Tudo para ser mãe: fertilização in vitro chega a custar quase R$ 15 mil
Tratamentos em até 12x no cartão e gastos acima de R$ 400 mil são só alguns dos custos que elas têm para engravidar
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Priscila Natividade
priscila.oliveira@redebahia.com.br
Uma, duas, três, quatro. Por que não consigo? O que fiz de errado para não ser mãe? Outro resultado negativo. Tenha esperança. Logo vai dar tudo certo. Cinco, seis, sete, oito, nove tentativas até ouvir o coraçãozinho de Giovanna batendo ali. “Com 1 ano de casada, começamos uma jornada que nem sabíamos o quanto seria longa. Primeiro, ele foi diagnosticado com varicocele. Depois, descobrimos que eu tinha a endometriose. Foram 10 anos tentando a fertilização in vitro (FIV) até que eu conseguisse engravidar”, relembra a bióloga Cíntia Lima, mãe de Geovanna, hoje com 4 anos.
Desde criança, quando alguém perguntava o que ela seria quando crescesse, a resposta era imediata: mãe. Cada procedimento feito por Cíntia custou, em média, de R$ 35 mil a R$ 45 mil, sem somar os custos da viagem, já que a última FIV, ela fez em São Paulo. Ou seja, mais de R$ 400 mil durante todo esse processo.
A bióloga colocou o plano de saúde na Justiça para buscar o custeio, usou todas as economias, férias, décimo terceiro e até cartões de crédito emprestados por familiares para arcar com tudo. Giovanna nasceu no dia 25 de janeiro de 2019, saudável, pesando 3,420 kg e medindo 46 cm.“Não tem nada que me deixe mais realizada do que ouvir Giovanna me chamar de mãe, dizer que me ama. Me faz ter certeza que jamais poderia desistir”. Qual o custo de se tornar uma mãe biológica a qualquer preço? Da descoberta da dificuldade de engravidar naturalmente até a esperança de que os embriões implantados resultem na gestação, recorrer à fertilização in vitro não vai sair tão barato. Em clínicas de Salvador que fazem o tratamento, a reportagem encontrou valores que vão de R$ 10,8 mil a 14,8 mil por tentativa, porém, a depender do local, o parcelamento pode ser feito em até 12 vezes no cartão.
Existem ainda oportunidades de descontos de 15% até 30%, conforme a renda do casal, em clínicas com algum tipo de programa de democratização da FIV. E foi dividindo o quanto foi possível no cartão, que a vigilante Ana Joanita Barbosa, 36 anos, está prestes a completar 12 semanas de gravidez. Portadora de endometriose profunda, só restou recorrer ao procedimento.“Essa era uma possibilidade, mas também um obstáculo, pois a FIV estava bem longe da minha realidade financeira. Cheguei a procurar em várias clínicas, mas os valores me deixavam cada vez mais distante do meu sonho. Até que encontrei uma clínica que dividiu já com a medicação”. No final do mês de janeiro, Ana fez a coleta e em março, realizou a transferência de dois embriões. A FIV custou R$ 12 mil. “No dia 20 de março fiz o meu primeiro Beta Quantitativo e lá estava o meu tão sonhado positivo. Não sei ainda se é menino ou menina, mas o bebê está se desenvolvendo bem, graças a Deus”, acrescenta.
Acesso Dados do relatório Sistema Nacional de Produção de Embriões (SisEmbrio) divulgado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) mostram que entre os anos de 2020 e 2022, o número de ciclos realizados no país pulou de 33.058 para 42.338, crescimento de 28%. Na Bahia, foram 2.981 ciclos e 586 embriões transferidos no período.
Ainda que o Sistema Único de Saúde (SUS) tenha cobertura para fertilização in vitro, a fila de espera é grande. Já os planos privados de assistência à saúde regulamentados pela Lei nº 9.656/1998 não são obrigados a custear o tratamento, embora algumas pessoas recorram à Justiça para conseguir esse recurso. Porém, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), as operadoras são livres para oferecer cobertura maior.
A demora no SUS e a falta de cobertura nos planos se juntam a escassez de linhas de crédito específicas para conseguir o dinheiro necessário ao tratamento. Tentamos encontrá-las em 10 bancos e fintechs, porém, sem muito sucesso. Para o economista e educador financeiro Edísio Freire, a utilização de multiprofissionais da área de saúde, além de equipamentos e tecnologia, torna o procedimento ainda mais custoso.
“Tudo isso torna o planejamento ainda mais importante. O melhor caminho é analisar a estrutura financeira da família, entendendo o que pode ser feito para ajustar os gastos de forma a acumular o suficiente para pagar todo o tratamento. Dessa maneira, não vai haver uma dívida futura e os novos gostos podem ser absorvidos”, aconselha.
Roberta Costa, 45 anos, é arquiteta e mãe de Serena e Tarsila, de 9 anos. Ela trabalhou quatro anos fora do Brasil, com a intenção de juntar o dinheiro que pudesse custear o tratamento. “Recorremos a FIV porque somos um casal de mulheres. Tinhamos certeza que era isso que queríamos. O dinheiro que consegui juntar trabalhando em Angola foi o que permitiu que fizesse duas FIVs, o que nos custou mais ou menos R$ 50 mil”.
No processo, Roberta descobriu que tinha endometriose e útero bigorno – em formato de coração – duas dificuldades que aumentavam o risco de o embrião não ser fixado.“Não tínhamos grana para fazer mais que duas fertilizações, até porque queríamos comprar uma casa, 'startar' a construção da nossa família. Mas tudo valeu a pena”. Ser mãe é para as corajosas. “Eu poderia ter comprado uma casa melhor se eu não tivesse feito a FIV, mas não faria o menor sentido ter algo melhor sem nossas filhas. Somos muito felizes com a nossa decisão. Ser mãe tem me tornado uma pessoa muito melhor. É o que me impulsiona”.
Outros caminhos A jornada do sonho não é fácil, mas vale tudo pela maternidade, inclusive, parcelar o FIV em 24 vezes no boleto. Essa é a proposta da Parcela Mais, plataforma especializada em parcelamentos de serviços de saúde, entre eles, a fertilização in vitro. A contratação de até R$ 30 mil pode ser feita online, com juros na faixa de 3,23% ao mês.
“O FIV é o segundo procedimento médico mais procurado, atrás somente do financiamento para cirurgia plástica. Até mesmo quem tem restrição podem conseguir o crédito, dependendo do valor e tipo da restrição”, pontua o cofundador do Parcela Mais, André Martini.
Outro caminho pode ser o consórcio de serviços que paga qualquer serviço desde que seja emitida a nota fiscal. O vice-presidente de Negócios da Embracon, Luís Toscano, reconhece, que pouca gente sabe que é possível obter uma carta para custear o FIV. O valor do consórcio de serviço pode ser contratado a partir de R$ 15 mil, com prazo entre 20 e 40 meses, com taxa administrativa a partir de 12%.
“Tivemos um caso inédito na Embracon este ano em Sumaré (SP). O consórcio existe desde a década de 1960, mas só em 2008 é que a modalidade de serviços passou a existir. Por isso, há um trabalho de educação sobre essa possibilidade que é infinita. Todo e qualquer serviço pode ser contratado via consórcio, basta que exista uma nota fiscal. Isso inclui também, além do FIV, outros serviços de reprodução, como congelamento de óvulos, custeamento de parto e exames”, comenta.
O financiamento coletivo pode ser mais uma saída. Nos últimos 12 meses a plataforma Vakinha registrou em todo país, a criação de 586 vaquinhas para fertilização in vitro, reprodução assistida e inseminação artificial. Foram doados para essa causa R$171.167,03 nesse período. O fundador da plataforma Luiz Felipe Gheller destaca algumas dicas para quem quer tentar essa alternativa:
“Vaquinhas de sucesso sempre contam com a ajuda desse círculo de pessoas que não só doam, mas compartilham a história para seus amigos também, aumentando o alcance. É por isso que uma história bem contada, que sensibilize os amigos, faz toda a diferença”, orienta.
Fato é que a procura pela fertilização in vitro é cada vez maior nas clínicas especializadas em reprodução assistida. Na Clínica IVI, mesmo durante a pandemia, o crescimento anual chegou a 10%, como ressalta o diretor administrativo, Gerson Coelho. “Temos um programa de desconto com base em análise prévia de renda do casal. A depender da renda, aplicamos um abatimento que pode variar entre 15 % a 30%”.
Outra clínica em operação na capital que também possui uma política de abatimento é a Insemina Centro de Reprodução Humana. A gerente administrativa Beatriz Salvador diz que os meses de maior demanda são março, setembro, outubro, novembro e dezembro. “Se comprovada renda bruta até R$ 5 mil, o paciente tem 30% de desconto. Ganhos de até R$ 7,5 mil, o desconto é de 20%”.
Já na Engravida, a unidade inaugurada há menos de 1 ano, é mais uma que identifica um movimento cada vez maior. “A unidade funciona de agosto de 2022 e a procura tem crescido mês a mês, desde a sua abertura”, afirma o ceo Fabio Liberman. A clínica está presente também em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília.
Positivo A empresária Viviane Faro, 43 anos, passou por seis tentativas de fertilização in vitro antes de se tornar mãe da sua filhinha, de 3 anos. Cada injeção, agulhada na barriga e ida ao centro cirúrgico coletar os óvulos traziam incertezas. Entre uma tentativa e outra, somando aí os custos com as viagens para o tratamento, Viviane chegou a gastar entre R$ 150 mil e R$ 200 mil. “Só consegui engravidar na Espanha, em Valencia, mundialmente conhecida para tratamento de fertilização in vitro. Quando minha filha nasceu descobri o significado de amor incondicional. Felizmente sempre fui uma pessoa ‘pé no chão’ e sempre tive minhas economias guardadas e meu marido também entrou com a maior parte dessas despesas”. O presidente da Associação Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA), Alvaro Pigatto Ceschin esclarece que a taxa de sucesso da FIV varia de acordo com a idade da mulher, a da causa da infertilidade, entre outros fatores. Após a transferência dos embriões, é necessário um período de espera para ver se a gravidez ocorreu geralmente 11 dias após o procedimento.
Ceschin recomenda alguns cuidados na hora de escolher onde irá fazer a fertilização in vitro. Primeiro, pesquise a experiência e credenciais. Também é importante pesquisar as taxas de sucesso alcançadas pela clínica. Tecnologia, instalações e tratamento personalizado são mais alguns pontos que contam a favor antes de tomar a decisão.
“Peça informações sobre as taxas de sucesso em termos de gravidez e nascimentos, com base na idade e na condição de cada paciente. Entretanto, vale lembrar que essas taxas não garantem o sucesso do tratamento, mas podem ajudar a avaliar a eficácia da clínica”, orienta.