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Apenas um terço dos idosos possui plano de saúde em Salvador


 

Mensalidade para a faixa etária chega a R$16 mil

  • Maysa Polcri

Publicado em 23/06/2023 às 06:44:14
Custos são maiores para idosos. Crédito: Shutterstock

Conforme a idade avança, maiores são os custos despendidos para cuidar da saúde. Em um cenário ideal, idosos deveriam ter prioridade no acesso aos convênios médicos, uma vez que o serviço público é incapaz de atender a todos. Na realidade, menos de um terço das pessoas com 60 anos ou mais em Salvador possuem plano de saúde. A contratação de pode chegar a R$16 mil na capital baiana, valor que deve aumentar, já que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) autorizou um reajuste de 9,63% nesta semana. 

Informações disponibilizadas pela ANS, indicam que em dezembro do ano passado 119.610 mil pessoas com 60 anos ou mais possuíam planos de saúde ativos em Salvador. Os dados são os mais recentes disponibilizados pelo órgão responsável pela regulação dos convênios. O número representa 26% do total de idosos na cidade, que é de 450 mil pessoas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Ibge). 

Entre os idosos, a faixa etária que possui menos acesso a convênios médicos é a entre 75 e 79 anos. Das 73 mil pessoas, apenas 14,2 mil possuem plano (19%). É justamente nessa faixa de idade que está Alice Santos Souza, 76. A neta da senhora, Geovana Santos, 22, desabafa sobre a dificuldade da família em conseguir um plano de saúde viável financeiramente.

“Ela tem diabetes e questões de mobilidade. Minha mãe é funcionária pública e não consegue arcar com o plano de saúde para a minha avó por conta da idade. Ela prefere investir o dinheiro em consultas particulares ocasionalmente e comprar medicações, mas isso a aflige muito”, relata Geovana. 

A reportagem realizou uma análise na plataforma Pesquisa de Planos de Saúde, no site da ANS, e descobriu que um convênio para pessoas acima de 59 anos pode chegar a custar R$16.071 em Salvador. O plano mais caro cobre consultas ambulatoriais, internação e obstetrícia. A acomodação é do tipo enfermaria.

Já o mais barato, custa R$293, a cobertura é apenas ambulatorial e sem direito à acomodação. O valor médio dos planos na capital para pessoas acima de 59 anos é de R$2.684. Uma das consequências da alta de preços na terceira idade é a migração de clientes para convênios mais em conta, como já foi noticiado pelo CORREIO. 

Confira a oferta de planos de saúde para toda a Bahia aqui

Os idosos que possuem 80 anos ou mais são, proporcionalmente, os que mais têm convênios na capital baiana. Cerca de 41% do público de 54 mil pessoas possuem plano de saúde - o que corresponde a 22,3 mil idosos. O superintendente executivo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), José Cechin, acredita que os números demonstram a importância que os brasileiros dão aos cuidados com a saúde.

“O idoso normalmente é aposentado e vive, na maioria dos casos, de renda do INSS. Tirar o valor do plano de saúde do que é recebido do INSS é uma tarefa difícil, já que a aposentadoria média é de menos de R$2 mil. Os idosos fazem um esforço muito grande para manter o plano porque sabem da importância”, pontua José Cechin. 

Para ele, a quantidade de soteropolitanos que possuem plano de saúde (26%) representa uma margem considerada boa.

“Um terço é mais do que o percentual de brasileiros com plano de saúde, que é de 24%. Ou seja, os idosos querem o plano de saúde e fazem de tudo para permanecer”, analisa o superintendente. 

Etarismo

Mesmo quem tem dinheiro para arcar com os valores dos planos de saúde enfrenta outro obstáculo: o etarismo. Advogados que atuam na área do Direito à Saúde explicam que os convênios se munem de artifícios para dificultar a admissão e permanência dos assegurados com idade avançada, que, em teoria, utilizam mais os serviços. 

“O etarismo existe e não é culpa somente das empresas privadas, mas de toda uma estrutura. O problema é que as corporações atuam explorando a saúde como um comércio com pouca regulação efetiva [...] Elas criam empecilhos e dificultam o acesso para as pessoas idosas”, analisa o advogado Tiago Menezes, que atua no Direito do Trabalho e Previdenciário. Para ele, as perícias realizadas quando um idoso tenta contratar um novo convênio reforçam o etarismo - o preconceito com pessoas mais velhas. 

O escritório de advocacia Mendonça e Elbachá, com sede em Salvador, é especializado em Direito à Saúde e a maior parte das queixas dos idosos é em relação à adesão de novos convênios médicos.

“Os idosos são desestimulados, impedidos ou têm o acesso dificultado pelas empresas. Os convênios informam que não há opções pela idade ou deixam de responder as famílias”, explica o advogado André Mendonça. 

Reajuste de planos de saúde pode chegar a 120% conforme a idade avança

O Estatuto do Idoso foi criado em 2003 no Brasil e garante que a partir dos 59 anos, os convênios médicos não podem reajustar o valor cobrado. Porém, empresas utilizam um artifício que já foi compreendido como conduta discriminatória em tribunais baianos. Quando o cliente completa 59 anos, os planos aplicam um reajuste desproporcional para compensar as perdas dos anos seguintes. 

“É uma conduta discriminatória porque configura uma forma indireta de punir o idoso. Não são raras as vezes que o Judiciário reduz esse reajuste para a casa dos 20% porque já vimos chegar aos 120%”, pontua o advogado especialista em Direito à Saúde André Mendonça. O reajuste autorizado pela ANS nesta semana, de mais de 9%, vale para planos individuais e familiares e entrará em vigor assim que a medida for publicada no Diário Oficial da União (DOU).

Em caso de conduta abusiva dos planos de saúde, os advogados especialistas indicam que os idosos ou seus familiares busquem solucionar o problema por vias administrativas. Para isso, é preciso contatar o plano de saúde e, se não houver resolução, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Em último caso, pode ser preciso entrar na Justiça. 

“A primeira etapa é buscar um dos três níveis de atendimento do plano de saúde: a central de relacionamento, serviços e atendimento ao consumidor e a ouvidora. Ao reclamar na ouvidoria é importante anotar o número do protocolo e, se estourar o prazo, partir para a reclamação na ANS”, explica o advogado André Mendonça. 

“Tenho a prática de esgotar as vias administrativas para, não necessariamente, entrar na via judicial. A ouvidoria e a ANS por vezes resolvem o problema e, não resolvendo, não tem outro caminho a não ser a ação na Justiça para fazer valer os direitos”, afirma.

O que diz a ANS

Questionada sobre os reajustes abusivos citados na reportagem, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) afirmou que as normas do órgão determinam que o valor fixado para a última faixa etária (59 anos ou mais) não pode ser superior a seis vezes o valor da primeira (0 a 18 anos). A ANS também proíbe que a variação acumulada entre a 7º e 10º faixas etárias seja superior que a variação entre a 1ª e a 7ª faixas etárias (confira na tabela).

Segundo a agência, o reajuste por mudança de faixa etária, previsto na legislação do setor, se justifica em razão da mudança do perfil de utilização dos serviços de saúde. "A formação de grupos de idade visa diluir o risco por uma massa maior de usuários, proporcionando um preço mais equilibrado para todos os beneficiários. Caso os preços fossem formados para cada idade, os mais jovens teriam preços mais atrativos, enquanto os mais idosos poderiam ter preços muito elevados ou inviáveis", pontua.

*Com orientação de Perla Ribeiro.