Carrancas da Bahia: rumo ao reconhecimento como Patrimônio Cultural e Imaterial
Iniciativa elabora documentação para dar entrada em processo de patrimonialização
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Emilly Oliveira
emilly.oliveira@redebahia.com.br
Em um esforço para preservar e celebrar a tradição cultural das carrancas na Bahia, a equipe de Patrimônio Cultural de Fiscalização Preventiva Integrada do Estado (48ª FPI/BA) realizou um mapeamento dos mestres produtores de carrancas para tornar o ofício Patrimônio Cultural Imaterial.
Os dados coletados serão enviados em um relatório para o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC) e para o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) para avaliação do pedido de patrimonialização. O prazo para que o reconhecimento seja oficializado é indeterminado, pois precisa passar por alguns processos burocráticos, mas segundo o arquiteto do Iphan, João Gustavo, que acompanhou o mapeamento dos mestres carranqueiros, a riqueza e importância cultural da atividade são inegáveis.
“Dizemos que a atividade já é patrimônio, o que se faz é apenas reconhecê-lo. Diversos depoimentos de mestres artesãos destacam a necessidade de preservar essa expressão única de identidade baiana e também de nível nacional e internacional”, afirma João.
Popularmente conhecidas como objetos de proteção, as esculturas esculpidas em madeira são acima de tudo um símbolo da cultura juazeirense e fonte de renda dos seus mestres produtores.
Segundo explica o artista plástico Alex Moreira, que possui uma dissertação de mestrado sobre a história das carrancas, o objeto era encontrado como figuras de proas em barcos vikings, usados como amuletos protetores contra os perigos das águas.
Com o cruzamento cultural do Brasil Colônia, o objeto ganhou novas funções depois de passar pelo Rio São Francisco, em Juazeiro. Além de símbolo de proteção, passou a ser usado para embelezar os barcos e, mais tarde, depois de também cair em desuso, entrou nas casas, museus e lojas de arte.
Foi transformado em símbolo cultural de Juazeiro, em especial do Rio São Francisco e ofício de muitos artesãos que nasceram nessa terra. “É um formato único, riquíssimo, que não vamos encontrar nada igual em lugar nenhum”, destaca Alex.
Para desenvolver o relatório a ser enviado ao IPAC e ao IPHAN, a equipe de Patrimônio Cultural da FPI visitou e entrevistou artesãos, nos municípios de Juazeiro e Jaguarari, responsáveis por darem formas e cores às tradicionais carrancas e manterem viva a tradição de um ofício artístico que é passado de geração a geração.
Entre eles, o artesão carranqueiro Flávio Motta, que se destaca pela criação da maior carranca do mundo, com 6 metros de altura. Ele começou a esculpir as carrancas aos 16 anos, com a intenção de conquistar um amor e não parou mais.
“É um trabalho que me conecta com a natureza, a qual eu sempre estive ligado. Não há desmatamento nem prejuízos a ela, porque usamos madeiras que já encerraram o seu ciclo. Ou seja, nasceram, viveram e caíram”, conta Flávio.
A madeira usada pelos mestres carranqueiros é umburana. Segundo Flávio, eles costumam coletar os troncos em áreas de mata. O número de artesãos que ainda fazem as carrancas, no entanto, caiu bastantes, como o carranqueiro do povoado de Carnaíba do Sertão, em Juazeiro, que se apresentou a equipe FPI apenas como Djalma.
“Djalma nos disse que o número de carranqueiros no povoado tem caído com o tempo, e que Carnaíba do Sertão já chegou a ter 160 artesãos produzindo carrancas”, relata o coordenador da equipe Patrimônio Cultural, Diogo Vasconcellos.
A patrimonialização do ofício vai garantir o seu reconhecimento e facilitar a criação de editais e políticas públicas que garantam mais oportunidades aos carranqueiros e maior incentivo à prática, garantindo a preservação.
Com orientação de Monique Lôbo