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O que há por trás dos bonecos diferentes de Amaralina


 

Personagens adaptados a estética incomum viralizaram nas redes sociais no fim de semana

  • Wendel de Novais

Publicado em 08/12/2020 às 06:00:00
Atualizado em 21/04/2023 às 21:19:05
. Crédito: Nara Gentil/CORREIO

Já é tradição. Quem passa a pé, de ônibus ou de carro pela orla de Amaralina já se acostumou a ver, rir e fotografar os bonecos dos mais variados personagens que estão sempre na parte superior da fachada da loja Muleta Express. A risada e a vontade de registrar a decoração por parte dos soteropolitanos justificam-se na estética nada comum da arte colocada ali. Os bonecos chamam a atenção justamente por destoar das produções artísticas que fazem de tudo para criar personagens "agradáveis" aos olhos. Agora mesmo, quem ocupa a fachada da loja, é um Papai Noel de barba emaranhada, dentes tortos e um feição, no mínimo, esquisita. Todo espandongado que ganhou os holofotes de vez nas redes sociais no último fim de semana.

As características esquisitas dos bonecos são, claro, alvo de muita curiosidade por quem, há mais de 20 anos, passa pelo lugar e, de maneira natural, não consegue ignorar o verdadeiro evento que são os personagens que, para completar, ainda se movimentam. Por isso, o CORREIO foi até a Muleta Express para descobrir e entender a origem, o porquê dos bonecos e quem os cria. No local, que se trata de uma loja que produz e conserta materiais para pessoas com mobilidade reduzida, as perguntas sobre a fachada já são comuns, quase que diárias. 

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Só se fala em boneco

É fato que a fama dos personagens ganhou Salvador. Tanto é que a Muleta Express sente isso no dia a dia, na hora de informar a sua localização. É o que conta a gerente administrativa da loja, Maine Araújo, 41 anos, que afirma que usa os bonecos para facilitar a chegada de clientes e parceiros que levem material ao local. "A gente informa a localização da loja por telefone e ninguém sabe onde é a Muleta Express. Falo que é do lado do posto de gasolina e o pessoal ainda fica na dúvida. Mas, quando fala a loja dos bonecos em Amaralina, todo mundo já fica esperto onde é que fica, lembram na hora. 'Ah, agora sim, lembrei onde é', é o que dizem", relata Maine.

Vendedora da loja há 20 anos, Joanita Oliveira, 43, afirma que faz tempo que os personagens são um sucesso e que as pessoas sempre reclamam quando tiram por um dia ou dois no processo de troca dos bonecos. "É um sucesso completo, todo mundo que passa por aqui lembra sempre dos bonecos. O que esse povo de Salvador adora eles não é brincadeira. E quando a gente tira pra consertar ou trocar? Não dá nem um dia e já tem gente perguntando sobre eles pra saber o porquê de ter tirado e quando eles vão voltar", lembra Joanita.

Maine, que não é lá muito fã da estética dos bonecos, diz que eles nem sempre foram assim. Segundo ela, os personagens eram mais normais e ficaram "estranhos" com o passar do tempo. "Já foram mais bonitos, mais normais, eu diria. Nem sempre eles foram assim, desse jeito esquisito. Isso é trabalho de seu André, ele é quem faz questão de deixar eles assim. Ele gosta mesmo é de polêmica e, quanto mais o pessoal comenta, mais ele quer que os bonecos causem burburinho pela estranheza", explica.

O idealizador

Seu André é, na verdade, André Dias, 79, criador dos bonecos e ex-proprietário da Muleta Express que, hoje, funciona sob a batuta dos seus filhos. Apaixonado por bonecos que conheceu na Tailândia, o aposentado trouxe a ideia para terras soteropolitanas há 21 anos para fazer o que eles ainda fazem hoje: trazer alegria para quem os vê. "Eu viajei pra Tailândia, vi os bonecos com movimento e me apaixonei. Pensei: 'Por que não trazer bonecos se movimentando, que dão alegria, pra cá?'. Achei que seria um sucesso e que as pessoas gostariam", fala Dias, que conta com uma equipe de 10 pessoas da própria Muleta Express, que levam de 2 a 4 meses trabalhando nas atrações da orla de Amaralina. André Dias é o criador dos bonecos da Muleta Express (Foto: Nara Gentil/CORREIO) Sobre a estética dos bonecos, Dias explica que nunca esteve interessado em fazer algo comum, que todos já faziam.  Para ele, a aparência estranha dos bonecos é justamente o que busca e o que torna a sua produção diferente. "Mediocridade é tirar fotografia e copiar. Fazer o mesmo boneco sempre. Por isso, quero sempre mudar, sair dessa mesmice de que Papai Noel assim, Coelho da Páscoa tem que ser assado. Quem foi que disse que tem que ser assim? Cada um faz do jeito que quiser, cada um encontra a beleza naquilo que quiser, não dá pra padronizar as coisas e dizer que só de um jeito presta", diz. As obras, segundo ele, seguem as suas fases. De vez em quando, quer deixar todo mundo sem um olho, fazer uma bruxa assustadora, um coelho da páscoa nada fofo, depende do seu humor, que já mostrou ser capaz de produzir uma diversidade de releituras curiosas de personagens famosos.

Papai Noel em cadeira de rodas, coelhinho da páscoa de biquíni e de noiva, presépio do nascimento de Jesus com a turma do Sítio do Pica-Pau Amarelo e até boi sanfoneiro. O leque de personagens adaptados é extenso e nem sempre foi aprovado. Dias conta que muitos reclamam dos bonecos no local alegando que deixam a paisagem feia e que, em determinado período, já tentaram proibi-los de colocar os personagens. "Tem gente que não gosta e que fica reclamando, infelizmente. Mas eu não tô nem aí, faço do jeito que eu quero e não entendo como os bonecos podem ofender alguém. Já tentaram até um jeito de não deixar que colocássemos eles ali, mas não conseguiram e que bom que falharam nisso", conta o idealizador, que sempre tenta mudar os bonecos de forma rotineira, mas que, na pandemia, ficou impossibilitado de trabalhar neles. Messias, Anderson e Jeferson fazem parte da equipe que produz os bonecos (Foto: Nara Gentil/CORREIO) Ele também falou, dando risada, sobre a boa recepção dos soteropolitanos para seus bonecos e comentou a repercussão deles nas redes sociais ultimamente. "É muito legal que a galera veja, dê risada e tenham os bonecos como parte daqui da orla mesmo. Eu fico feliz em saber, me divirto fazendo e é ótimo que eles causem alegria nas pessoas que observam ao passar por aqui. Como disse no começo, é pra isso que trouxe eles pra cá. Quero que sejam motivo de alegria e mais uma atração da região", afirma.

Soteropolitanos aprovam

E dá para afirmar que o desejo de Dias se concretizou. Nas redes, são milhares os depoimentos de pessoas que afirmam que os bonecos fazem da passagem pela orla de Amarlina um momento de risada, de felicidade. Há também quem mude sua logística diária para passar por lá e conferir as atrações da Muleta Express. É o caso da jornalista Cláudia Costa, 41. "Já mudei de caminho algumas vezes pra passar por lá só pra ver os bonecos da muleta express. Eu adoro! Acho muito divertido e com certeza já virou um marco no bairro. É pela feiúra mesmo, mas acho que super funciona porque todo mundo gosta", declara. Quem também se diverte com os bonecos é Joyce Souza, 33, que é nutricionista e diz que já ficou decepcionada quando passou pelo local e não os viu. "Gosto muito, viu! É engraçado, criativo e estranho. Passar por lá e ver aquilo é bom demais. Teve um período que eles ficaram sem colocar o boneco. Acho que foi quando teve uma chuva forte em Salvador  Ir por ali e não ver aqueles bonecos foi muito estranho", diz. Cláudia já mudou o caminho do dia-a-dia só pra ver os bonecos (Foto: Acervo Pessoal) Para Iago Fróes, 25 anos, diretor de arte que cresceu na Federação, mas sempre passava por Amaralina quando criança, os bonecos já causaram medo e hoje são atrativos que, por muito tempo, o fizeram pensar diversas teorias sobre o que era a loja que tinha eles em cima. "No início, eu tinha medo porque minha mãe dizia que ali era onde o cara pegava as crianças traquinas. Com o passar do tempo, o medo se foi e comecei a ficar curioso porque sempre aparecia um boneco novo e eu criava várias teorias sobre o que era aquele lugar. Pensa se era uma loja de ventríloquos, um hospital de bonecos ou até aquelas casa dos horrores. Só bem depois que vi o que era Muleta Express", lembra. Iago admira os bonecos desde que era criança (Foto: Acervo Pessoal) E não é só Iago que teve a infância impactada pelos bonecos estranhos. O chefe de cozinha Bruno Tupinambá, 36, ao contrário de Iago, viu sempre o local como um ponto turístico, um espaço para apreciar aquelas figuras nada comuns. "Era atração minha e de meu irmão mais velho em nossa infância. Sempre ficávamos esperando o próximo feriado festivo pois sabíamos que eles iam mudar o boneco. Achávamos diferente, engraçado. Depois de adulto, percebi que por mais estranho que sejam, são de uma sacada muito boa, quase uma estratégia de marketing", acredita.

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro