Diário da Série B: Um psicólogo e um mediador, por favor
O Vitória precisa mais do que um camisa 6 e um 9, aponta o escritor Gabriel Galo
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Gabriel Galo
gabriel.galo@gpgalo.com
O vexame no placar final Vitória 1×3 São Bento mostra que o buraco do Vitória é muito mais embaixo. Precisa-se urgentemente de um psicólogo e um mediador.
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Salvador, 18 de maio de 2019
(Rodada 4 de 38)
Cabeças rolaram
Os cinco dias entre o acontecido em Campinas e o que estava prestes a acontecer em Salvador foram agitados nos lados de Canabrava. O descontentamento era evidente em todos. E não se fazia questão de esconder.
A limpa do elenco prosseguiu. Victor Ramos se despediu melancolicamente para assinar com o CRB. Leo Ceará, igual. Andrigo, o destruidor de esperanças, o rebaixador-mor da República, apesar de ainda com contrato, está fora dos planos, solicitando rescisão para ir rebaixar outro clube por aí.
Triste é perceber que ainda há muito o que limpar.
Cabeças chegaram
Com o máximo de pompa possível para nomes que não vão mudar a vida de ninguém, foram anunciados em entrevista coletiva três “quens”. Não entendeu? Explico.
Vou falar o nome dele e você responde a primeira coisa que vem na cabeça.
Matheus Manga!
Quem?
Dedé!
Quem?
Entendeu agora?
Convenhamos, não só de “quem?” foram as apresentações. No mesmo dia foi apresentado Marciel, volante que surgiu muito bem no Corinthians de Tite e depois decaiu vertiginosamente. Na esteira dos anúncios, as boas-vindas foram dadas a Anselmo Ramon (Ramon, se não for o Menezes, já chega com desconfiança), a Felipe Gedoz e a Zé Ivaldo, esta dupla última envolvida numa negociação que deve levar Léo Gomes ao Athletico-PR.
(Parêntese para a forma física)
Felipe Gedoz é camisa 10 de estilo que mescla clássico com verticalidade; nos raros bons momentos, ele lembra Jadson, guardadas as devidas proporções. Um jogador raro, não fosse a sua batalha há anos para entrar numa forma física aceitável.
Por causa disso, foi pouco aproveitado no Athletico-PR, sendo emprestado em 2018 ao Goiás e este ano chega ao Vitória.
De barriguinha saliente, velocidade prejudicada e com ancas largas evidentemente alguns números acima da recomendação a atletas profissionais, Gedoz chega para assumir a posição que caiu no colo de Nickson.
Nickson que há anos passa pelo mesmo calvário.
Pré-jogo
Os pouco mais de 7 mil sofredores que se dispuseram a apoiar a equipe no Barradão chegaram desconfiados. Não haveria de ser diferente. A equipe não engrena, não mostra evolução. Na escalação, engoliram mensagem de esperança.
Andrigo nem relacionado; Lucas Arcanjo, mais um goleiro da base, faria sua estreia; Farinha substituiria Matheus Rocha na direita; Marciel já veio pra jogar; por fim, Nickson herdava a 10.
Enquanto apertávamos insistentemente o interruptor que ligava a luz no fim do túnel, ao mesmo tempo ele não funcionava. Afinal, Ramon voltava à zaga, Capa destruía a 6 e Neto Baiano começaria mais um jogo com a 9.
Menos mal, ainda assim. Até porque, do outro lado, haveria de estar o São Bento, recém-rebaixado à segunda divisão do Campeonato Paulista e sem vencer nas três primeiras rodadas da Série B.
O fim desde o começo
A postura do Vitória era claramente diferente. Mais bem posicionado em campo, dominava as ações. Saía com tranquilidade e, embora não fosse incisivo, mantinha o controle do jogo. Em raras estocadas, o São Bento chegava pelo lado esquerdo, irresponsavelmente ocupado simultaneamente por Ramon e Capa.
Marciel e Léo Gomes mostravam bom passe, Nickson se apresentava bem, Ruan Levine – ex Potó – se movimentava bastante, Felipe Garcia lutava e Neto Baiano…
Bem, Neto Baiano adicionava uma nova especialidade ao seu repertório único. Além do tradicional “se joga no pivô, perde a bola, pede falta e levanta reclamando”, ele está treinando arduamente a “cobrança de falta de longe na barreira”.
Passava dos trinta do primeiro tempo quando, em rápido contra-ataque, o trio Felipe Garcia, Nickson e Ruan Levine desconsertou a zaga sorocabana, resultando no pênalti cometido em cima de Levine.
E foi neste instante que o fim – vexaminoso, pois – estava sacramentado.
O drama do antiprofissional
Apontada a marca da cal, Nickson, autor de três gols de pênalti só este ano, pegou a bola e se posicionou para cobrar. Mas como todo castigo para quem escala Neto Baiano é pouco, o mimado veterano deu chilique.
Queria ele cobrar. Mostrou a todos a sua total insatisfação. Reclamou com Nickson. Reclamou com Tencati. Mesmo quando confirmado que ele não iria cobrar, botou-se ao lado do garoto infernizando a sua cabeça. Sendo o cobrador oficial ou não, não era o jeito de lidar com a situação.
Nos dramas psicológicos que no campo de jogo se veem visando desestabilizar o adversário, Neto Baiano jogou contra. Situação absolutamente inaceitável.
Nickson, fora de si, perdeu o pênalti. Neto continuava esbravejando.
Redimiu-se, em parte, o garoto. Na cobrança do escanteio imediatamente após a defesa do goleiro no penal, meteu a bola na cabeça de Felipe Garcia, que balançou as redes sorocabanas.
Era o gol à frente. Mas ninguém em sã consciência poderia entender que coisa boa estaria no horizonte. Pouco tempo depois, Neto perde um gol feito dentro da pequena área.
O intervalo vem e, apesar da vantagem, o clima era péssimo.
São Bento de Sorocaba
O segundo tempo nasceu com Neto Baiano voltando a campo. Ajustado, o time paulista adiantou a marcação, pressionando a saída de bola baiana. Passou a dominar o campo, fazendo com que o rubro-negro, incapaz de reposicionar-se, passasse a trabalhar na base do chutão.
E num salseiro danado pela esquerda – por onde mais? – o São Bento achou o empate que todo mundo sabia que viria. O medo agora era outro: se o empate seria suficiente ou se a virada paulista estava em construção. Elton sobe sozinho e faz o primeiro gol do São Bento no Barradão (Foto: Jhony Pinho / Agif / Estadão Conteúdo) Nos pés de Régis, o mais que problemático avante sorocabano – apesar da pouca idade acumula indisciplinas e dispensas que envolvem até cocaína -, o São Bento sabia poder mais. Pois quis, pois conseguiu.
Porque algo que é tão certo quando o sol que raia todos os dias é o desmoronamento psicológico rubro-negro quando ameaçado.
O segundo veio.
O terceiro também, depois de saída de Everton Sena à la David Luiz no 7 a 1, abrindo um buraco na defesa e causando um gol vexatório, ápice na tentativa desesperada de Ramon de tirar a bola com a cabeça quando deitado no gramado, dando números finais à partida: Vitória 1×3 São Bento.
Tem jeito que dê jeito?
A desorganização rubro-negra não vem de agora. Desde o Brasileirão de 2016 e o famoso “toca pra Marinho”, a tática do Vitória se resume ao caos. Caos na administração, caos em campo, caos nas contratações, caos na relação com a torcida. Vitória, seu nome é caos.
Com a recorrência dos problemas – sempre os mesmos – criou-se a aura que rodeia a todos, a de que basta uma faísca para que o Vitória se incendeie e morra queimado.
Basta um gol tomado, um drible sofrido, um pênalti perdido. Basta um bate-boca com um veterano em má fase há 4 anos, mas que se vê como craque indiscutível. Basta ver a escalação de certos nomes.
A questão, portanto, ultrapassa as quatro linhas. Vai além de estudos táticos e treinamentos e preparação física. O buraco do Vitória é muito mais embaixo. Há, por certo, uma malfadada certeza psicológica que garante a derrota. Há rupturas internas que criaram fendas de relacionamento no grupo.
Na busca por necessários reforços na sequência da competição, tem o Vitória de buscar profissionais de outras searas. O mais urgente deles – e um tabu no mundo do ludopédio – é um psicólogo. E, talvez, até um mediador para criar pontes que unam os atletas em prol de um objetivo comum.
Estes dois, diria eu que são ainda mais importantes que o 9 e o 6 que não temos e quaisquer outros jogadores ou treinador que porventura venham.
Gabriel Galo é baiano, torcedor do Vitória, administrador e escritor, cronologicamente falando. É autor de “Futebol é uma matrioska de surpresas: Contos e crônicas da Copa 2018”, disponível na Amazon. Texto publicado originalmente no site Papo de Galo.