuídos cerca de 700 pratos e marmitas.

A festa do box Chapéu de Couro é uma tradição que chegou aos 25 anos, em 2023, e começou com a mãe do babalorixá André de Ogum. No espaço, ele comercializa produtos relacionados à cultura do candomblé e contou que trabalhou até quase o sol nascer para deixar tudo pronto. Foram usados 3 mil quiabos e o religioso precisou da ajuda da família para conseguir fazer as entregas. Para abrir a festa, cânticos e oração foram entoados.

“É uma tradição que começou com minha mãe, quando eu ainda era uma criança. Quando comecei a entender a religião e a minha fé aumentou em São Cosme e São Damião, passei a fazer essa oferenda. Agradeço muito a eles e peço que me ajudem com saúde, sorte e prosperidade. Comecei fazendo sozinho, mas, hoje, tenho mulher e filhos envolvidos nessa homenagem”, disse.

André de Ogum contou com a ajuda de 15 filhos de santo para preparar tudo. Crédito: Marina Silva/ CORREIO

Entre a família social e a de santo, cerca de 20 pessoas trabalharam nos preparos, até às 4h dessa quarta-feira. O caruru de André de Ogum foi preparado no terreiro Ilê Asè Ìsegun, em Lauro de Freitas. O babalorixá faz aniversário hoje (28) e a oferta do caruru que celebra a vida vem de longas datas. Na verdade, em 1973, a mãe dele, grávida, comeu um caruru em oferenda aos santos gêmeos e, no dia seguinte, entrou em trabalho de parto. Assim que a mulher deu entrada na unidade de saúde, em Santo Amaro, no Recôncavo, André veio ao mundo. Nesta quarta-feira, ele escolheu as roupas e colares da religião para completar a homenagem.

As crianças foram as primeiras a comer, como manda a tradição, e duas esteiras foram postas no chão para que os pequenos pudessem sentar. Os olhos atentos seguiam os pratos que passam de mão em mão entre os organizadores do evento para por cada um dos alimentos até que, finalmente, chegaram aos cinco meninos e duas meninas que aguardavam ansiosos. Animados, eles pousaram para fotos, vídeos e teve até quem repetisse o prato.

A fila de adultos começou a ser formada 15 minutos antes do início da distribuição, marcada para meio-dia. Homens e mulheres, jovens e idosos, moradores da região e pessoas de outros bairros, o perfil do público foi variado. Comerciantes de barracas vizinhas deram uma pausa nos afazeres e formaram uma fila paralela para pegar um pratinho com os quitutes da culinária baiana, seguindo a tradição. A dona de casa Isabel do Nascimento, 53 anos, contou que esqueceu a celebração da data, mas aproveitou para entrar na fila.

“Eu já vim pegar esse caruru outras vezes, mas hoje não saí de casa com essa intenção. Vim à feira porque precisava comprar alguns produtos e, quando cheguei, vi a fila e fui procurar saber do que se tratava. O caruru dele é ótimo, então, não vou perder a oportunidade”, disse.

Fila avançou por dentro da feira com público de perfil variado. Crédito: Marina Silva/ CORREIO

A movimentação da distribuição deixou a região mais tumultuada, exigindo que um dos amigos do babalorixá organizasse o fluxo e permitisse que o público saciasse a fome, sem reclamação. A atendente de call center Eduarda Silva, 22 anos, levou até uma marmita. “Não vou comer aqui, então, acredito que fica mais fácil de levar se tiver em uma vasilha que tenha tampa”, comemorou.

O dia 27 de setembro carrega a tradição de festejar os santos gêmeos Cosme e Damião, cujo dia é celebrado na véspera pela Igreja Católica, mas no candomblé, são associados ao orixá Ibeji, divindade que, na tradição Iorubá, significa gêmeos e estão associados ao princípio da dualidade; por serem crianças, são ligados a tudo que se inicia e brota.

Às 18h, no Pela Porco, também na Sete Portas, foi realizada a distribuição do caruru do Galo de Diumbanda. A iniciativa é do cantor e compositor Diumbanda, da banda Companhia do Pagode, e segue uma tradição iniciada com os pais dele. Essa foi a 20ª edição, que ofertou a delícia para cerca de 3 mil pessoas. No sábado (30), terá distribuição de caruru na Festa dos Erês no Centro Umbandista Caboclo Rei das Matas, na Avenida Baltazar, nº 2, na Barroquinha.