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Veja como jovens são treinados contra fake news


 

Educadores trabalham, em sala de aula, consumo e produção de conteúdos com responsabilidade nas redes

Publicado em 18/05/2024 às 05:02:14
Educação. Crédito: Gabriel Cerqueira

A humanidade entrou na era da superabundância da informação. Enquanto tentamos dar conta de rotinas ordinárias, vemos acontecer à nossa frente como se fosse em uma enorme tela espelhada, dados, memes, fake news, vídeos cada vez mais rápidos, imagens produzidas por inteligência artificial, vozes artificiais que se comunicam e fazem escolhas pelos humanos - através de cruzamento de dados que vamos deixando no rastro em cada acesso à internet. Um cenário tão veloz quanto impossível de ignorar e que passou a exigir filtro e curadoria para que as pessoas consigam lidar com tudo isso, vivendo os dois lados da moeda: consumindo e produzindo conteúdos.

É claro que a educação nos moldes tradicionais já não daria conta de formar cidadãos para esse novo mundo. Os professores têm agora o desafio de atualizar seus ‘sistemas’, enquanto a transformação acontece. A máxima ‘aprender enquanto ensina’ nunca fez tanto sentindo. Com a missão de promover o letramento digital e ajudar a entender esse momento da história, a educação midiática acendeu uma luz no fim do túnel.

Em meio à repercussão de atos antidemocráticos no Brasil, guerras, popularização do ChatGPT, disseminação de nudes falsos produzidos por chatbot e espalhadas nas redes, atingindo alunos de escolas particulares, 2023 foi o ano em que a educação midiática ganhou espaço nos debates públicos, levando o governo federal a criar o Departamento de Direitos na Rede e Educação Midiática, como parte da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República.

O conceito

O que é, afinal, a educação midiática? Quem explica é Daniela Machado, coordenadora de educação do EducaMídia, programa vinculado ao Instituto Palavra Aberta. Ela esclarece que trata-se de um conjunto amplo de habilidades, que precisam ser desenvolvidas não só por alunos e professores, mas por todas as pessoas que desejam ser agentes na transformação do ecossistema da informação em algo mais saudável e seguro.

por

Daniela Machado

"A gente pode fazer um uso mais fortalecedor desses espaços, através de campanhas ou mobilização para engajar o nosso entorno, a nossa escola, comunidade ou bairro em prol de alguma causa e entender que aquilo que a gente produz tem consequências "

“São habilidades que todos nós precisamos para poder consumir informações de uma maneira mais crítica, entendendo a intenção de cada mensagem, e também para produzir conteúdos de forma responsável. Pensando que hoje nós temos algo muito poderoso, que é a oportunidade de não só consumir informações, mas também de criar e compartilhar”, afirma.

Mudanças na sala

Com 20 anos de experiência em sala de aula, a professora de Língua Portuguesa, Gabriella Santana, que é de Lauro de Freitas e hoje atua na rede estadual, na cidade de Marcionilio Souza, com alunos do ensino médio, decidiu buscar formação em educação midiática com o objetivo de ajudar seus alunos.

Ela entendeu que a geração dos nativos digitais precisava desenvolver uma visão mais crítica diante dessa super exposição a todos os tipos de informação - verdadeira, falsa, manipulada - que circulam hoje na internet, fazendo com que muitos não saibam como distinguir o que é real do que é fantasioso, o que é importante do que é prejudicial.

Depois que começou a trabalhar com base nos preceitos da educação midiática, já percebeu os efeitos. Segundo ela, os jovens vêm demonstrando curiosidade em conhecer sobre fontes seguras de informação, checagem e análise de ponto de vista.

Ela conta que propôs aos estudantes do 3º ano do ensino médio um debate, em sala de aula, sobre alguns temas que estão sendo discutidos atualmente, como a descriminalização do porte de drogas - em julgamento pelo STF - ou a legalização do aborto no Brasil.

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Gabriella Santana

"Acredito que o uso da IA pode ser aplicado em sala de aula de forma exitosa, mas é preciso intencionalidade pedagógica e análise crítica para entender que aspectos subjetivos, exclusivos dos seres humanos, não são alcançados por essas ferramentas Texto da citação"

Os alunos tinham que assumir uma posição favorável ou contrária sobre o tema, baseada em fatos e informações, para além do ‘achismo’ ou de crenças pessoais. “Essa experiência foi bem interessante, porque eles trouxeram dados, informações a respeito da discussão em outros países. Eles investigaram a veracidade das informações para sustentar a sua argumentação e demonstraram uma capacidade de investigação, que é muito importante, não só para a escrita, mas para o exercício democrático da liberdade de expressão, por exemplo”, explica.

Educação midiática garantirá cenários futuros saudáveis

Quando pensamos em cenários futuros, a educação midiática ganha ainda mais importância, por promover interpretação e senso crítico em relação a toda informação recebida. Esses atributos serão cada vez mais fundamentais daqui para frente, porque não existe conteúdo neutro.

“Como uma pessoa de tecnologia, eu ainda gosto de fazer a alfabetização midiática junto com a alfabetização de futuros, que é, ademais esse senso crítico, como identifico coisas que, de fato, são feitas pela máquina. O que são as fake news, que tem a ver com a formulação de conteúdos baseados em tecnologia e distribuição de massa para que as meia verdades possam ser absorvidas o mais rápido possível? E temos o próximo passo das fake news - as deep fake - que são desenvolvidas por máquinas de inteligência artificial, criadas com imagens de pessoas que estão à disposição na Internet, com fotos, mas principalmente vídeos e falas que alguém nunca falou”, explica Ligia Zotini, pesquisadora de futuros e fundadora da Voicers - Ecossistema de Pesquisa, Educação e Experiências em Futuros Desejáveis.

Segundo ela, a educação midiática é menos sobre uma estrutura de tecnologia, e mais sobre a parte humana de cada professor. O bom educador moderno é quem consegue permear por todas essas novas mídias e ajudar seus alunos a ir além dos joguinhos e vídeos de entretenimento raso, passando a construir feeds que tragam uma curadoria de conteúdos que vão nutrir a sua própria educação, usando todo o acervo que já está aí, pois trata-se de uma grande inteligência coletiva, que já começa a ganhar uma camada de imersão em três dimensões.

Profissões do Futuro

Pensando em profissões do futuro, o desenho que começa a se formar também envolve checagem de fonte, veracidade e orientação de como se posicionar à frente de gatilhos, que se tornam claros para quem já tem educação midiática. De acordo com Zotini, o desafio é elevar a consciência das pessoas de forma integral para que não sejam presas fáceis e reajam a partir de gatilhos de medo e raiva, como vem acontecendo há muito tempo.

A partir das atuais configurações, teremos de um lado profissionais na área de segurança da tecnologia, com capacidade para ajustar os algoritmos para captar esse tipo de coisa mais rapidamente; e do outro, profissionais da área da saúde mental, psicológica e emocional, que vão ajudar as pessoas a encontrarem o que há de verdadeiro dentro delas. Até mesmo porque para não sucumbir à hiper exposição de informações, ainda há uma série de lugares a ser trabalhados, visitados, curados, expandidos e autodesenvolvidos, o que vale para professores, educandos e qualquer ser humano vivendo nesses tempos.

Programa tem 3,2 milhões de alunos impactados

Especializado em educação midiática, o EducaMídia é um programa vinculado ao Instituto Palavra Aberta, que mantém parcerias com secretarias de educação de municípios e estados, e também conta com apoio de grandes instituições, como o Google, Meta e Grupo Globo. Por meio de cursos, site e produção de materiais, como guias, e-books e planos de aula - que estão disponíveis abertamente para ser baixados na plataforma digital - o projeto, lançando em 2019, vem impactando o cenário educacional de maneira positiva e sua metodologia está em sintonia com as competências gerais e diversas habilidades da BNCC (Base Nacional Comum Curricular). O relatório de atuação do EducaMídia, em 2023, indica números relevantes:

3,2 milhões Alunos impactados

1.900 Formados no MOOC: mais de 450 cidades dos 26 Estados + DF

17 Termos de cooperação assinados

190 mil Professores Impactados

800 Formuladores de políticas públicas

15 mil Downloads do Guia EducaMídia

Importante: Nas últimas formações do EducaMídia, em média, 20% dos certificados emitidos foram para professores da região nordeste. Desses, cerca de 4,5% são da Bahia.

Palavras-chave da Educação Midiática

Compreender os mecanismos de busca, curadoria e produção de conhecimento;

Acessar uma ampla gama de ferramentas digitais e ter flexibilidade para encontrar e adaptar-se a novas ferramentas;

Aplicar o conhecimento do ambiente informacional e midiático para solucionar problemas, para o exercício da cidadania e para a autoexpressão;

Criar peças de mídia fundamentadas em uma escrita técnica ou criativa bem desenvolvida, de forma ética e responsável.