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Retirada de barreira pode gerar benefícios de R$ 2 bilhões no Porto de Salvador


 

Acesso precisa ser ampliado para receber nova classe de navios

  • Donaldson Gomes

Publicado em 29/12/2023 às 10:00:00
Atualmente, o Porto de Salvador possui um cais contínuo de 800 metros, com 16m de profundidade, e outro de 240 m, com 12 metros . Crédito: Divulgação 

Por mais que um navio como Titanic sempre vá povoar o imaginário coletivo como um gigante dos mares – talvez pela imagem que seus construtores criaram e o seu fim trágico –, o aumento do tamanho e da capacidade de carga nas embarcações são uma constante na navegação global e já deixaram o sucesso de Hollywood para trás há muito tempo. A evolução tecnológica e a pressão de enormes interesses econômicos alimentam uma competição constante pela construção de embarcações com cada vez mais capacidade de transportar cargas, e consequentemente cada vez maiores. Esta “gincana” traz um desafio crescente para a atividade portuária.

Em 1912, o Titanic impressionou o mundo com seus 269 metros de comprimento total e capacidade para transportar quase 50 mil toneladas de cargas. Atualmente, os maiores navios porta-contêineres do planeta ultrapassam os 400 metros e podem carregar mais de 24 mil contêineres no tamanho padrão de 20 pés (TEUs, na sigla em inglês) – algo que pode ultrapassar tranquilamente as 200 mil toneladas. Para receber estas máquinas colossais, os portos precisam de espaços para a atracação cada vez maiores e mais profundas, suficientes para calados – distância entre a superfície e o fundo das embarcações – cada vez maiores.

Quando se trata de calado, até mesmo centímetros podem fazer diferença. Ficar fora dos padrões pode trazer isolamento e provocar prejuízos que chegam facilmente à casa dos bilhões. Ter um porto competitivo, apto para receber quaisquer embarcações, funciona como atrativo para investimentos. Por outro lado, uma estrutura portuária ineficiente e cara tem efeito nefasto sobre a atividade econômica, impactando a competitividade de empresas – o que no fim das contas pode gerar desemprego e perda de renda.

Em 2026, uma nova classe de navios vai começar a operar no Brasil, após a conclusão de uma adequação no Porto de Santos. O Porto de Salvador, reponsável pela movimentação de 83% das cargas internacionais da Bahia e por onde passa a maior parte das operações de longo curso do Nordeste, está praticamente pronto para receber estas embarcações. Falta apenas remover uma pequena barreira no meio do caminho.

Atualmente, o porto possui um cais contínuo de 800 metros, com 16 metros de profundidade e outro de 240 metros, com 12 metros, ambos no Terminal de Contêineres (Tecon Salvador), operado pela Wilson Sons. Entre 2000 e 2022, a empresa investiu aproximadamente R$ 1 bilhão na estrutura.

De acordo com um estudo da consultoria Terrafirma, Salvador tem capacidade para receber todos os navios que operam na costa brasileira, mas em alguns casos já existem restrições – os de 366 metros só atracam com a maré alta. Se o porto não for preparado para as embarcações de 400 metros, haverá prejuízos tanto para o Poder Público quanto a sociedade, aponta o estudo.

A estimativa do estudo é de que um investimento de R$ 200 milhões no aprofundamento do canal seria suficiente para gerar benefícios econômicos da ordem de R$ 2 bilhões. Se nada for feito, a estimativa é da perda de R$ 1,1 bilhão em investimentos, além da perda de 2 mil empregos diretos e indiretos entre 2026 e 2048. Além disso, a arrecadação de ISS e de ICMS teriam quedas de R$ 42 milhões e de R$ 65 milhões, respectivamente.

Prioridade

A melhoria do acesso marítimo aos portos é apontada por Antonio Gobbo, novo presidente da Companhia das Docas do Estado da Bahia (Codeba), como uma das prioridades da entidade. Segundo ele, apesar de a situação do canal de acesso ainda não representar um gargalo no presente, a empresa estatal vai trabalhar para resolver a situação antes que ela impacte o acesso dos navios aos terminais.

Antonio Gobbo, novo presidente da Codeba. Crédito: Divulgação

“Nós vamos ter que nos antecipar a esta limitação antes que ela ocorra. Hoje, nós temos uma situação confortável no sentido de que o calado é suficiente para atender aos navios que operam atualmente, mas ainda precisa ser ampliada a capacidade para receber navios maiores e nós iremos nos antecipar a isto”, avisa.

Segundo ele, a Codeba vai realizar estudos para determinar a ampliação dos canais de acesso do Porto de Salvador e de Aratu. “Esta é uma das nossas prioridades, realizar estes estudos. Nós precisamos melhorar a qualidade das informações disponíveis sobre a movimentação de sedimentos para nos anteciparmos”, defende.

“Nós precisamos ter bons projetos e isso passa por ter acesso a informação. Eu posso lhe dizer que o ano de 2024 será um ano de investigação das principais ineficiências, identificar uma matriz de riscos, entendendo os impactos destes riscos tanto na nossa operação, quanto na economia da região”, define. “A partir daí saberemos que medidas precisaremos tomar, como por exemplo essa necessidade premente de ampliar a capacidade do canal de acesso”, conclui.

O novo presidente da Codeba acredita que é importante pensar a atividade portuária como parte de uma solução logística completa. Neste contexto, ele ressalta a necessidade do transporte ferroviário para o desenvolvimento da atividade portuária. “Não podemos abandonar a premissa dos acessos ferroviários porque isso vai fazer diferença nos fretes no futuro e temos que pensar cada vez mais em como tornar os portos mais atrativos”, diz

“Precisamos ser suficientemente atrativos para vencer a concorrência de outros portos vizinhos, que muitas vezes oferecem uma solução logística melhor. Logística se pensa de forma sistêmica”, avalia.

Internamente, ele destaca entre os principais desafios o aumento da eficiência portuária e dos controles das operações para reduzir os tempos de carga e descarga. “Tudo o que fizermos passa por uma estratégia para tornar os nossos portos em opções viáveis e preferenciais para a operação”, avisa.

“O nosso grande desafio é tornar os portos da Bahia mais atrativos e colocar eles no mapa da logística nacional”, aponta.

Ele destaca que além da relevante operação portuária em Salvador, a Codeba quer desenvolver cada vez mais a operação em Aratu. “Temos uma relevante operação petroquímica e de cargas gerais, que precisam ser cada vez mais desenvolvidas”, avalia.

Gobbo lembra ainda as boas perspectivas em relação ao movimento no terminal de passageiros do porto, que deve registrar recorde de movimentação na atual temporada. “Esta é uma questão muito importante para a dinâmica de Salvador, que é uma cidade turística”, diz.

Planejamento

O canal de acesso utilizado pelos navios na Baía de Todos os Santos é naturalmente profundo, explica Paulo Villa, diretor executivo da Usuport - Associação dos Usuários de Portos da Bahia. “A gente necessita de dragagem apenas na chamada bacia de evolução e na parte interna do Porto de Salvador. É um processo localizado na área de manobra e na parte interna”, explica.

Para Villa, este gargalo sequer deveria existir, caso houvesse um planejamento de longo prazo. “A cada cinco anos nos deparamos com este problema, porque os navios aumentam de tamanho. Ficamos sempre correndo atrás do prejuízo e não acho esta uma forma correta de tratar o assunto”, aponta.

Ele lembra que os navios com calados maiores se tornaram mais comuns a partir de 2008, variando entre 15,5 metros, chegando a até 17 metros. “Estamos em 2024, estes navios já navegam pelo mundo há bastante tempo, mas ficamos fazendo projetos com espelho retrovisor, no lugar de um projeto para o futuro”, lamenta. “O porto como um todo, levando em conta a área pública e a do terminal de contêineres varia entre 8 e 15 metros. Um bom planejamento seria o de levar a profundidade para 20 metros”, acredita.

O diretor da Usuport acrescenta ainda que, em sua opinião, estes investimentos precisam ser pensados também para o Porto de Aratu. “Nós precisamos trabalhar na qualificação dos nossos portos não apenas para atender o presente, mas para o futuro”, defende.