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Publicado em 10 de agosto de 2023 às 05:00
O médico sempre foi sinônimo de profissional liberal. A figura do doutor que monta seu consultório e forma uma clientela pela qualidade da sua prática simboliza o exercício liberal da medicina. Nele, médico e paciente acordam livremente entre si o serviço a ser prestado, o valor cobrado e o tratamento a ser seguido. Todavia, a ascensão de um modelo estatizado de saúde e o controle cada vez maior dos planos de saúde sobre o mercado privado vem levando ao desaparecimento da medicina liberal. Ao intermediar a relação médico-paciente, o governo e os planos de saúde limitam o livre arbítrio entre ambos, reduzindo o médico a um submisso executor de protocolos. Essa proletarização levou a reboque as associações e conselhos de classe que, por oportunismo ou ideologia, têm sido incapazes de defender seus representados.
Nunca dei bola para conselhos de classe. Sempre os considerei instâncias menores para balizar políticas públicas ou boas práticas do exercício profissional, pois não produzem nenhum conhecimento científico ou serviço relevante. Na prática, seu papel de normatização corporativa é redundante e limitado pelo regramento jurídico. Os médicos só os procuram para validar diplomas e obter carteirinha profissional. O pagamento da anuidade é compulsório, bem como a participação nas eleições dos conselheiros. Sem isso, a maioria dos colegas jamais teria contato com essas entidades, das quais nem sabe o nome dos seus integrantes.
Quando aparelhados por oportunistas ou ativistas ideológicos, esses conselhos se tornam um estorvo burocrático na vida do médico. Um bom exemplo foram as tentativas arbitrárias do Conselho Federal de Medicina (CFM) de proibir a Telemedicina, até que a pandemia os obrigou a desistir. Muito antes, na Bahia, esse procedimento já vinha sendo largamente utilizado na Holiste, em especial para atender nossos pacientes do interior e de outros estados. Mas nosso pioneirismo não foi tolerado pelos obscurantistas do Conselho Regional de Medicina da Bahia (Cremeb) que começaram a promover sindicâncias e processos administrativos abusivos contra nós, continuando mesmo durante o lockdown, quando uma infinidade de órgãos públicos já legitimava a prática. Além disso, tentaram nos impedir de divulgar o que ocorria, mas conseguimos derrubar na justiça o sigilo sob o qual tentavam se esconder. O problema não girava em torno de nenhuma controvérsia científica, vez que a telemedicina já era largamente utilizada no mundo civilizado, mas tão somente a nossa audácia em oferecer um serviço necessário para os pacientes sem a prévia autorização dessa burocracia. Ao final, uma decisão judicial irrevogável obrigou o Cremeb e o CFM a se retratarem da moção de censura pública que emitiram contra nós.
Apesar de nosso sucesso, essa história mostra os riscos de uma “ordem unida” comandada pelos luminares da burocracia estatal e da ciência “chapa branca”. Para eles, a pluralidade de ideias, a autonomia profissional e o livre arbítrio são uma ameaça. Por isso, na iminência das eleições do Cremeb, é importante prestigiar a renovação através de colegas comprometidos com a liberdade e a autonomia médica. Só assim podemos trazer o Cremeb para o lado dos médicos, e impedir que arrivistas de carreira o tratem como um conselho sem classe.
Luiz Fernando Pedroso é psiquiatra e diretor clínico da Holiste Psiquiatria