Novo ano, mesmos problemas: a lista realista de 10 razões para não se iludir com 2022
Da pandemia à inflação, das eleições à Copa, adiantamos o que esperar dos próximos 12 meses
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Thais Borges
thais.borges@redeabahia.com.br
Deixe as mensagens de ‘boas vibrações’, listas de metas e sonhos para 2022 para as redes sociais com filtros e música. Este é um texto que não é necessariamente otimista ou pessimista, apesar do que alguns podem pensar. Aqui, a ideia é ser realista: não é porque um novo ano chegou que as coisas imediatamente vão se tornar melhores.
Tendo isso em vista, separamos 10 temas importantes para a vida de baianos e brasileiros em 2022. Com tópicos que vão desde a pandemia da covid-19 à inflação, assim como das eleições presidenciais à Copa do Mundo, listamos esses pontos para saber exatamente o que esperar de 2022.
1. Pandemia da covid-19
Apesar do que muita gente parece achar, a pandemia não acabou - e a variante Ômicron, que já é dominante em outros países, chegou para reforçar isso. O fim dela, efetivamente, só será decretado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) quando a entidade entender que a situação está controlada, como lembra o médico de família e sanitarista Washington Luiz Abreu, doutor em Saúde Pública e professor da UniFTC e da Universidade Federal da Bahia (Ufba).
No entanto, como ele avalia, a maior conquista do ano de 2021 foi o avanço da vacinação dos brasileiros. Isso tornou o cenário epidemiológico mais confortável a ponto de permitir a reabertura de estabelecimentos comerciais e escolas e até retomar alguns eventos.“Olhando para 2022, estamos num crescimento progressivo deste controle para permitir que a gente dê passos maiores. Já temos uma parte da população protegida, mas não é suficiente para dizer que estamos livres”, pondera. Uma das razões para este temor seria justamente o surgimento de novas cepas, a exemplo da Ômicron, cujo impacto ainda está sendo medido. “A variante é uma incógnita e sempre tem a possibilidade de uma nova onda, talvez não na mesma magnitude que as outras. Talvez por isso os governantes estão tendo cuidado com a reabertura e um exemplo disso é o Carnaval. Várias cidades no Brasil tomaram a decisão de ser mais prudentes”, cita. Além disso, o movimento antivacina ainda deve continuar sendo um desafio para o controle da covid-19 em todo o mundo.
2. Saúde (além da covid-19)
O surto de Influenza H3N2 em estados como a Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro nas últimas semanas traz um alerta importante: com o retorno da maior circulação de pessoas, pela queda do número de casos da covid-19, outras doenças podem voltar também. Não é o caso apenas da Influenza, mas de outras infecções sazonais, como as conhecidas arboviroses transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti - dengue, zika e chikungunya.
“A gente ainda não tem o controle sanitário total dos vetores. Como recentemente tivemos um aumento do índice pluviométrico, muitas dessas doenças acabam tendo ganhando uma importância maior nesse período”, diz o médico de família e sanitarista Washington Luiz Abreu.“Não podemos descuidar delas. Se 2020 foi o ano em que ficamos em casa, acabou dando uma segurada na epidemia de muitas coisas. Mas a gente voltou à ativa. Quanto mais a gente circula, mais os vírus circulam também”, acrescenta. Além disso, há uma conta que deve chegar em breve para alguns: pacientes com doenças crônicas que acabaram ficando sem o acompanhamento médico devido nos últimos dois anos. “Temos diabéticos descompensados, hipertensos descompensados, pessoas que desenvolveram ansiedade e depressão. São situações que estão demandando cuidados nos serviços de saúde”, afirma.
3. Eleições
Se anos com eleições presidenciais já costumam ser diferentes, 2022 promete trazer ainda mais ansiedade. A corrida começou desde já, uma vez que os partidos precisam fazer articulações. Mas se isso era algo rotineiro em outros momentos, o cenário político conflituoso acaba atraindo mais atenção agora, segundo o cientista político Maurício Ferreira, professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).
“Nesse último mandato presidencial, teve um ano e depois já entramos na pandemia. Foi uma gestão dentro da pandemia, o que, por si só, já é um fenômeno ruim. Mas fomos obrigados a presenciar o negacionismo, muito na contramão do que os grupos políticos tradicionais do país sempre defenderam. Até então, a ciência nunca havia sido questionada”, analisa.
Há uma expectativa grande para saber qual será o resultado dessa condução do país. Na opinião do professor, boa parte das pessoas parece querer saber qual será a resposta que a sociedade vai dar às atitudes da administração federal, já que Jair Bolsonaro deve tentar a reeleição. “Os brasileiros ficaram meio órfãos de um governo que pudesse dar um subsídio necessário. Ficou comprovado o quanto ele não abraçou a sociedade ou foi uma pessoa solidária. Vai ser muito difícil apagar esse trauma. Por isso, o tema ‘presidência’ é tão impactante hoje na mídia, no dia a dia, nas redes sociais, nas nossas conversas diárias”, diz. 4. Democracia
Uma das razões para as eleições presidenciais estarem sob todos os holofotes é devido a um medo de ruptura institucional que paira desde o ano passado, mas ficou mais forte em 2021. Em diferentes ocasiões, o presidente Jair Bolsonaro atacou o sistema eleitoral brasileiro e chegou a dizer, em julho, que “ou se fariam eleições ‘limpas’ no Brasil ou não haveria eleição”.
Não foi à toa que, em setembro, uma pesquisa do instituto Datafolha revelou que metade dos brasileiros tinha medo de Bolsonaro dar um golpe de estado, especialmente caso perca a tentativa de reeleição. Em outros momentos, houve episódios em que grupos bolsonaristas atacaram instituições como o Supremo Tribunal Federal (STF).
Apesar disso, o cientista político Maurício Ferreira, da UFRB, acredita que não haverá situações de extremismo colocadas em prática em 2022, assim como ocorreu nos Estados Unidos, quando apoiadores do ex-presidente Donald Trump, derrotado no último pleito, invadiram o Capitólio, em Washington. “O que percebemos hoje é que todo esse turbilhão de ações foi alavancado e construído por um grupo político minoritário. Mesmo quem votou, caminhou ainda vai vai votar no presidente não necessariamente é partidário desses ataques contra a democracia”, pondera. Ele aponta, ainda, que o contexto dos Estados Unidos era diferente do Brasil. Lá, a invasão se tornou possível porque há grupos de extrema-direita mais organizados, historicamente, do que aqui. “Não quer dizer que você não tenha que dar a devida importância (no Brasil), mas me parece que aquela situação não é igual”, comenta.
De acordo com Ferreira, os próprios ataques podem ter servido para desenvolver mais força contra outros no futuro. Um exemplo disso seriam as prisões de líderes de atos antidemocráticos, ordenadas pelo STF. “Temos um governo mal avaliado e, portanto, sem apoio popular. Por isso, a minha avaliação é de que teremos normalidade institucional e esses grupos não terão apoio popular, nem de outros grupos, porque as instituições estão funcionando e ninguém quer ir para a cadeia”.
5. Inflação
Foi um dos temas que dominaram o noticiário em 2021: a inflação no Brasil foi a maior dos últimos 20 anos. Mas a alta dos preços, que torna o consumo ainda mais difícil, especialmente para famílias mais vulneráveis, provavelmente vai continuar nos próximos meses, segundo a economista Rosana Queiroz, professora de Economia da UniFTC. “O movimento de alta de juros, sinalizada nas últimas reuniões do Copom (Comitê de Política Monetária), deve agravar ainda mais o cenário de recessão que já estamos experimentando. Lembrando que altas taxas de juros inviabilizam investimentos por parte do setor produtivo e inibe o consumo das famílias”, explica.O Relatório Focus para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2022, divulgado em dezembro, ficou acima da meta do Banco Central - 5,02% contra 5%. “A tendência de alta da taxa Selic é justificada pela necessidade de controle da inflação que já está em dois dígitos desde setembro deste ano (índice acumulado de 12 meses)”, acrescenta a professora, citando a taxa básica de juros da economia.
6. Desemprego
Ainda que tenha caído no segundo semestre de 2021 – chegando a 12,1% em outubro –, o desemprego no Brasil afeta, atualmente, 12,9 milhões de pessoas, de acordo com a última estimativa do IBGE. Embora os dados representem a menor taxa de desemprego desde o trimestre encerrado em fevereiro de 2020 (11,8%), continua maior que o patamar de antes do início da pandemia.
Diante do cenário, a economista Rosana Queiroz, da UniFTC, acredita que esse é um problema que deve persistir no próximo ano, mesmo com a ligeira recuperação de postos. “Se o setor produtivo não encontra um cenário atrativo para investimento, a taxa de desemprego deve se manter alta. Ou seja, em um cenário de recessão com inflação alta, o desemprego tende a se manter alto e a renda fica ainda mais comprometida, já que os salários não conseguem acompanhar o aumento do nível geral de preços”, explica.
Por isso, o desafio acaba se unindo também às altas da inflação e da taxa de juros, que se não forem superadas, seguirão formando um trio de ataque implacável contra o bolso de boa parte dos brasileiros.
“Considerando que a utilização do crédito pelas famílias se torna uma alternativa cada vez mais necessária, dada a redução da renda real, a taxa de juros alta não influencia apenas a aquisição de bens de consumo duráveis, mas também o acesso a itens da cesta básica”, acrescenta a professora.
7. Combustíveis
Uma das maiores reclamações dos brasileiros em 2021 deve continuar no novo ano. Em novembro, a gasolina foi o item responsável por pressionar mais o custo de vida dos moradores da Região Metropolitana de Salvador (RMS), de acordo com o IBGE. Este mês, pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o aumento aqui - 10,8% - foi o maior do país.
De acordo com a economista Rosana Queiroz, professora de Economia da UniFTC, enquanto o dólar estiver alto, os preços dos combustíveis devem seguir a mesma linha. “Como também não há tendência de redução da taxa de câmbio, não há perspectiva de redução destes preços”, adianta.
Pode até haver uma queda se houver estabilidade no mercado no início do fim do ano - o que acabaria freando a alta do dólar - ou caso seja anunciada alguma redução do preço de venda, por parte da Petrobras.“Mas a gente não pode esquecer que o preço final para o consumidor é formado por tributos federais, estaduais e as margens das distribuidoras. Uma reedição feita pela Petrobras não necessariamente vai impactar o consumidor final na mesma medida”, completa. Ao longo de todo o ano de 2021, o combustível aumentou 51,32%, tendo essa sido a sétima alta seguida de preços. Ainda segundo o IBGE, o aumento da gasolina só perde para outro combustível que também aumentou muito e deixou de ser opção para muitos baianos: o etanol, que só em novembro subiu 14,5% - chegando a 62% no ano.
8. Copa do Mundo
O novo ano também trará um evento que costuma mobilizar os brasileiros: a Copa do Mundo de futebol, que será realizada no Catar. Por si só, o campeonato já será diferente. Ao contrário dos meses de junho e julho, quando normalmente é realizada, o mundial de seleções vai acontecer entre novembro e dezembro, como destaca o comentarista esportivo Elton Serra, dos canais ESPN e TVE.
“Isso impacta porque serão seis meses a mais de jogadores em atividade. Normalmente, a temporada terminava em maio. Agora, os campeonatos vão parar no meio, na Europa, ou terminar mais cedo, no Brasil”, explica.
Para completar, é possível que o grito de comemoração por um eventual hexacampeonato continue entalado na garganta. Isso porque o ciclo da Seleção Brasileira foi bastante semelhante ao que antecedeu à Copa de 2018: um time que é o melhor da América do Sul, mas que chega ao mundial sem nenhum desafio contra seleções europeias. Até o momento, o Brasil de Neymar, Tite e companhia não tem nenhum amistoso marcado, por exemplo, o que leva a uma falta de referências especialmente contra a escola europeia, dominante nas últimas copas.“A Seleção acaba enfrentando essas equipes só na Copa do Mundo. Em 2018, o time sentiu dificuldades até nos jogos da primeira fase, e caiu nas quartas contra a Bélgica. A visão mais realista é pensarmos na repetição da campanha de 2018, chegando até as quartas de final”, acredita Serra. 9. Educação
Após dois anos de pandemia sem aulas presenciais na maior parte desse período, a educação deve ser um dos maiores desafios de 2022. Será o momento de recuperar o tempo perdido no sistema educativo, na opinião do filósofo Renato Janine Ribeiro, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e professor da Universidade de São Paulo. “Com a volta das aulas presenciais, mantidos os cuidados de saúde, é preciso recuperar o laço entre professores, alunos e funcionários. Depois de dois anos sem aulas, não dá para chegar e fingir que não aconteceu nada. Não é dizer ‘olha, paramos na tabuada do 3 e agora vai a do 4”, diz Ribeiro, que foi ministro da Educação em 2015. Uma forma de fazer isso é promover o diálogo com todos os envolvidos, na escola, sobre a experiência que tiveram. Assim, será possível também recuperar o ânimo dos estudantes. Para ele, a escola não deve fugir desse debate.
“Você fica dois anos trancado em casa, ou saindo com riscos sérios, com medo de perder entes queridos ou tendo perdido entes queridos. Se temos mais de 600 mil mortos, são mais de 600 mil famílias enlutadas. Isso é algo que precisa ser encarado com muito carinho e respeito, humildade”, diz.
10. Ciência
Ao mesmo tempo em que a ciência foi requisitada como poucas vezes na História, o fomento à ciência no Brasil passa por uma crise sem precedentes. Ao longo de 2021, reportagens do CORREIO mostraram desde cortes de financiamento à fuga de cérebros do país, já que cientistas têm buscado vagas no exterior devido à falta de investimento aqui.
O último capítulo dessa crise tem acontecido na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que enfrenta a renúncia de coordenadores de áreas de conhecimento devido ao atraso nas avaliações quadrienais dos programas de mestrado e doutorado. Assim, o desafio em 2022 também é fazer alguns setores compreenderem que a ciência é a chave do desenvolvimento, de acordo com o presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro.
“As pessoas precisam conhecer mais. É graças à ciência que temos vacinas, que aumentamos a expectativa de vida, que temos saneamento, tratamento de água e esgoto nas cidades. Na época da gripe espanhola, as pessoas já sabiam que existiam vírus e bactérias, mas elas não tinham os avanços científicos que temos hoje”, completa.