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Doris Miranda
Publicado em 22 de julho de 2023 às 06:00
O ilustrador ítalo-chileno Esteban Vivaldi, 48, admite que tem um olhar estrangeiro sobre a Bahia e que ainda mantém certa admiração diante do que vê. Se bem que, casado com uma baiana, pai de um filho soteropolitano e morando por aqui desde 2014, esse olhar já está um tanto contaminado. Para compor Roma Negra, sua primeira graphic novel e a primeira da editora Solisluna também, Esteban se valeu desse “olhar estrangeiro” como elemento fundamental. >
“É uma perspectiva interessante para um artista, pois implica uma distância do objeto de observação que acho necessária para um autor. É um ponto de vista virgem sobre as coisas que, como já falou Contardo Calligaris, vai sumindo, apagado pela cotidianidade da vivência e pelo fato de se acostumar às coisas com o passar do tempo”. O livro será lançado em 13 de agosto, às 16h, na Flipelô, em mesa mediada por Gutemberg Cruz, um dos maiores especialistas em quadrinhos na Bahia.>
A trama, que guarda um quê do imaginário de Jorge Amado e Carybé, acompanha três histórias, a de um jovem casal que vem do sertão baiano a cavalo para conhecer o mar e chegam no dia de Iemanjá; a de um italiano com um passado obscuro que viaja num navio de carga e resolve ficar em Salvador; e a de um pintor estrangeiro, com um jeito meio Bukowski de ser mas cheio de baianidade, que reinterpreta as curvas de uma modelo soteropolitana. >
O ponto de convergência é a cidade, sua cultura e arquitetura. “Salvador é uma cidade complexa, que permite infinitas interpretações e que, aliás, pede para ser interpretada. É um lugar que pode revelar muito sobre a vida para quem quer enxergar e ouvir de verdade”, pondera. >
Os quadrinhos de Esteban, pintados em aquarela em gradações de preto, têm muito da linguagem cinematográfica. Até porque o autor, arquiteto de formação, além de desenhar desde menino, primeiro no Chile, onde nasceu, e, em seguida, em Roma (Itália), onde morou a maior parte da vida, trabalha como editor de documentários. Nesse sentido, privilegia claramente as imagens ao texto. >
“Considero Roma Negra como meu segundo filme [o primeiro é o doc A Era do Cobre/2016], só que tive que mudar de linguagem pois os quadrinhos usam uma linguagem específica que pode ter influências no cinema e na literatura, mas deveria ser tratada como exclusiva das histórias em quadrinho. Gostaria é de fazer uma longa de animação algum dia, adaptar Roma Negra. Acho que seria interessante rever um pouco a história e, claro, o lindo desafio de introduzir a música e o som, elementos tão necessários na Bahia”, diz. >
O título faz uma referência dupla. A Salvador, conhecida também como Roma Negra, por conta da forte presença das religiões de matriz africana, e à capital italiana, onde Esteban passou boa parte de sua vida: “É uma relação de tipo poética e espiritual. As duas são capitais religiosas importantes: Roma é a capital do catolicismo, Salvador é a capital do candomblé. Às vezes, alguns cantos daqui até parecem com a Cidade Eterna!”.>