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O voto de Deus: como as chapas que concorrem em Camaçari intensificaram diálogo com evangélicos


 

As duas candidatas à vice-prefeitura são cristãs; nas redes sociais, há conteúdos focados nesse público

  • Thais Borges

Publicado em 26/10/2024 às 05:02:17
Professora Angélica e Flávio; Caetano e a pastora Déa. Crédito: Reprodução/Instagram

Quando os eleitores de Camaçari forem às urnas neste domingo (27), vão escolher entre duas chapas que, ainda que ideologicamente distintas, têm ao menos um aspecto em comum: candidatas a vice-prefeita que são evangélicas. A escolha de ambas as lideranças - a professora Angélica Bittencourt (PP), na chapa do candidato Flávio Matos (União Brasil), e a pastora Déa Santos (PSB), na chapa com Luiz Caetano (PT) - é apenas um dos exemplos de como as duas campanhas têm buscado dialogar com o público cristão.

A esse gesto, somam-se desde o corpo a corpo, com eventos e encontros com pastores e igrejas, até iniciativas online. Nas redes sociais de ambos, há conteúdos que se comunicam diretamente com esses eleitores. “Falta bem pouquinho para o nosso propósito. Vamos juntos meditar na palavra de Deus em Salmos”, dizia Flávio, na última quarta-feira (24), em um vídeo.

A gravação faz parte de um quadro diário chamado por ele de Bom dia com Jesus, em que publica vídeos com reflexões cristãs. “Temos que entregar essa cidade nas mãos daquele todo poderoso que cuida de nós enquanto dormimos, nosso senhor Jesus Cristo”, acrescentou o candidato, no mesmo vídeo.

Na mesma quarta-feira, um card compartilhado pela pastora Déa e também pelo perfil de Caetano trazia os dizeres: “Caetano prefeito, pastora Déa vice e Deus no comando, sempre”, escreveu, acrescentando na legenda que o segredo por trás da mudança é colocar Deus à frente de tudo. No dia anterior, um vídeo com um trecho do comício com o presidente Lula foi postado. “Ninguém brigou mais pelos pobres do que Jesus Cristo. Nós podemos tudo, basta acreditar no homem lá de cima, que Ele nos atenderá”, pontuou Lula, nas imagens.

Esse foco nos eleitores evangélicos está relacionado a um novo contexto no país. Para o cientista político Claudio André de Souza, doutor em Ciências Sociais e professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), há uma nova configuração social no Brasil.

“As igrejas evangélicas, inclusive as igrejas neopentencostais, se estabelecem como um espaço não só de fé, mas também de organização da sociedade civil, de organização social”, diz ele, citando o trabalho social feito de forma constante por grupos evangélicos em bairros e comunidades pelo Brasil.

Nacional

Além disso, a população evangélica cresceu no país, nos últimos anos. Os resultados referentes à religião no Censo de 2022 só vão ser conhecidos no próximo ano, mas pesquisadores estimam que evangélicos podem chegar a um terço da população brasileira.

Um estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) no ano passado ajuda a entender o tamanho desse crescimento: em 20 anos, as igrejas evangélicas cresceram 228% no país. Além disso, sete em cada dez templos no Brasil são desse segmento religioso.

O professor Cláudio André, da Unilab, lembrou que os evangélicos também fazem um trabalho de base para representação política, inclusive direcionando o voto para candidatos específicos. A estratégia de se aproximar dos evangélicos, que pode ser vista em Camaçari, aconteceu em todo o estado, de acordo com ele.

Na cidade da Região Metropolitana de Salvador (RMS), contudo, a iniciativa vai além: há uma tentativa de representar o segmento evangélico da cidade, inclusive para angariar votos. Na avaliação dele, isso será fundamental na reta final, em que as pesquisas têm mostrado uma disputa equilibrada entre Flávio e Caetano.

“É importante que a gente perceba que a mensagem que esses políticos querem passar é de que buscarão ter uma gestão totalmente alinhada com o público evangélico, com as demandas, com a atenção e até mesmo na representação política no âmbito da prefeitura, com secretarias e demais cargos”, afirma.

Esse movimento é semelhante ao que ocorre no cenário nacional, em que o presidente Lula e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) também buscam estratégias de aproximação com o público evangélico. “O que acontece em Camaçari passa a ser o reflexo de uma tendência que, com certeza, deve se consolidar a níveis estadual e nacional”.

O candidato Flávio Matos contou que o diálogo com os evangélicos vem sendo construído desde o início da pré-campanha. O Bom dia com Jesus foi um conteúdo que, segundo ele, surgiu devido a uma necessidade no meio da campanha de compartilhar suas reflexões diárias.

As gravações são feitas às 5h da manhã e, segundo ele, os seguidores têm aprovado. “Eu sou um homem de muita fé. Sempre busquei forças na palavra de Deus, independente de religião. Estamos vivendo uma batalha, uma corrida eleitoral que mexe muito com o nosso emocional e, consequentemente, o nosso lado espiritual”.

O candidato Caetano não respondeu às perguntas encaminhadas para sua assessoria até a publicação da reportagem.No Instagram, é possível encontrar postagens em que ele também fala direto com os evangélicos. "Com as bençãos de Deus e a ajuda de cada um de vocês, faremos a mudança de verdade em Camaçari", postou, na última semana.

As vices

Cristã há mais de 20 anos, a professora Angélica Bittencourt acredita que sua entrada na chapa de Flávio foi uma escolha de Deus. "A campanha está muito boa, com participação dos evangélicos. Hoje, temos 70% ou 80% dos evangélicos conosco, até as igrejas menores", explica ela, que frequenta a Igreja Batista de Camaçari, no Parque Verde.

Angélica foi eleita como vereadora pela primeira vez em 2020, mas tem uma trajetória que passa pelo trabalho de limpeza, por ter se tornado empresária e pelo trabalho social que desenvolve na cidade.

Na reta final da campanha, ela conta que tem tido eventos com igrejas praticamente todos os dias - às vezes, três ou quatro em um único dia.

"A igreja hoje é onde a gente consegue tirar jovens do caminho da criminalidade. É a igreja que chega na ponta, na casa. Hoje, o município tem obrigação de abraçar e ajudar esses pastores", opina.

Já a pastora Déa é administradora e fundadora do Instituto Mãezona, que atende pessoas em situação de vulnerabilidade. Ela também compartilha reflexões e leituras da Bíblia em vídeos em suas redes sociais. Nesta última semana, um dos que postou foi uma ministração do livro de Isaías, em uma passagem que falava sobre esperar em Deus.

“A espera que o Senhor fala aqui não é uma espera de passividade, não é uma espera de preguiça. É uma espera de confiar, de ter fé no que o Senhor promete. E Ele diz: olha só, nos momentos difíceis, Ele fará com que a gente voe sobre isso tudo, com que a gente esteja acima dos problemas, porque Ele está do nosso lado”, disse.

Em comícios, Déa já disse ter orgulho, enquanto pastora, do time do qual faz parte. “Nós conseguimos, sim, andar sempre juntos por um propósito maior, que é a transformação da vida das pessoas”.