Bahia é 3° estado onde mais moradias foram destruídas em tragédias ambientais
Levantamento da Confederação Nacional de Municípios indica que cerca de 84 mil casas foram danificadas no estado
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Maysa Polcri
maysa.polcri@redebahia.com.br
Toda vez que diz seu endereço para alguém, Débora Silva, de 24 anos, resgata memórias de uma tragédia que não ficou apenas no passado. A pedagoga perdeu sete parentes na enchente que causou estragos em Lajedinho, em 2013. O nome de sua tia, uma das vítimas do desastre, foi dado ao bairro criado para abrigar as pessoas que perderam tudo. Assim como aconteceu com Débora, que se mudou para o Loteamento Maria José, em 2017, outras 84 mil moradias foram danificadas ou destruídas em desastres, na Bahia, em dez anos.
O levantamento foi realizado pela Confederação Nacional de Municípios (CNM) e divulgado na segunda-feira (20). A análise aponta que 51,2% das cidades brasileiras registraram impactos em residências durante desastres entre 2013 e 2023. Somente na Bahia, foram 9.276 casas destruídas no período, o terceiro maior contingente do país. O estado só fica atrás de Rio Grande do Sul (42 mil) e Paraná (10 mil).
Além das moradias destruídas, outras 74.813 foram danificadas na Bahia ao longo de dez anos. O período compreende tragédias como a enchente de Lajedinho e as chuvas que atingiram mais de 100 municípios entre dezembro de 2021 e janeiro de 2023. A pesquisa se baseou em dados do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR).
Para pessoas como Débora, a sensação de ter perdido tudo não passa completamente. Estar em uma nova casa, cedida pelo Estado, também é uma lembrança do que ficou para trás. “A tragédia de 2013 foi o ápice de algo que já acontecia há muito tempo. Eu convivo com enchentes desde nova. Minhas primeiras memórias de criança são da minha mãe ajudando a tirar lama da casa do vizinho, enquanto eu apostava corrida com barquinho de papel na água”, relembra Débora.
A pedagoga tinha 13 anos quando a força da água varreu o que estava no caminho, destruindo casas e causando a morte de 17 pessoas. O episódio aconteceu em 7 de dezembro de 2013. “Minha família sobreviveu de doações durante um bom tempo. A gente só tinha o que comer e onde dormir graças à ajuda das pessoas. Enquanto as pessoas procuravam corpos, a gente tentava arrumar a casa para voltar”, relembra.
Um dos muros da casa de Débora foi destruído, mas a família voltou para a residência. Na época, o pai vendia lanches que cozinhava em casa, e tudo foi perdido. Ela e os pais só se mudaram para o loteamento feito com recursos do Minha Casa, Minha Vida, do Governo Federal, cinco anos depois.
“A gente ainda não passou pela enchente. A gente continua sendo violentado, pouco foi feito para que a tragédia não se repetisse. Até hoje o córrego que alagou está em obras”, lamenta. A reportagem não conseguiu contatar a prefeitura de Lajedinho. Já o Governo do Estado, foi contatado através da Secretaria de Comunicação, mas não respondeu.
Recursos reduzidos
No balanço divulgado na segunda-feira (20), a Confederação Nacional de Municípios aponta que enquanto os eventos climáticos extremos ficam mais frequentes, os recursos do Governo Federal destinados às moradias são reduzidos. “A tendência média de registros de desastres aumentou mais de 130%. Ao mesmo tempo, a média de contratações pelo Programa Minha Casa Minha Vida caiu cerca de 90%, inviabilizando novas contratações”, pontua o levantamento. Ainda segundo a pesquisa, entre 2019 e 2023, nenhum novo contrato foi viabilizado para os beneficiários de menor renda (faixa 1).
O levantamento foi publicado no momento em que o Rio Grande do Sul enfrenta a maior tragédia da sua história. Até a segunda-feira (20), 157 pessoas haviam morrido e cerca de 581 mil precisaram deixar as suas casas. Paulo Ziulkoski, presidente da Confederação Nacional de Municípios, ressaltou, durante coletiva de imprensa, que os recursos do Estado são insuficientes para atender à população diretamente afetada pelos eventos climáticos extremos.
“Entre 2013 e 2023, mais de 115 mil casas foram destruídas, sendo mais de 80% nas pequenas e médias cidades. Mas, o Governo Federal exclui os municípios de menos de 50 mil habitantes dos programas de moradia. Nós sabemos onde está o problema e precisamos trabalhar em parceria para enfrentar essa questão, que recai sobre o poder local”, analisa Paulo Ziulkoski.
Os prejuízos causados por mudanças climáticas nas cidades brasileiras será um dos temas discutidos durante a Marcha para a Brasília em Defesa dos Municípios, que acontece entre os dias 20 e 23 de maio, na capital federal. Para o presidente da União dos Municípios da Bahia (UPB), José Quinho, a articulação entre os entes federativos é importante para enfrentar o problema.
“Vivemos um momento crítico em todo o mundo com problemas ambientais e é necessário que investimentos sejam feitos na prevenção de desastres. O Minha Casa, Minha Vida precisa ser bem planejado para ser uma solução de problemas que surgem nos grandes centros e cidades do interior”, ressalta.
Procurado, o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR) informa, em nota, que o Governo Federal executa ações de resposta e recuperação em caso de desastres, independente do fator que deflagrou a tragédia, em complemento às ações municipais e estaduais. "Dessa forma, são executadas ações de socorro, assistência humanitária, restabelecimento de serviços essenciais, reconstrução e recuperação de áreas afetadas, conforme as informações declaradas pelos municípios afetados no S2ID, juntamente com outros órgãos do sistema nacional de proteção e defesa civil - Sinpdec, como o MDS, o MS, Ministério da Defesa, Cidades, Meio Ambiente, MCTI, dentre outros órgãos estaduais e municipais, públicos ou privados", acrescenta.
Entre dezembro de 2021 e janeiro de 2022, mais de 470 mil pessoas deixaram suas casas em 165 municípios baianos afetados por temporais. Na ocasião, 26 pessoas morreram. Na cidade de Dário Meira, uma das que mais sofreram com as chuvas, o bairro Jerusalém se tornou refúgio de quem ficou sem casa, como mostrou uma reportagem do CORREIO.