Quer saudar Iemanjá? Fique em casa e deixe a orixá no mar
Pais de santo orientam devotos a cumprirem protocolo no dia 2 para evitar disseminar a covid-19
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Da Redação
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Será como um aniversário sem comemoração, mas com presente. Apesar do cancelamento da festa de Iemanjá no Rio Vermelho, o Candomblé sempre acha um jeito de homenagear a Rainha do Mar no dia 2 de fevereiro. Qualquer devoto ou simpatizante pode mirar no exemplo dos terreiros e buscar os meios alternativos de oferendar a orixá das águas, respeitando os protocolos de segurança para evitar a transmissão da covid-19.
A festa pode esperar. Com a praia do Rio Vermelho fechada na próxima terça-feira, nada de ogã tocando atabaque e pais de santo recebendo caboclos e orixás nas areias. Entre todas as casas de Candomblé da cidade, apenas uma foi escolhida para levar o presente tradicional para o mar, saindo da praia do Rio Vermelho. O terreiro Ilê Axé Awã Nêgy, representado pelo babalorixá Pai Ducho, elaborou as cestas e presentes que serão entregues a Oxum e Iemanjá, com apenas três filhos da casa nos locais. A partir das 2h da manhã de terça-feira, o balaio em homenagem a Oxum será colocado no Dique do Tororó. É uma forma de não causar ciúme na orixá das águas doces. Já o balaio de Iemanjá sairá do Rio Vermelho em direção ao mar em seguida, às 8h.
"Será um ano diferente, mas não vai faltar amor e devoção. Iemanjá é mãe e quer todo mundo longe de aglomerações. Não estou lamentando o fato de não ficar na areia fazendo os rituais tradicionais. Não adianta sentir falta da festa e não preparar sua homenagem com amor, carinho e respeito ao próximo em plena pandemia. Fizemos um presente bonito, com muito axé. Cada pessoa pode fazer o mesmo, procurando outras praias, respeitando o distanciamento. Iemanjá está em todas as praias e qualquer dia podemos presenteá-la", disse pai Ducho, o único que estará na areia do Rio Vermelho quando o presente principal sair para o mar. "Não sairei com o barco que levará o presente. Ficarei na areia, aguardando o retorno. Quando chegarem, jogarei o obi para saber se o presente foi aceito. Depois, vamos todos para casa", completa Pai Ducho. Pai Ducho é o responsável pelo presente principal desse ano (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Para quem não faz parte do terreiro, mas faz questão de depositar seu presente nas águas do Rio Vermelho, a alternativa é adiantar seu presente. Pescadores locais levam pessoas até o mar, um serviço comum no dia 2 de fevereiro, mas que não será possível este ano. O preço varia de barco e até onde o devoto quer ir. Será uma forma também de ajudar a colônia, que perderá um bom dia de serviço. Na festa, pescadores faturam até R$ 2 mil conduzindo os fiéis até o mar.
Resumindo, qualquer dia é dia. É preciso entender que a festa do dia 2 de fevereiro não necessariamente está ligada ao ritual do candomblé, pelo menos no critério data. O dia do orixá é muito relativo e cada terreiro tem seu calendário específico de homenagens. Como a festa se tornou tradição na capital, acabou sendo um dia especial também para os terreiros. Um bom exemplo é o terreiro Casa de Òsùmàrè, que contribuiu diretamente com a festa do Rio Vermelho, mas escolheu o mês de março para homenagear Iemanjá.
A antiga ialorixá do terreiro, Ìyá Nilzete de Yemojá, foi por anos responsável pelos presentes oferendados no dia 2 de fevereiro. Atualmente sob a liderança de Bàbá Pecê, o endereço para prestar a homenagem mudou, mas não deixou de ser importante.
"Minha mãe (Ìyá Nilzete), juntamente com um ogã da casa, Flaviano, que era pescador do Rio Vermelho e fez a primeira casinha lá, cuidaram por anos do 2 de fevereiro. Depois outros terreiros passaram a cuidar. Mediante a esta pandemia, não podemos aglomerar. Mas precisamos homenageá-la sim, até para pedirmos proteção contra o coronavirus. Nós faremos nossa entrega na Gamboa, com poucos integrantes, respeitando as orientações. Será simples, mas não deixará de ser lindo. Temos muita história com o 2 de fevereiro, mas a data varia de terreiro para terreiro. Cada um tem um mês específico, justamente para não chocarem as festas. Aqui é em março. Na Casa Branca tem outra data, assim como o Gantois. Com isso, ninguém perde a celebração dos demais, fazendo este intercâmbio. Isso antes da pandemia, lógico", conta Bàbá Pecê.
O que não falta são maneiras de prestar sua homenagem a Iemanjá. Babalorixá do terreiro Ilê Axé Opô Ajagunã, pai Ari de Ajagunã assegura que nem precisa sair de casa, principalmente durante a pandemia. Basta arrear comida para a Rainha do Mar em sua casa, deixando a homenagem na praia em outro momento oportuno. "Podemos oferecer comida, temperada com camarão, cebola, azeite doce. Pode fazer um altar com flores, perfumes e espelho. Iemanjá está nas nossas mentes, em todo lugar. Ela é mãe, vai gostar de qualquer homenagem que seja por amor. O importante é ficar em casa e procurar outros meios de dar seu presente. Eu já fiz isso desde a semana passada. Creio que nós, do candomblé, daremos exemplo, como já estamos dando. Não conheço ninguém da nossa religião que morreu por covid-19", disse Ari, que também é presidente da Federação Nacional do Culto Afro Brasileiro. Presente para Oxum será entregue no Dique, na madrugada do dia 2 (Foto: Sora Maia/Divulgação) Dar Exemplo Para pai Pitty de Iansã, do terreiro Ilê Asè Opô Oyá Egunitá, o terreiro precisa dar o melhor exemplo para a sociedade. Nada de pais de santo promovendo aglomeração em qualquer areia da praia. "Posso até causar polêmica, mas dia 2 de fevereiro é uma festa que virou profana. Não é de axé. Já entreguei meu balaio, já fizemos tudo aqui. Não teremos a festa que o povo quer, com tumulto, cachaça e confusão. Isto não significa que não teremos os cultos nos terreiros. Esta festa pode esperar. Se você sente falta da festa, esqueça. Mas se o objetivo é presentear Iemanjá, faz um balaio pequeno, com material que não agride a natureza e coloca em qualquer praia, não precisa ser exatamente no dia 2 de fevereiro. Em casa, faz o olokum, que é um feijão fradinho temperado com cebola, azeite, camarão e ovos. Fazendo isso com amor, não precisa se preocupar se vai ou não ao Rio Vermelho", enfatiza Pai Pitty.
Em cada casa de Candomblé, Iemanjá continua sendo homenageada, não precisando necessariamente ser no dia da festa popular. E pode acalmar o coração, pois Iemanjá é mãe, não é madrasta. "A oração é mais importante do que qualquer presença física. Nenhum terreiro parou, continuamos com nossas cerimônias internas, mas reservadas, com portões fechados, respeitando o distanciamento. Pedimos todos os dias a proteção de todos contra esta pandemia. Quando você for pensar em furar o bloqueio e prestar sua homenagem, lembre-se que você é um ser humano, os orixás não. Você vai se arriscar promovendo aglomerações. Tudo que estamos vivendo é um aprendizado e precisamos aprender com isso. Fiquem em casa ou procurem meios de homenagear Iemanjá de outra forma. Vai passar", reforça Bàbá Pecê, da casa de Òsùmàrè.
Existe uma forma ainda mais bonita de agradar Iemanjá. É o exemplo da fotógrafa Amanda Oliveira, que não faltava a uma festa de Iemanjá. Este ano ela fez diferente. Sabendo das dificuldades que comerciantes e pescadores terão com o cancelamento da festa, ela fez uma vaquinha virtual. A meta era arrecadar R$ 4 mil, mas até ontem já tinha ultrapassado os R$ 5 mil. "Nada mais justo que retribuir aos responsáveis pela manutenção da festa da Grande Mãe", disse Amanda. Quer oferenda melhor do que ajudar o próximo?
Como será o 2 de fevereiroPara Oxum - A homenagem seguirá a programação normal, mas sem aglomeração. O ba- laio será entregue no meio do Dique do Tororó, exclusivamente pelo terreiro Ilê Axé Awã Nêgy. Ne- nhum outro fará neste horário. Esta é uma maneira de acalmar a orixá e evitar ciúmes entre as mães das águas.
Horário: 1h do dia 2 de fevereiro
Para Iemanjá - O balaio com o presente para Iemanjá sairá do terreiro às 6h30 da manhã, no Engenho Ve -lho da Federação. Chegando no Rio Vermelho, um barco enviará o balaio para o mar, enquanto o babalorixá da casa aguarda o retorno na areia. Quando voltarem, Pai Ducho jogará o obi para saber se o presente foi aceito. Está encerrado o dia de Iemanjá. Toda orla do bairro estará fechada pela prefeitura para evitar agllomeração
Horário: 8h