Grupos religiosos fazem ebó coletivo contra privatização do Parque São Bartolomeu
Vestindo branco, manifestantes pediram: 'Tire a mão das nossas terras'
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Luana Lisboa
luana.lisboa@redebahia.com.br
Candomblecistas, ativistas e moradores do Parque São Bartolomeu se reuniram no sábado (10) em um quarto ebó coletivo na Avenida Suburbana em protesto pela preservação dos sítios sagrados aos religiosos e das terras das comunidades tradicionais. Vestindo branco, os manifestantes seguravam cartazes que pediam: “Tire a mão das nossas terras”.
O professor João Reis, sacerdote auxiliar, explica o motivo: “Ebó é chamado, na Angola, de milonga, que quer dizer ‘remédio’. O remédio coletivo é para que os que vieram se sintam purificados e para que o gestor público se sinta parte da natureza, se aproxime e se sensibilize pelas questões da cidade. E esse remédio vem da própria natureza”.
A ação vem em momento de possibilidade de concessão do Parque à iniciativa privada, iniciada pelo Governo Federal através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Em maio, o BNDES apresentou o plano de estudo sobre a viabilidade econômica do parque, em reunião com a coordenação da APA (Área de Proteção Ambiental) São Bartolomeu/Bacia do Cobre, com a presença de algumas lideranças comunitárias.
Antes disso, no final de 2020, o banco já havia lançado o Programa de Estruturação de Concessões de Parques Naturais, para dar suporte à desestatização dos serviços de visitação a esses locais. Em nota publicada no site da instituição, afirmam já contar com a adesão de seis estados: Bahia, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Tocantins.
Na Bahia, além do Parque São Bartolomeu, também estão no plano de concessão a Serra do Conduru - entre Ilhéus, Itacaré e Uruçuca -, Parque das 7 passagens - localizado em Miguel Calmon - e o Jardim Zoobotânico Getúlio Vargas (Jardim Zoológico) e o Parque de Pituaçu, em Salvador.
De acordo com Mira Alves, candomblecista e integrante do Movimento Sem Teto da Bahia, seu medo é que os Mc Donald’s e as pousadas expulsem do local os moradores que vivem da venda de frutos, folhas e pesca. “Esse não é um projeto de preservação para o Parque de São Bartolomeu, única área florestal que temos dentro da periferia e ele não foi propriamente discutido com os líderes das comunidades”, afirma.
Importância social, histórica e religiosa O Parque de São Bartolomeu ainda é um dos principais pontos da cidade que possui reserva de Mata Atlântica original, localizado entre o bairro de Pirajá e a Enseada do Cabrito. Possui uma área de 75 hectare sou 75 mil metros quadrados, o que equivale a cerca de nove campos de futebol. É também onde está situada a Mata do Urubu, onde se instalaram os primeiros índios tupinambá na cidade e, depois, centenas de quilombolas.
“Nós estamos no mês em que comemoramos o Julho das Pretas e resgatamos a heroína Maria Zeferina, que iniciou o Quilombo do Urubu. O local tem importância histórica e é um território sagrado para o povo negro e religioso”, destaca Lindinalva de Paula, da Frente em Defesa Popular.
De acordo com João Reis, a área tem importância religiosa para os candomblecistas simplesmente por ser natureza. Composto de sete cachoeiras, o Parque possui uma diversidade de vegetação que é utilizada nos cultos afro-brasileiros. As comunidades ao redor do parque, historicamente, utilizam a floresta para o sustento e comercialização em feiras livres.
“Aqui tem água, mata, rio, lago, árvore, as folhas podem ser remédio, os frutos são nosso alimento, as possibilidades são infinitas. É o espaço onde estão os entes da natureza e onde está a cura. Um local que pode cuidar do outro, tratar o outro e trazê-lo para viver em harmonia com ela”, explica o sacerdote.
Pesquisadora no programa de pós-graduação em Território, Água e Sociedade na Universidade Católica de Salvador e presente no ato, Débora Porciúncula acredita que a importância do complexo é definida pela vivência que os habitantes dão a ele. Em sua pesquisa mais recente, ela tem trabalhado a anterioridade histórica na provisoriedade do planejamento.
“A lagoa é utilizada para lazer e para alimentar centenas de pessoas. Na foz do rio, as pessoas buscam camarão, um bioindicador muito sensível à poluição. Aqui também foi o primeiro local de Salvador a ter hortas urbanas, que agora virou modinha nos apartamentos da cidade, mas já existia há muito tempo para essa população. Esse é o lugar em que a realidade rural coexiste com a urbana, qualificada na relação com a natureza”.
Para Annemone Santos, pescadora da região, sua subsistência também é sua forma de sobrevivência, uma vez que a alimentação dos locais é fruto do próprio trabalho pesqueiro. Ela receia a mudança na gestão devido à possibilidade de poluição dos rios na região.
“Sou nascida e criada na Comunidade de Boiadeiro, onde a água doce do rio e a salgada do mar se encontram, nasci dentro do Parque São Bartolomeu. Daqui a gente pesca, aqui a gente vive e não queremos ser prejudicados”, diz.
De acordo com pronunciamento publicado no site do BNDES em 26 de janeiro deste ano, o programa de concessões de unidades de conservação vai atrair investimentos para aprimorar a qualidade dos serviços prestados em cada parque, com a consequente melhora da experiência dos visitantes.
“Os contratos vão prever melhorias desde investimentos básicos em infraestrutura, como banheiros, sinalização ao longo das trilhas e aparelhamento dos centros de visitantes, até o desenvolvimento de novos atrativos e equipamentos de recreação de acordo com a vocação de cada parque e com foco no ecoturismo e conservação ambiental”, explica Pedro Bruno Barros de Souza, superintendente de Governo e Relacionamento Institucional do BNDES, através de nota.
A reportagem ainda procurou a Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder), responsável pela administração do parque, que informou que a questão da privatização é algo a ser debatido no Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema). O Instituto, por sua vez, não deu um retorno até a publicação desta reportagem.