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Pobreza menstrual, e eu com isso? Entenda o que significa o veto aos absorventes de graça para meninas pobres


 

Lei vetada por Bolsonaro previa amparo a vulneráveis em questão de saúde pública

  • Da Redação

Publicado em 09/10/2021 às 11:00:00
Atualizado em 22/04/2023 às 15:58:08
. Crédito: Shutterstock

O conceito de ‘pobreza menstrual’ voltou ao centro do debate no país, essa semana, depois que o presidente Jair Bolsonaro vetou a distribuição gratuita de absorventes para estudantes de escolas públicas e mulheres em situação de rua ou de vulnerabilidade extrema. Pobreza menstrual, explica o Unicef – Fundo das Nações Unidas para a Infância – é a situação vivida por meninas e mulheres que, devido à falta de recursos, infraestrutura e conhecimento, não têm acesso aos cuidados básicos de higiene e saúde na menstruação. 

Quem não menstrua não consegue dimensionar o tamanho do problema, que enfatiza ainda mais uma das vertentes do abismo social brasileiro. Mas, imagine que, segundo pesquisa do próprio Unicef, mais de 4 milhões de meninas não possuem acesso a absorventes no ciclo menstrual; além de não terem banheiro em casa ou na escola para a higiene necessária no período. No Brasil, uma em cada quatro estudantes faltam aula quando estão menstruadas. É como se cada menina faltasse, em média, 40 dias do ano letivo.  

A proposta de distribuição de absorventes integrava o projeto da lei que criou o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual (Lei 14.214). A lei foi sancionada, mas o item vetado da distribuição dos absorventes era considerado o mais essencial da proposta. A alegação do governo para retirar o item é que não foi especificado de onde sairiam os recursos para custear os absorventes. Nas redes sociais, o governo federal foi acusado de ‘machismo’ e não ter compreendido a dimensão do problema, considerado de saúde pública. O senado havia aprovado a lei em setembro, justamente com base na questão da saúde pública.

Nas redes sociais, famosas como Preta Gil, Claudia Raia, Ludmila, Camila Pitanga e outras, criticaram o veto: "Menstruação, algo natural do ser humano, mas é responsável por internações por infecções. Algumas pessoas usam miolo de pão na falta de absorvente. Jovens não vão às aulas por falta de absorvente”, escreveu a atriz Fernanda Paes Leme, no Twitter.

O empresário e publicitário Nizan Guanaes engrossou o coro em defesa da lei em vídeo no Instagram: “O Congresso Nacional precisa aprovar definitivamente a distribuição gratuita de absorventes femininos a quem necessita. Eles são fundamentais para a saúde das mulheres”, enfatizou Nizan.

Muito antes do Unicef divulgar a pesquisa, a professora baiana Edicleia Pereira Dias já percebia a realidade da pobreza menstrual na prática. Quando foi diretora de uma escola em Camaçari, ainda em 2010, Edicleia notou na planilha de presença que as meninas faltavam todo mês, em dias consecutivos. No início, pensou que se tratava de algum trabalho infantil. Só depois viu que o problema era a pobreza menstrual: as meninas evitavam a escola porque não tinham absorvente para proteção nos dias em que estavam menstruadas.  Edicleia então criou o banco de absorventes para distribuição na escola, que fica na periferia de Camaçari. 

“Estamos falando de meninas de 11 anos ou mais. Falo de um contexto social de meninas que não possuem um sabonete para tomar banho. Que não têm água encanada. Que não têm o que comer. É uma situação de saúde pública e responsabilidade das escolas também. Infelizmente, não podemos esperar o governo, aguardar decisão de instâncias maiores. Precisamos ajudar estas meninas”, disse a professora, que participou da comissão de direitos humanos do projeto vetado por Bolsonaro e lamentou profundamente o retrocesso.

“Foi como ter recebido um balde de água gelada na minha cabeça. Demos muitos passos importantes neste projeto, ampliamos o espaço do conhecimento e debate sobre pobreza menstrual, foi aprovado na câmara, no senado e, na hora de sancionar a vitória, o presidente veta. É como se nosso governante não levasse em consideração os aspectos fundamentais da saúde pública, que é a prevenção. Prevenir situações de vulnerabilidade. Percebo que este veto é uma falta de percepção do quanto este projeto impactaria positivamente na saúde pública do país”, disse Edicleia.

Pesquisa 

Ainda sobre o estudo intitulado ‘Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos’, que o Unicef divulgou em maio, 713 mil meninas não possuem sequer banheiro ou chuveiro em casa para higiene. Levando em consideração que o ciclo menstrual ocorre todo mês, a constatação é de que 90% das meninas passarão de 3 a 7 anos da sua vida escolar menstruando. Imagine quantas faltas às aulas elas terão. Na Bahia, mais de 50% de alunas do 9º ano do ensino fundamental não têm acesso algum à higiene básica no ciclo menstrual. 

“O fenômeno da pobreza menstrual demonstra que negligenciamos as condições mínimas para a garantia da dignidade da pessoa humana ignorando as necessidades fisiológicas de cerca de metade da humanidade, as meninas e mulheres. A partir dessa negligência, pode surgir a urgência de remediar os problemas, evitáveis, decorrentes da falta de manejo adequado da menstruação. Problemas esses que seriam facilmente prevenidos com os devidos investimentos em infraestrutura e acesso aos produtos menstruais”, diz a pesquisa. 

O trecho da lei vetado por Bolsonaro beneficiaria 5,9 milhões de mulheres em todo o país. O Senado já articula uma forma de derrubar o veto e aprovar os itens suprimidos. A lei é de autoria da deputada Marília Arraes. "Buscamos unir parlamentares de todas as cores partidárias e a população do país em torno da necessidade dessa política pública tão essencial", disse a deputada, pelo Twitter.