77,6% das vítimas de ações policiais na Bahia são negras
Estado registrou, em 2023, uma morte de pessoa negra a cada sete horas
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Larissa Almeida
lpalmeida@redebahia.com.br
Em cada um dos 365 dias de 2023, pelo menos sete pessoas negras sofreram com a letalidade policial em noves estados brasileiros, mas somente a Bahia teve um número de mortes que representou quase a metade (47,5%) das pessoas negras mortas nesses estados. Ao total, foram 1.321 vidas negras perdidas, o equivalente a 77,6% do total de óbitos registrados na Bahia (1.702) no ano passado. Os dados são do boletim Pele Alvo: mortes que revelam um padrão, realizado pela Rede de Observatórios da Segurança.
Os estados em questão, monitorados pela entidade, foram Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo. Ao todo, foram 4.025 mortes. Destas, em 3.169 casos foram registrados os dados de raça e cor, sendo 2.782 (87,8%) pessoas negras. Na Bahia, dos 1.396 casos em que foram registradas raça/cor da vítima fatal, 1.321 (94,6%) eram pessoas negras, o equivalente a uma morte a cada sete horas.
Porta-voz da Rede de Observatórios de Segurança, Ana Paula Rosário vê a violência contra a população negra baiana como resultado de outros atravessamentos, como o racismo e a escalada da presença de facções, que são problemas com pesos distintos: enquanto um é histórico e organizou a população negra às margens da sociedade, o outro é produto da modernidade e mantém a lógica da exclusão, o que se reflete na ocupação territorial.
“Se formos analisar, a maioria dessas mortes ocorrem em espaços que são considerados marginalizados. A Bahia, inclusive, está abrigando cinco das cidades mais violentas do Brasil”, aponta Ana Paula.
Outro fator é a intensificação da política de guerra às drogas que, segundo Dudu Ribeiro, integrante da Rede de Observatórios da Segurança e pesquisador da Iniciativa Negra, promove um massacre racial. O termo foi consolidado pelo Supremo Tribunal Federal a partir da resolução sobre a criminalização da maconha, quando ficou estabelecido que a aplicação da Lei de Drogas é uma questão sobretudo de raça.
Refém da violência promovida por organizações criminosas e pela ação hostil da força policial nas comunidades, a população negra baiana encontra poucas brechas. Para Samuel Vida, coordenador do Programa Direito e Relações Raciais da Universidade Federal da Bahia (Ufba), uma das poucas que restam é a denúncia.
“Como medida prática por parte das famílias negras que vivem nas periferias e estão sujeitas a essa violência, é fundamental que se intensifique a prática de registrar e filmar toda abordagem policial. Essas abordagens precisam ser escrutinadas pelas câmeras da sociedade civil. Não dá para esperar mais as câmeras policiais”, afirma.
Quanto a secretaria de segurança pública do estado, a sugestão de Samuel é para que se apliquem as câmeras corporais nas fardas dos policiais que atuam na linha de frente do confronto armado, e não apenas na farda de policiais que atuam na fiscalização de tráfego ou em posições secundárias.
Além disso, ele acredita que é preciso reivindicar o reconhecimento governamental de que há uma crise na segurança pública. “O governador Jerônimo Rodrigues tem, insistentemente, dado declarações que são no mínimo negacionistas, dizendo que não há problemas e que a polícia tem o controle da situação. O que é possível verificar, no entanto, é que há um fracasso total do modelo de segurança pública com toda essa letalidade que atinge inocentes, enquanto o crime organizado continua se fortalecendo”, finaliza.
A reportagem procurou a Polícia Militar e a Polícia Civil para se posicionarem sobre os dados divulgados pelo boletim da Rede de Observatórios de Segurança. Ambas as pastas sugeriram o contato com a Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA). Procurada, a SSP-BA não respondeu ao CORREIO sobre os números da letalidade policial nem sobre estratégias para reduzir tal cenário.