Biólogo descobre na BA cobra-de-duas-cabeças nunca antes descrita pela ciência
Animal foi encontrado na cidade de Caetité
-
Nilson Marinho
lidenilson.marinho@redebahia.com.br
Aquela criatura que brotou do solo poderia passar despercebida, até porque as cobras do gênero Amphisbaena, ou cobras-de-duas-cabeças, não são raras na região norte da Serra do Espinhaço, no município de Caetité. Mas esta, sim, era diferente, e foi o biólogo Thiago Silveira, coordenador de Meio Ambiente, quem a avistou durante um trabalho de monitoramento de fauna em uma área onde ocorrem atividades da mineradora Bamin.
Nesse réptil, que adora se esconder nas profundezas da terra por ser um animal fossorial, havia ao menos 11 características morfológicas diferentes das demais do mesmo gênero. No entanto, não foi rápido nem simples chegar à conclusão e bater o martelo de que aquela cobra era uma nova espécie de Amphisbaena, ainda não descrita pela literatura científica.
O primeiro exemplar que o Thiago avistou estava morto, portanto, a cobra foi imersa em formal para preservar o seu corpo. A ideia era que o animal pudesse ir à mesa de análise de especialistas para que eles pudessem averiguar minuciosamente os 26 cm que compunha aquela criatura.
A então estranha Amphisbaena encontrada pelo biólogo estava em uma área do Projeto Mina Pedra de Ferro, operado pela Bamin, no distrito de Brejinho das Ametistas. Como todo processo de impacto ambiental, especialmente em projetos como mineração, aeroportos, portos, ferrovias e rodovias, exige que sejam feitos estudos, a empresa já havia firmado parcerias com instituições científicas para o envio de amostras de animais que eventualmente pudessem chamar atenção.
“O INEMA ou o IBAMA pedem que os empreendedores realizem um estudo prévio das características físicas, bióticas e sociais da área onde o projeto será implementado. Existem estudos sobre a fauna, flora e o meio socioeconômico, e, com base nos impactos previstos para a região, são propostos programas de monitoramento e compensação. Por exemplo, quando pedimos uma autorização para supressão de vegetação, fazemos o pagamento de uma área em dobro como plantio compensatório. Caso ocorram incidentes com animais, temos uma estrutura, como um hospital veterinário, para cuidar e reabilitar esses animais para a natureza”, explica Marcelo Dultra, Gerente Geral de Sustentabilidade da Bamin.
Nos estudos iniciais, as equipes da Bamin percorreram os oito mil hectares da empresa, identificando aspectos físicos, sociais e bióticos, mas os profissionais não haviam encontrado nada com as características daquela nova criatura.
“Contudo, por meio de um dos programas de monitoramento, Tiago, com sua experiência, notou que o animal encontrado tinha características diferentes. A partir das análises sociais e ambientais — no caso, conduzidas pelo Thiago —, ele identificou essa espécie.
É uma forma de mostrar que é possível a convivência entre mineração e meio ambiente, desde que existam empresas e profissionais éticos, comprometidos com a sustentabilidade e o interesse comum”, comentou Matheus Benício, Gerente de Licenciamento e controle Ambiental.
Após a descoberta da primeira cobra com características morfológicas até então desconhecida, outras também foram localizadas na mesma região pela equipe de monitoramento. Os exemplares, alguns deles também vivos, foram enviados para um herpetólogo — um especialista no estudo de répteis e anfíbios. O restante foram transferidos para uma área de preservação ambiental.
“Em campo, conseguimos identificar o gênero do animal, Amphisbaena, mas, para chegar à espécie exata, não tínhamos material suficiente na literatura científica. Acionamos um doutor especialista em herpetologia, que analisou o material genético e confirmou que se tratava de uma espécie não descrita. A partir daí, começaram os trâmites para a descrição oficial da espécie, com análise morfológica, de DNA e pesquisa em literatura científica”, explicou Thiago.
Após o DNA ser analisado, ele foi comparado com o banco genético mundial das espécies já conhecidas. Nesse processo, foram analisados dados de 370 espécimes de Amphisbaena, sendo possível comprovar que a cobra-de-duas-cabeças encontrada na região norte da Serra do Espinhaço tratava-se de uma nova espécie, a 71ª do gênero Amphisbaena.
“Avaliamos características como focinho alongado e presença de poros, comparando com outras espécies conhecidas, mas nenhuma correspondia [...] Para identificar essa nova espécie, foi essencial comparar crânios e dentições, analisar o DNA e, finalmente, observar características distintas da cabeça, que diferia das outras espécies da região.
No artigo científico publicado sobre a cobra, a nova espécie foi descrita como possivelmente endêmica da porção norte da Serra do Espinhaço, que possui altitude média de 1000 m acima do nível do mar. A extensão da ocorrência do animal é de cerca de 38 km.
“Os estudos ambientais trouxeram uma importante contribuição ao conhecimento da biodiversidade da área sob controle da Bamin, a Bahia Mineração. A identificação de uma nova espécie indica que a fauna fossorial, assim como a de outros grupos, na região da Serra do Espinhaço está longe de ser completamente conhecida e que pode abrigar uma diversidade de táxons endêmicos muito maior do que a percebida até o momento”, relataram os pesquisadores no estudo acadêmico.
A nova espécie que vive enterrada a metros de profundidade das terras de Caetité foi batizada cientificamente de Amphisbaena amethysta, em referência a pedra preciosa que se forma em cavidades subterrâneas daquela região e que atraiu a mineradora responsável pela descoberta.