Mais de 40 mil alunos ficarão sem aulas com greve nas universidades estaduais
A decisão, segundo os docentes, é resultado da falta de negociação por parte do governo do estado
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Mario Bitencourt
mario.bitencourt@redebahia.com.br
A vida acadêmica de mais de 40 mil alunos de três universidades estaduais da Bahia (Uesb, Uefs e Uneb) sofrerá atraso a partir da terça-feira (9), com a aprovação de greve por tempo indeterminado durante assembleia de professores nessa quinta (4).
Contudo, de acordo com informações de representantes dos diretórios centrais de estudantes (DCEs) dessas instituições, a classe estudantil está em apoio aos professores e prevê declaração de greve semana que vem, após assembleia.
A decisão pela greve, segundo os docentes, é resultado da falta de negociação por parte do governo do estado, que em nota se disse surpreso com o anúncio de greve e informou que se reunirá com a categoria na segunda-feira.
A última greve da categoria ocorreu em 2015, quando as universidades ficaram paradas por quase três meses. As reivindicações, segundo os docentes, eram basicamente as mesmas, e a maior parte delas não foi atendida.
Estudante do 4º semestre de Letras da Uesb, João Araújo, 29, lembrou que já entrou na instituição com um mês de atraso por conta da greve anterior. “A greve já me prejudicava antes mesmo de eu começar a estudar”, disse.
Apesar de saber que esta nova greve afetará a sua vida acadêmica, ele avalia que o movimento dos professores é válido porque “estão sendo feitas reivindicações referentes ao direito deles e contra o corte de orçamento nas universidades”.
“Infelizmente, essa é uma situação que tem afetado o país como um todo, não só as instituições estaduais. Sei que a greve vai me prejudicar, mas de alguma forma tenho de apoiá-la porque quero um dia ser professor e ter meus direitos respeitados”, falou. Professores votam pela greve na Uesb (Foto: Divulgação) Reivindicações Os professores alegam desrespeito aos direitos trabalhistas, como a não promoção, progressão e alteração de regime de trabalho de docentes, que, nos últimos anos, conseguiram elevar de grau no que se refere aos títulos acadêmicos.
Eles se queixam de há seis anos não terem aumento de salário acima da inflação, o que, segundo eles, só ocorreu em 2013, quando houve reajuste de 7% no salário base – na docência, o menor valor é de R$ 1.727,54, de professor auxiliar 20h – início de carreira.
Eles querem a recomposição de valores decorrentes das perdas com a inflação, ocorrida a última vez em 2015. Os professores afirmam que, “há quatro anos sem a recomposição, os salários já sofreram perdas que superam 25%”.
Outra situação incômoda está sendo a nova alíquota previdenciária do governo Rui Costa (PT), que por meio da Lei Estadual 14.031/2018 instituiu que o servidor estadual contribuirá com 14% do salário – antes era 12%.
“Muitos professores já começaram a sentir redução no salário esse mês, de até R$ 300, por conta dessa nova contribuição”, disse a professora Soraya Adorno, presidente da Associação dos Docentes da Uesb (Adusb), sediada em Vitória da Conquista – a Uesb possui campi ainda em Jequié e Itapetinga.
De acordo com a professora, há uma insatisfação geral com o governo da Bahia por conta dos cortes de investimento nas universidades, que ocorrem mesmo que ao longo dos últimos anos estas venham tendo crescimento de cursos e alunos.
Desde 2012 que o movimento docente reivindica que o Estado aumente o repasse para as universidades em 2,1%, o que faria a porcentagem da Receita Líquida de Impostos (RLI) voltada para as instituições subir para 7%.
Sem propostas Coordenador da Associação de Docentes da Uefs (Feira de Santana) e do Fórum das Associações de Docentes, que representa os professores das quatro universidades estaduais, o professor André Uzeda disse que “nos últimos três anos o governo sempre se fechou durante as tentativas de negociação”.
“As reuniões recentes não foram apresentadas propostas, vai ter outra segunda que não será nada de novo, como já foi falado em reuniões anteriores. Então, desistimos de negociar e decidimos partir para a greve”, declarou.
Dentre as outras reclamações dos professores, estão o corte de repasse para o Planserv (o plano de saúde dos servidores estaduais), reduzidos à metade – passou de 4% para 2% - e o suposto “ataque à autonomia universitária”.
Estudante de 6º semestre de Filosofia no campus I da Uneb, em Salvador, Geovane Rocha, 24, disse que os estudantes são favoráveis a greve dos professores, sobretudo porque “os impactos dos cortes orçamentários estão sendo sentidos por todos”.
“Por conta desses cortes, não temos nem como dar início, por exemplo, a construção do nosso restaurante universitário”, disse Rocha, segundo o qual “o movimento estudantil está em estado de greve”. A Uneb, no momento, está sem DCE.
No mesmo clima estão os alunos da Uesb, segundo a estudante de História Naila Araújo Magalhães, 22, da coordenação do DCE da instituição que em 2018 recebeu mais de 13 mil matriculados, entre cursos presenciais e à distância.
Naila informou que uma das reivindicações dos estudantes da Uesb é a construção de uma residência universitária, pois a que tem atualmente “foi um improviso que fizeram de um laboratório”. Na residência, segundo ela, há 26 alunos.
“A permanência universitária está prejudicada devido às contingências do orçamento. Precisamos de mais bolsas para pesquisas e estágios descentes que não representem uma exploração da mão de obra barata de um estudante”, comentou.
Ao comentar a greve, o Governo da Bahia declarou que “foi surpreendido pelos professores de universidades estaduais que decidiram pela paralisação”, e informou que “lideranças do governo estão em diálogo com o Fórum dos Reitores das Universidades”.
“Um dia antes do anúncio da paralisação, estas lideranças do governo participaram de reunião com integrantes do Fórum das Associações Docentes (ADs) das Universidades Estaduais, marcando o compromisso com diálogo, inclusive com definição conjunta de uma nova agenda para o próximo dia 08.04”, diz o comunicado.
Nessas reuniões anteriores, o governo divulgou o “compromisso de ajustar o quadro de vagas por classe e dimensionar o quantitativo de processos de promoção que poderá ser atendido ainda no primeiro semestre de 2019”.
Se comprometeu ainda a “avaliar, junto as respectivas reitorias, a situação dos requerimentos de mudança de regime de trabalho (ampliação de carga horária) e dimensionar o quantitativo que poderá ser atendido no exercício de 2019”.
Procuradas, as reitorias da Uesc, Uneb e Uefs não deram resposta. Num comunicado enviado no final da tarde desta sexta, a reitoria da Uesb informou que “até o momento não foi comunicada sobre a greve docente”.
O porquê da greve Os professores afirmam que sofrem com “constantes ataques à carreira e com o arrocho salarial”, e dizem que “esse é o maior arrocho das últimas duas décadas, segundo estudo encomendado pelo Fórum das ADs ao Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese)”.
Veja abaixo as justificativas apresentadas pelos professores:
Direitos trabalhistas – Nas quatro universidades estaduais, direitos trabalhistas garantidos por lei aos docentes são desrespeitados, a exemplo das promoções, progressões e alterações de regime de trabalho.
Recomposição da inflação – O último reajuste das perdas inflacionárias do ano anterior ocorreu em 2015. Há quatro anos sem a recomposição, os salários já sofreram perdas que superam 25%.
Arrocho salarial – Há seis anos os docentes não possuem aumento real em seus salários, ou seja, um acréscimo acima da inflação. O último, em 2013, foi de 7% no salário base, conseguido somente após um forte processo de mobilização da categoria, que quase resultou numa greve.
Alíquota previdenciária – Deputados da bancada do governo votaram a favor, no dia 12 de dezembro de 2018, e o governador aprovou a lei (lei nº 14.031/2018) que aumenta a alíquota previdenciária estadual paga pelo servidor de 12% para 14%;
Alteração do Estatuto do Magistério Superior – No dia 20 de dezembro do ano passado, o governo alterou o Estatuto do Magistério Superior e retirou dos docentes com Dedicação Exclusiva a possibilidade de utilizarem mais tempo à pesquisa e extensão;
Planserv - Em dezembro do ano passado, por meio da aprovação da Lei nº 14.032/18, os repasses orçamentários do governo para o Planserv foram reduzidos em 50%, passando de 4% para 2%;
Contingenciamento orçamentário – há alguns anos existe contingenciamento orçamentário nas rubricas de manutenção e investimento das universidades. Desde 2012, o movimento docente reivindica o aumento do repasse do Estado para 7% da Receita Líquida de Impostos (RLI). Atualmente o valor é 4,9% da RLI;
RH Bahia - O novo sistema criado pelo governo em janeiro deste ano para gerenciar a gestão de pessoas no Estado tem como função aumentar o poder de controle do governo sobre o pagamento dos servidores. Além de ferir a autonomia das universidades, o programa apresenta vários problemas, que vão desde dificuldade de acessar a página, ao não pagamento de benefícios e, até mesmo, ao não pagamento dos salários;
Falta de autonomia – Problemas como os contingenciamentos e o RH Bahia causam indignação à categoria. Demonstram a alta interferência dos órgãos gestores do Estado e o ataque à autonomia universitária.