Descoberta traz nova esperança contra a vassoura-de-bruxa
Fungo chegou à Bahia há 30 anos e dizimou plantações; depois de duas décadas de estudos, resultados começam a aparecer
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Georgina Maynart
georgina.maynart@redebahia.com.br
No ano em que se completa 30 anos da entrada da vassoura-de-bruxa na Bahia, muitas pesquisas estão em andamento para combater esta e outras doenças que ameaçam dizimar o chamado ouro negro das florestas tropicais.
Além da vassoura-de-bruxa, praga que mais prejudicou a cacauicultura brasileira, os cientistas procuram respostas para combater outras dezenas de doenças e pragas que afetam os pomares, entre elas a podridão-parda.
Uma solução definitiva pode ainda não ter sido alcançada, mas depois de décadas de estudos, os resultados concretos estão começando a aparecer. E a genética tem se consolidado como uma das principais ferramentas. Maior parte das pesquisas envolve cacaueiros cultivados na sombra. (Foto:Georgina Maynart) Biotecnologia combate a vassoura-de-bruxa
Depois de testar 74 moléculas, um grupo de cientistas identificou uma capaz de agir contra a vassoura-de-bruxa. Por enquanto ela tem nome complicado, está sendo chamada de NPD 7j-41. Segundo os pesquisadores, a molécula é capaz de inibir a ação de uma enzima presente no fungo que causa a doença.
A descoberta, publicada este mês na Revista Científica Pest Management Science, já vem sendo apontada como um marco inovador para a cacauicultura. Resultado de mais de duas décadas de pesquisas, a molécula aponta novos rumos para os cientistas.“Em vez de nos dedicarmos à formulação de um fungicida, como seria usual, nós vamos partir para a produção de uma substância que possa fortalecer o sistema imunológico do cacaueiro, para este conseguir destruir o patógeno”, afirma Gonçalo Amarante Pereira, coordenador do estudo e do laboratório de Genômica da Unicamp. Nova molécula foi descoberta pela equipe dos pesquisadores Gonçalo Amarante e Mário Barsotinni. Na Unicamp, vassoura-de-bruxa é investigada há mais de 20 anos. (Foto: Antoninho Perri Fellipe Mello CNPEM Unicamp) A nova molécula foi desenvolvida a partir de derivados de fenilbenzamidas, uma droga mais fácil de sintetizar e de alterar quimicamente.
“Alterando a estrutura dela, nós podemos desenvolver um químico eficaz para matar o fungo, sem causar danos à planta ou ao meio ambiente”, explica Silvana Rocco, pesquisadora do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM).
A equipe que fez a descoberta é composta também por cientistas da USP e da Universidade de Warnick no Reino Unido. Com base na molécula, eles vão tentar desenvolver um medicamento com produção em escala industrial.
“Nós pretendemos usar o conhecimento adquirido e partir para compostos mais potentes. Queremos trazer o conhecimento da área médica para a agricultura”, finaliza o pesquisador Mário Ramos Barsottini, que iniciou a pesquisa no Instituto de Biologia da Unicamp.
A vassoura-de-bruxa é causada pelo fungo Moniliophtora perniciosa, que deixa os ramos secos, com aparência de uma palha ou vassoura. Nova molécula, desenvolvida em laboratório, é apontada como marco inovador para a cacauicultura. Gene contra a Podridão-Parda
A ciência também está prestes a descobrir uma solução para acabar com outra doença devastadora para o cacau, a podridão-parda. Um grupo de pesquisadores de três instituições anunciou a descoberta de genes resistentes à doença.
A podridão-parda tem esse nome por provocar o apodrecimento da parte interna do fruto, das folhas e das raízes da planta. A casca fica com manchas escuras e o cacau começa a exalar um fedor forte, que lembra o odor de peixe.
Atualmente a podridão é responsável pela perda de 10% da produção mundial de cacau. Na Bahia, apesar de ter diminuído a incidência ao longo dos anos, a doença ainda se mostra agressiva e ocorre acima da média internacional.
A umidade funciona como fator condutor dos fungos, que precisam de chuva para se propagar, já que eles são transportados pela água.
"Até meados dos anos 1980 as perdas causadas pela podridão-parda no Sul da Bahia chegavam a 30% da produção. Chovia muito mais, o que propiciava a propagação. Hoje, por causa das mudanças climáticas, a redução nas chuvas diminuiu a propagação dos esporos de fitóftora e, consequentemente, o índice de infecções de 30% para 14% da produção”, explica a pesquisadora Edna Dora Newman Luz, do Centro de Pesquisa do Cacau (Cepec), vinculado a Ceplac de Ilhéus, no sul da Bahia.
Cacau com sintomas da podridão-parda. Doença provoca perda de 14% da produção. (Foto: Ceplac) Apesar da redução na incidência da doença no Brasil, dos sete tipos de fungos que provocam podridão, três estão presentes nas lavouras brasileiras. Esta foi a primeira pesquisa realizada com as três espécies existentes no país.
Segundo as cientistas, os genes imunes à doença foram identificados em seis partes diferentes do genoma do cacau, o conjunto de cromossomos da fruta. A pesquisa foi realizada através de uma parceria entre a Universidade de Campinas (Unicamp), a Ceplac e Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc)."Era necessário fazer este longo estudo para identificar e confirmar a resistência aos três fungos nas populações de cacau em uso nos programas de melhoramento de cacaueiro no Brasil, e especificamente na Bahia. Agora podemos desenvolver marcadores para identificar individualmente quais plantas possuem os genes responsáveis pela resistência em tais regiões," explica a geneticista de plantas Anete Pereira de Souza, pesquisadora do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética da Unicamp.A pesquisa envolveu a coleta de amostras de folhas de trezentos cacaueiros em uma fazenda do município de Barro Preto, no sul da Bahia.
Até agora, o único modo de evitar o alastramento da doença é removendo os frutos atingidos, um a um, ou aplicando fungicidas a base de cobre. São técnicas nem sempre eficientes, e que aumentam muito o custo de produção da fruta, inviabilizando a atividade de muitos agricultores.
No mercado já existem alguns clones tolerantes à podridão-parda, mas eles não são totalmente imunes. De acordo com as cientistas que realizaram o estudo do DNA, a nova descoberta pode levar ao desenvolvimento de clones mais resistentes.
“Não é possível afirmar com exatidão quando um novo clone vai estar disponível. Mas a identificação de genes de resistência foi o primeiro passo. Agora é necessário cruzar as plantas onde estes genes foram identificados para realizar novos testes”, explica a geneticista Mariana Barreto, que começou a pesquisa em 2014 na Unicamp.
Impacto econômico
Nos últimos anos os estragos provocados por doenças e pragas se alastraram pelas lavouras de cacau.
Sensível às variações do clima, da temperatura e principalmente ao ataque de pragas, a produção nacional do fruto despencou de 400 mil toneladas na década de 1980, para menos de 140 mil toneladas em 2017. No ano passado, a produção voltou a apresentar um leve crescimento, mas ainda muito distante dos tempos áureos.
De acordo com a Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau, apesar do potencial de crescimento, a produção atual não consegue atender nem mesmo a demanda interna.
Em 30 anos, mais de 60% dos pés precisaram ser erradicados. O Brasil, que era líder, passou a representar apenas 4% da produção mundial, ocupando a quinta posição no ranking entre os países produtores. Depois de vários planos de recuperação malsucedidos, a dívida dos cacauicultores supera os R$ 2 bilhões.
São dados preocupantes para um segmento que serve de renda para mais de 30 mil pequenos agricultores na Bahia, manteém de pé a cadeia de produção de chocolate, e é um dos pilares da balança comercial brasileira. Estima-se que o segmento movimente mais de US$ 14 bilhões por ano no Brasil. Os produtores se concentram no Sul, Oeste, e Extremo Sul da Bahia e na região Norte do país, principalmente no Pará.
Cacau fino ou de Aroma
Intacta ao efeito das pragas e doenças, a qualidade das amêndoas de cacau do Brasil continua a chamar a atenção do mundo. Concorridas no mercado de exportações, elas podem se tornar ainda mais valorizadas a partir deste ano.
Em nota divulgada essa semana, o Ministério da Agricultura afirmou que o Conselho da Organização Internacional do Cacau (ICCO), sediado na Costa do Marfim, deve divulgar, até o mês de setembro, se o Brasil será reconhecido como país produtor e exportador de cacau fino ou aromático.
“Além da qualidade superior à do cacau comum (commodity), as amêndoas de cacau fino ou de aroma possuem valor superior no mercado. O reconhecimento internacional da qualidade das amêndoas de cacau exportadas pelo Brasil representa um nicho de mercado mundial, com potencial para alavancar a produção de qualidade”, afirma Guilherme Galvão, diretor da Comissão Executiva da Lavoura Cacaueira. Brasil pode ser reconhecido como produtor de cacau fino ou de aroma. (Foto: Câmara Setorial Cacau / Mapa) Poucos possuem este reconhecimento, a seleta lista atual conta com menos de 10 países. Os critérios são muito rigorosos. Incluem a análise de detalhes como a origem genética dos materiais usados no plantio, o sabor, a coloração, o processo utilizado na fermentação e na secagem das amêndoas, além do grau de impureza presente no produto final.
No ano passado, cerca de 60% da produção nacional de amêndoas de cacau fino ou de aroma foram exportadas para o Japão. O equivalente a 750 toneladas, segundo o Ministério do Comércio Exterior. Os outros 40% foram enviados para a Argentina e países europeus, como Áustria, Bélgica, França, Holanda e Itália.
Sustentabilidade
Outra estratégia para fortalecer a cadeia produtiva do cacau tem sido a oferta de assistência técnica e treinamento para os agricultores. Existem vários projetos. Um deles é o Programa Cacau Sustentável. A iniciativa vem sendo desenvolvida no Sul da Bahia por meio de uma parceria entre as empresas Suzano e Cargill Cacau e Chocolate, e o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar).
Em regime de comodato, uma espécie de “empréstimo” da terra, as empresas cedem espaço dentro das fazendas para que os produtores rurais, reunidos em associações, façam o cultivo.
Nas comunidades de Nova Brasília e Cruzelândia, na região de Picadão, em Mucuri (Extremo Sul da Bahia), cerca de 20 agricultores estão participando do projeto. As aulas ocorrem dentro das áreas de preservação ambiental mantidas pela Suzano. Fabricante de celulose de eucalipto e papel, a empresa tem 55 hectares de áreas preservadas nestas duas fazendas.
As empresas fornecem ainda os insumos e materiais necessários para a atividade. A ideia é favorecer a geração de renda das famílias.
“O principal objetivo é contribuir para a transformação da realidade das comunidades por meio de iniciativas sustentáveis que valorizem as características locais e regionais. Além de ser uma vocação da região, a produção de cacau tem gerado renda complementar às famílias envolvidas no projeto”, afirma André Becher, da área de Desenvolvimento Social da Suzano em Mucuri, sul da Bahia. No Sul da Bahia, produtores de cacau estão recebendo treinamento em áreas de preservação dentro das fazendas ambiental. (Foto: divulgação)