Ataques do CV, noites de tiros e apreensão de armas de guerra: Engenho Velho da Federação registra janeiro de medo
Bairro registrou 11 tiroteios, três mortos e dois feridos no primeiro mês do ano
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Wendel de Novais
wendel.novais@redebahia.com.br
A violência armada em Salvador teve o Engenho Velho da Federação como epicentro durante o mês de janeiro. Com 11 tiroteios, três mortos e dois feridos, de acordo com o Instituto Fogo Cruzado, o bairro esteve à frente de todos os outros em registros de confrontos nos primeiros 31 dias do ano. Um levantamento da reportagem em matérias, porém, ao menos quatro mortes no local foram confirmadas. Os dados traduzem um aumento nas investidas da facção do Comando Vermelho (CV) contra o Bonde do Maluco (BDM), que tem atuação histórica no bairro. Como resultado, o bairro viveu noites de tiros e um pico de violência, entre os dias 08 e 14 de janeiro, com oito tiroteios e dois mortos.
No período, integrantes da facção do BDM chegaram a espalhar, por aplicativos de mensagens, avisos que creditavam ao grupo rival a responsabilidade pelos confrontos frequentes, além de detalhar um caso ocorrido no dia 9 de janeiro. “Esses empolgados [CV] promoveram vários nas favelas do Manguinho, Ferreira Santos, Calabar, Muriçoca, Parque São Braz e na Lajinha. Deixamos aqui bem claro que nossa ideologia é deixar a comunidade tranquila para que os moradores possam transitar e ter sua rotina normal”, informa um traficante por um aplicativo.
O ataque citado na mensagem aconteceu no Beco da Rabada, na Lajinha, quando dois homens que estavam saindo para o trabalho em um veículo no local foram baleados. Um deles, Sidnei dos Anjos, 34 anos, acabou morrendo. O outro, que não foi identificado, foi socorrido para uma unidade de saúde e não faleceu. A Lajinha é a principal área de atuação do BDM na região, enquanto CV tem o domínio do tráfico de drogas no Forno, na entrada do bairro e quer ampliar sua presença. Quem vive no local, inclusive, diz que homens do Rio de Janeiro teriam chegado para reforçar os ataques.
“A gente percebeu, já no início do mês, um pessoal novo deles [CV] aqui. Quando começou a agonia de tiros, entendemos o que era. O movimento nas ruas até diminuiu depois disso e, naqueles dias [8 a 14 de janeiro] todo mundo corria para o trabalho e voltava correndo para dentro de casa. Agora, mesmo escondidos, a gente percebeu aqui no Forno uma movimentação maior, com mais homens nas ruas do que é comum”, conta um morador, que terá sua identidade preservada.
Com mais homens armados nas ruas e o policiamento reforçado na área, no dia 10 de janeiro, houve um confronto entre traficantes e policiais. Na troca de tiros, dois suspeitos foram mortos na região do Cachimbeiro, na Rua Ferreira Santos. Com eles, os policiais apreenderam duas armas de fogo, munições, maconha, crack e cocaína. De acordo com a PM, na ocasião, os dois foram localizados após informações de que um grupo de homens armados estaria efetuando disparos na área.
No dia seguinte, agentes da 41º Companhia Independente da Polícia Militar (CIPM) realizavam ação de policiamento ostensivo após uma nova denúncia de tiroteios e encontraram homens armados, que atiraram contra as viaturas antes de fugirem. No entanto, os suspeitos deixaram para trás duas bicicletas, uma balança de precisão, dois celulares, uma porção de cocaína e 28 de maconha. No dia 14 de janeiro, um suspeito morreu após uma troca de tiros com policiais militares, também no Beco da Rabada. Mesmo após o pico de ocorrência, foram registrados outros casos de violência.
No dia 15 de janeiro, um segundo morador do bairro teria sido vítima na Rua Neide Gama. “Como eles estão em guerra, fazem de tudo aqui. Já instalaram, inclusive, diversas câmeras pelo bairro para verem quem passa por aqui. Esse morador que eles mataram não deixou que eles instalassem a câmera de monitoramento no poste da casa dele. Depois disso, mataram ele e ainda filmaram para servir de exemplo”, fala. Procurada para confirmar se houve registro de morte na rua naquele dia, a Polícia Civil não respondeu até o fechamento desta reportagem.
Questionado sobre a situação do bairro, o titular da Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia (SSP-BA), Marcelo Werner, confirmou que o bairro presencia uma disputa. "Aquela ali, infelizmente, é uma área de disputa entre facções. Vocês sabem do combate forte que a gente vem fazendo contra os grupos criminosos que causam esse tipo de evento de terror, de violência e que deixa a população acuada por conta dos tiroteios entre eles", fala Werner.
Após isso, no entanto, um novo tiroteio foi registrado no dia 18 de janeiro. Na ocasião, mortes não foram registradas. O mesmo aconteceu dez dias depois, quando BDM e CV voltaram a entrar em confronto. “Depois daqueles tiroteios todos, sossegou um pouco. Porém, eles se bateram em outras situações. O que a gente não soube foi de gente morta e tudo segue como antes. A região que era do BDM continua assim e a do CV também, mas eles continuam nas ruas”, conta outro morador.
Tanto é que no fim do mês, no dia 30 de janeiro, dois fuzis foram apreendidos pela polícia durante atividade prática de um curso de Patrulhamento Tático Móvel do BPATAMO da PM. Além dos fuzis calibre 5,56, os PMs encontraram carregadores, munições, R$ 8,8 mil em espécie, cerca de 7 kg de maconha e cocaína, balanças e celulares dos traficantes, que abandonaram os itens ao ver a aproximação dos policiais. Juntos, os dois fuzis apreendidos custam cerca de R$ 140 mil e têm alcance útil que supera dois quilômetros.