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A nossa cara: mulher baiana é negra, de meia idade e tem rendimento menor do que o dos homens


 

Mulheres representam 51,7% da população do estado

  • Maysa Polcri

Publicado em 08/03/2024 às 05:15:00
Mulheres representam 51,7% da população do estado. Crédito: Acervo pessoal/Marina Silva

Elas são maioria dentro dos ônibus lotados nos horários de pico. Também são responsáveis por buscar as crianças nas escolas. No lar, gastam mais tempo limpando a casa e cuidando dos filhos. A descrição de Dorival Caymmi, na década de 30, sobre ‘o que é que a baiana tem’ passa longe da realidade neste 8 de março, quando é celebrado o Dia Internacional da Mulher. Na Bahia, o perfil delas é outro: mulheres negras, de meia idade e que não alcançaram o ensino superior.

O ‘modelo’ da mulher baiana, que representa 51,7% da população do estado, foi traçado a partir de pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Ibge). Mais da metade delas (57,2%) se autodeclaram pardas, o que representa 4,1 milhões do total de 7,3 milhões de mulheres baianas. Nos critérios do Ibge, o termo “negro” engloba indivíduos pardos e pretos. Elas são maioria também nas idades entre 30 e 49 anos. São mais de 2 milhões de baianas nesta faixa etária, 30,1% do total.

Existem, ainda, características que se sobrepõem aos dados. Não há como compreendê-las sem considerar as grandes doses de resiliência e bom humor que embalam histórias de superação. São mulheres como Tatiana Factum, que, aos 41 anos, enxerga, da varanda de casa, as portas para um mundo de possibilidades.

A vontade de passar mais tempo com os dois filhos impulsionou Tatiana a deixar o trabalho como cuidadora de idosas e trocar de profissão. “Eu chegava às 23h em casa e os meninos já estavam dormindo. Ia para o trabalho às 4h da manhã para pegar o primeiro ônibus. Sempre foi uma luta”, relembra. Se desdobrar para dar conta do sustento da casa e dos filhos é uma realidade para a maioria das mulheres baianas. A média de rendimento delas é de R$1.821, valor 11,6% menor do que a remuneração dos homens no estado.

“As mulheres são, em média, mais instruídas do que os homens. Mas existem desigualdades persistentes no mercado de trabalho, tanto no acesso como no rendimento. Mesmo quando elas estão empregadas, têm mais dificuldade em subir de posições e se desenvolver”, analisa Mariana Viveiros, supervisora de disseminação de informações do Ibge. A média de anos de estudo, para elas, é de 9,1 anos - um ano a mais que os homens.

Em 2022, o instituto revelou que o desemprego afeta 37% mais mulheres do que homens no estado. “Mesmo quando ambos estão em cargos de direção, elas ganham menos. É uma desigualdade que vem melhorando, mas ainda persiste”, diz a especialista. 

Depois de ouvir muitos “nãos”, Tatiana ingressou em um curso de trancista e, desde então, não parou mais. Os estudos nunca deixaram de fazer parte da sua vida, o que não é a realidade para a maioria das mulheres baianas. Quanto à formação, mais de 1,9 milhão de baianas com 25 anos ou mais não têm instrução ou não completaram o ensino fundamental, sendo 39% de todas aquelas com a mesma faixa etária.

Além de estudar mais do que os homens, elas ainda enfrentam um desafio duas vezes maior. As mulheres gastam quase um dia inteiro da semana (23,1 horas) apenas para as atividades domésticas, enquanto que os homens dedicam apenas 10,9 horas por semana. É o caso de Débora Moura, de 31 anos, que mora no Alto das Pombas, em Salvador.

“Eu não me viro nos 30, me viro nos 60”, resume, em tom de brincadeira. E a descrição não é à toa. Débora cuida dos dois filhos, de 10 e 16 anos, trabalha como babá da sobrinha, dá aula de reforço escolar e faz faxinas, quando as oportunidades aparecem. “É uma correria danada todos os dias, mas a gente tem que se encaixar. Se fosse fácil demais, ninguém fazia nada”, diz.

A luta diária para dar conta do seu sustento e dos filhos não é medida pelo Ibge, mas a maioria das mulheres do estado conhece de perto essa realidade. Rosemeire dos Passos Santos, 43, batalha para seguir firme com seu empreendimento desde 2019. Antes da pandemia, ela e outras duas amigas decidiram abrir um pet shop na capital baiana.

“Precisei pegar um empréstimo para conseguir abrir a loja e, desde então, foi muita luta. Descobri que uma das minhas sócias deixou um rombo no negócio e, hoje, cuido de tudo sozinha. Pensei em desistir, mas fechar as portas depois de todo o esforço não seria justo”, pondera.

É essa resiliência que ela faz questão de deixar de legado para as filhas, que têm 11 e 20 anos. “Eu ensino elas a ter sabedoria e respeito. Não desistir nunca e seguir sempre o correto”, completa.