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Entenda como funciona o reconhecimento facial que ajudou a prender mais de 100 na BA


 

Câmeras estão espalhadas em várias partes de Salvador e imagens são enviadas à central da SSP

  • Amanda Palma

Publicado em 05/01/2020 às 11:00:00
Atualizado em 23/05/2023 às 18:55:46
. Crédito: Divulgação/SSP

O sistema de reconhecimento facial, implantado na Bahia pela Secretaria da Segurança Pública (SSP) e que já prendeu mais de 100 pessoas, funciona como uma espécie de ‘big brother’. As 100 câmeras que hoje estão vinculadas ao software de reconhecimento captam tudo o que acontece a qualquer instante do dia. Elas estão espalhadas em várias partes de Salvador e, de uma central de monitoramento, policiais cruzam as imagens captadas com dados do Banco Nacional de Mandados de Prisão, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Só na Bahia, na tarde do dia 31 de dezembro, havia 12.187 mandados em aberto. Em todo o Brasil, eram 378.397 mandados. Lazaro Santos Vitório, 42 anos, foi o último preso após identificação do sistema, na quinta-feira (2) (Foto: Divulgação/SSP) É com as imagens desse banco que o sistema busca, com a ajuda das câmeras espalhadas pela cidade, por pessoas. Além daqueles que têm mandados de prisão em aberto, a ferramenta também procura por desaparecidos e, segundo a SSP-BA, por pessoas que estejam ligadas a investigações importantes de interesse da segurança pública, para rastreio.

“Nós fizemos uma primeira carga no banco de dados com 75 mil pessoas que tinham antecedentes criminais, mas como vimos que não era muito eficiente, procuramos incluir somente pessoas com mandado de prisão em aberto, quem está respondendo por algum crime”, explica o superintendente de Gestão Tecnológica e Organizacional da SSP-BA, coronel Marcos Oliveira.Além de prisões, a ferramenta ajudou, por exemplo, a localizar uma criança que havia sido dada como desaparecida. Ela foi reconhecida pelas câmeras na estação do metrô do Campo da Pólvora e estava na companhia de um irmão.Falso-positivos Apesar de a foto do banco de imagens ter o rosto completo das pessoas, o sistema faz o reconhecimento por meio de alguns pontos da face do cidadão. Em poucos segundos, a imagem capturada pelas câmeras é comparada com a foto do banco de imagens da SSP-BA. Para isso, explica o coronel Marcos Oliveira, é preciso que as imagens tenham boa resolução, para não gerar falso-positivos. Entre as prisões realizadas pela secretaria com o sistema, a similaridade das imagens variou de 81% a 98%.

Segundo o coronel, a polícia só faz abordagens quando o sistema apresenta uma similaridade acima de 90%. “Se ele (o policial) tem dúvida, ele não dá o alerta, não recomenda a prisão. Ele deixa para tirar a dúvida e é uma equipe digna de elogios que faz isso. E os que estão na rua também. Eles estão passando por treinamento continuado, é um processo de aprendizado”, garante o coronel, que não informou o percentual de falso-positivos.

Um desses casos aconteceu em setembro do ano passado e provocou constrangimento para mãe e filho. A mãe de um rapaz de 25 anos, que tem necessidades especiais, contou que o rapaz foi abordado dentro de uma padaria próxima ao Hospital Santa Izabel, em Salvador, em setembro. "A gente mora em Lauro de Freitas e estava indo para uma consulta médica. Eu entrei numa padaria para tomar café porque era muito cedo. Seguiram a gente do metrô, a padaria estava muito cheia na hora e não deu tempo nem de pegar o lanche, já foram com a arma na cabeça dele, outra nas costas. Não deram bom dia, não pediram documentação para comprovar que era ele", desabafou a mãe do rapaz, que pediu para não ser identificada.

Ela não condena o sistema de reconhecimento facial, mas a atitude dos policiais - naquele dia, entre oito e dez PMs. Depois de alguns minutos de abordagem sem que o rapaz reagisse, nem colocasse as mãos na cabeça, a mãe apanhou o documento dele no bolso e mostrou a um dos policiais, que constatou que era um engano e pediu desculpas. "Ele disse que estavam procurando duas pessoas por assalto e que meu filho tinha sido reconhecido. E eu perguntei: 'Como assim reconhecido? Ele foi confundido, o que é muito diferente'", lembra.

A mulher disse que procurou a Polícia Civil para registrar o ocorrido e que foi orientada a buscar a Polícia Militar. No Quartel dos Aflitos, onde fica o Comando da PM, ela recebeu mais um pedido de desculpas, mas afirma que isso não diminui o constrangimento da abordagem."Nada justifica dizer que os policias são novos e despreparados. Nada disso foi levado em consideração. Eu achei horrível a forma como tudo aconteceu e todos os dias agradeço mil vezes por Deus ter me dado controle e ter dado a ele (meu filho) essa tranquilidade de não reagir", conta. O coronel Marcos Oliveira argumenta que não são só os policiais que aprendem: o algoritmo também, o que reduz gradativamente o número de falso-positivos. À medida que vai encontrando rosto e acertando, o sistema vai se aperfeiçoando e tendo cada vez menos erros. “A tecnologia vai aprendendo com o rosto do baiano”, reforça. 

Para Rômulo Horta, diretor de marketing da Huawei Enterprise no Brasil – empresa que desenvolveu a tecnologia utilizada na Bahia –, são as especificidades de cada lugar que determinam como o sistema vai atuar. No Brasil, o sistema também é utilizado em Minas Gerais e no Rio de Janeiro.“O brasileiro não tem um padrão comum, tem muita mistura. O sistema trabalha de forma inteligente para aprender esses padrões. Na China, por exemplo, pode parecer mais difícil porque as pessoas são parecidas, mas na verdade é mais fácil treinar o algoritmo para reconhecer aquele padrão”, explica Horta.Similaridade de dados precisa ser superior a 90% A margem de similaridade para que alguém seja abordado após ser pego no reconhecimento facial deve ser superior a 90%. É o que explica Fabro Steibel, diretor executivo do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS Rio), que estuda este tipo de monitoramento. Essa margem é necessária para evitar que haja uma captação errada do sistema – e, consequentemente, a prisão de alguém que não é buscado.

“O sistema da Amazon coloca 80%, por exemplo, e isso é perigoso porque aumenta o índice de erros de identificação. Você também não pode colocar 99,99%, a tecnologia não aguenta porque não consegue fazer essa precisão. Mas, o importante é que tenha esse grau acima dos 90%”, explica.

Além disso, Steibel ressalta que é necessário que as câmeras estejam instaladas em ambientes controlados. Em Salvador, os pontos de monitoramento são em estações de metrô, aeroporto e no Elevador Lacerda, por exemplo. Uma outra questão levantada por Steibel é a exposição dos dados de cidadãos brasileiros a outros países. No caso da Bahia, a tecnologia do sistema de reconhecimento facial foi desenvolvida pela empresa chinesa Huawei.“É como se exportasse a base de todos os brasileiros para outros países. Eu prefiro assumir que são dados abertos. A proteção desses dados tem que estar em contrato porque é um caso de segurança nacional”, pontua Steibel.Apesar dos riscos, Steibel acredita que a Lei Geral de Proteção de Dados, que entra em vigor em 2020, não deve afetar a transmissão de dados deste tipo de sistema. Lá está previsto o compartilhamento de dados em casos de segurança pública, o que assegura o uso da tecnologia.

O coronel Oliveira garante que não há compartilhamento de dados com outros países e que as informações ficam em uma rede fechada e restrita da SSP-BA. “Não passamos os nossos dados, a não ser que haja um acordo de cooperação internacional”, afirma. A Huawei também afirma que os dados não são compartilhados.

Banco de dados é alimentado manualmente Apesar de estarem em Salvador, as câmeras auxiliaram na prisão de Jonas Santos Silva, que tinha mandado de prisão expedido pelo Tribunal de Justiça do Acre. Isso porque o sistema usa uma base de dados nacional, que é atualizada mensalmente, de forma manual. A expectativa da SSP-BA é automatizar esse sistema para garantir que os dados estejam sempre atuais. 

Por enquanto, a Polinter, que faz parte da Polícia Civil da Bahia, é responsável por atualizar o banco de dados. Eles também acessam o sistema para retirar pessoas que não estão mais sendo procuradas – porque já foram presas, morreram ou porque tiveram os mandados de prisão cumpridos.