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65% dos assassinatos de mulheres na Bahia ocorreram por armas de fogo em 2022


 

Índice é maior do que a média nacional, que ficou em 50%

  • Larissa Almeida

Publicado em 08/03/2024 às 05:45:00
Violência doméstica. Crédito: Agência Brasil

Dos 411 assassinatos de mulheres registrados na Bahia em 2022, 65% (266 casos) aconteceram por uso de arma de fogo. O número é maior que a média nacional, que aponta que 50% dos homicídios de mulheres no Brasil ocorreram por uso desse meio, naquele ano. As informações são da pesquisa O Papel da Arma de Fogo na Violência Contra a Mulher, realizada pelo Instituto Sou da Paz, com dados retirados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), ambas importantes bases de dados do Ministério da Saúde. O estudo foi divulgado nesta sexta-feira (8).

A escolha da arma de fogo como método para matar ocorre, sobretudo, pela disponibilidade de armamento em território nacional. Segundo o estudo, após mudanças feitas na legislação pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, houve aumento exponencial do volume de armas em circulação no país. Além disso, a alta letalidade provocada é outro fator que justifica a preferência desse instrumento por parte do criminoso, conforme afirma Cristina Neme, coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz e responsável pela pesquisa.

“A arma de fogo tem uma chance alta de provocar a morte da vítima, diferente de uma briga ou uma força física. [...] Nós temos altos níveis de violência e, com a facilidade de acessar armas de fogo, acaba-se tendo esses instrumentos prevalentes. Quando há aumento de homicídios e conflitos armados de homens, também tende a aumentar os casos que têm as mulheres como vítimas. Mas, diferentemente dos homens, as mulheres são mais vítimas da violência doméstica baseado em gênero. E, nesse caso, a arma de fogo também é um instrumento importante para praticar esse tipo de violência e resultar em morte”, diz Cristina Neme.

Considerando a incidência dos casos em taxa por 100 mil mulheres, a Bahia tem a terceira maior taxa de homicídios femininos por arma de fogo do país, com 3,6. O estado fica atrás apenas do Ceará e Roraima, que têm taxas de 4,3 e 3,9, respectivamente.

O cenário da violência contra a mulher na Bahia tem fatores combinados. Professora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher da Universidade Federal da Bahia (PPGNEIM – Ufba) e integrada ao Observatório de Feminicídios, Vanessa Cavalcanti, aponta a existência de violências sobrepostas para explicar o ódio às mulheres que motivam os crimes contra a vida delas, tendo como grande pano de fundo a cultura patriarcal, que se expressa de maneira histórica e processual, valendo-se da desproteção institucional e social.

Para a especialista, nos últimos anos ainda houve um deslocamento da violência que traduz o ódio de gênero junto a outros marcadores sociais, como raça e religião. “Temos um fenômeno que destacava a região sudeste como polo central de assassinato de mulheres, com destaque ao estado do Espírito Santo. Entretanto, houve também deslocamento de ‘zonas de trânsito’ e a Bahia, já no período pandêmico, anunciava dados vinculados a intolerâncias religiosas e racismo. Tal processo revela interseccionalidade e interfaces de vários fatores para explicar e descrever que quanto maior a violência armada, mais alguns grupos são os alvos. É o caso de jovens, negros, LGBTQIA+ e mulheres”, afirma.

A escalada da violência contra mulher é vista por Vanessa Cavalcanti como reflexo de uma ‘onda machista’ e da política de flexibilização de armas entre 2019 e 2022, assim como intolerâncias físicas, étnico-raciais e contra identidades de gêneros. “Intolerâncias múltiplas ampliam uma cultura de ‘tudo pode’ e de dominação de corpos, especialmente os femininos, negros, LGBTQIA+. As violências de gênero se agravam quanto maior a ideia de impunidade, e o resultado de armamento e de polaridades apresenta sinais rápidos na letalidade”, analisa.

A nível nacional, os maiores algozes que vitimam mulheres são pessoas próximas, mais especificamente companheiros íntimos que, seja por controle, ideia de posse ou ciúme, se revelam feminicidas. No dia 12 de dezembro de 2022, Madai Santos São Bernardo, de 28 anos, foi uma das vítimas fatais de um deles. Ela, que estava tentando terminar o namoro com o suspeito, com quem tinha um relacionamento turbulento e já teria recebido ameaças, foi morta a tiros disparados por ele enquanto estava dentro de casa, no bairro de Cosme de Farias, em Salvador.

Nem sempre, contudo, a proximidade é uma regra. Outras razões além do ódio de gênero motivam a morte de mulheres vistas como ameaças. Esse foi o caso da líder quilombola Mãe Bernadete, que foi assassinada em Simões Filho na noite do dia 17 de agosto de 2023. Segundo testemunhas, bandidos armados invadiram o terreiro, amarraram pessoas e executaram a tiros Maria Bernadete Pacífico.

Conforme apurado pelo CORREIO em novembro do ano passado, um desentendimento com Mãe Bernadete levou Sérgio Ferreira de Jesus, 45 anos, morador do Quilombo Pitanga dos Palmares, em Simões Filho, a mandar áudios aos traficantes de drogas da região, instigando para que eles executassem a líder quilombola. Segundo a Polícia Civil, ele praticava extração ilegal de madeira no território quilombola e teve uma discussão com a líder quilombola.