Medo do coronavírus reduz pela metade ida às clínicas e aos hospitais
Doenças não entram em quarentena: pacientes crônicos estão adiando tratamentos por conta da pandemia e correm o risco de agravar estes casos
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Priscila Natividade
priscila.oliveira@redebahia.com.br
Duas cirurgias oftalmológicas marcadas, asma, hipertensão, diabetes e o medo de contaminação pelo coronavírus. A aposentada Ivete Marques postergou, além do limite, a ida ao médico até apresentar um quadro frequente de descompensação do diabetes. As cirurgias - uma de catarata e outra de pterígio -, previstas para ainda este mês, ela está disposta a adiar. “A palavra é essa: medo. Tenho pânico de ter contato com a área hospitalar, hoje. Para mim, qualquer um deles é um contaminador em potencial”.
A Sociedade Brasileira de Diabetes, seção Bahia, estima que o estado tenha 203.780 diabéticos. O receio da aposentada explica o porquê de as pessoas terem abandonado a sala de espera das clínicas e hospitais de Salvador, mesmo os pacientes crônicos que precisam manter o tratamento, independente do cenário de pandemia.
Segundo a Associação de Hospitais e Serviços de Saúde da Bahia (Ahseb), a redução inicial do volume de consultas e atendimentos ambulatoriais em clínicas, laboratórios e clínicas de imagem alcançou 80%. A queda, atualmente está em 50% e atinge todas as especialidades clínicas.
“Antes da pandemia, eu ia regularmente ao médico. Meu diabetes é oito ou oitenta. Ele vai a 600 e, nesse mesmo dia, posso ter uma hipoglicemia de 50”, completa Ivete, que após ser medicada, segue cumprindo o isolamento social.
O presidente da Ahseb, Mauro Duran Adan compreende a apreensão da paciente, porém destaca a necessidade de não interromper o tratamento médico para não acabar correndo o risco de agravar o quadro dessas doenças.“Isso é extremamente preocupante. Quem tem patologia instalada como diabetes, problemas cardíacos, pressão arterial alta e doenças oncológicas ou renais, demanda um acompanhamento continuado”, alerta.A diretora do Sindicato dos médicos do estado da Bahia (Sindimed-BA), Clarice Saba, concorda: “O novo coronavírus não é a única patologia que está aí. As outras doenças não estão de quarentena nem de férias. Não dá para ficar em casa esperando que aquele sintoma passe. São situações que podem ser evitadas, caso esses pacientes sejam medicados, antes do agravamento do caso”. De acordo com a entidade a variação da queda de atendimentos está em 60%.
A também aposentada Bárbara Rocha estava tendo oscilação na pressão arterial, desde o início do isolamento social. “Nunca havia deixado de ir ao médico. Uma mulher no elevador da clínica estava tossindo muito, fiquei nervosa e depois não peguei mais o elevador. Só fui e fiquei porque a pressão está subindo muito, mesmo com os remédios. Deve ser por conta dessa pandemia. É horrível sair”.
Nem tudo é covid Para o Diretor Superintendente do Itaigara Memorial Hospital Dia, Fábio Brinço, se proteger nesse momento de pandemia, inclui também cuidar da saúde como um todo.“Você tem um paciente, por exemplo, que está com algum sintoma, que não busca uma ajuda médica para diagnosticar o que significa esse sintoma e, após sessenta dias, ele descobre que está com um câncer. É claro que o tratamento com esse atraso diagnóstico, pode ser comprometido”, reforça.Brinço pontua que as unidades de saúde estão mantendo um protocolo de segurança e higiene para que esses atendimentos sejam feitos. No Itaigara Memorial Hospital Dia, na Pituba, além do distanciamento de um metro e meio até dois metros nas recepções, há também medição de temperatura e uso de equipamentos de segurança pelos profissionais. No Itaigara Memorial Hospital Dia, os protocolos ficaram mais rigorosos e todos os funcionários estão equipados com EPIs (Foto: Divulgação) “Fazemos também uma busca ativa antes do paciente vir para a instituição de saúde. Se ele tiver com um dos sintomas clássicos do coronavírus, é orientado a não vir até a clínica”.
Na Fundação Baiana de Cardiologia (FBC), no Itaigara, o movimento de pacientes caiu 70%, como afirma o coordenador do corpo clínico, Emerson Costa.“Muitos pacientes estão chegando aos hospitais já com quadro de parada cardíaca por ignorarem os sinais em casa. Este tipo de situação está mais frequente do que o habitual. Antes, esse mesmo paciente sentia alguma coisa e se dirigia logo para a emergência”. A FBC tem seguido todas as orientações de saúde e segurança recomendadas pelas autoridades sanitárias e reduziu o número de médicos em atendimento de dez para seis profissionais. A FBC reduziu o número de médicos que estão fazendo os atendimentos (Foto: Divulgação) “Só estamos permitindo a entrada de pessoas com máscara, além de orientar o uso de álcool em gel, o tempo todo. Mais perigoso do que o vírus é o pacientes ficar sem saber o que está acontecendo”, comenta.
Cuidado redobrado Na ida ao médico, as medidas de isolamento social não podem ser flexibilizadas. È esse o alerta da imunologista, pesquisadora titular da Fiocruz Bahia e da Rede CoVida, Fernanda Grassi: “O ideal é fazer um contato com o médico para que ele possa avaliar se o paciente precisa se dirigir à unidade de saúde, ou não”.
Em geral, os hospitais estão aplicando o esquema de dupla entrada, separando os pacientes com sintomas respiratórios daqueles com outros sintomas. As equipes de atendimento que tratam a covid-19 também não podem ser as mesmas para as outras patologias. De todo modo, a imunologista lembra que o risco de contaminação existe.
“Sempre tem o risco. Só em sair na rua já estamos nos arriscando. Mas essas pessoas que têm doenças graves necessitam desse serviço. Que tomem todos os cuidados”, aconselha.
A psicóloga Tais Oliveira passou, nos últimos meses, por dois momentos de tensão que exigiram ida à emergência. A filha mais nova nasceu no dia 30 de março, no meio da pandemia. Dois dias depois, a bebê começou a ter febre alta.
“Cada exame feito era uma tensão a mais, por conta da emergência pediátrica ser próxima à adulta, onde eu sabia que já haviam casos de covid. Fiquei extremamente tensa, o tempo todo com minha bebê no colo. Foi uma situação terrível. Até o termômetro era dela, para não usar o de lá”.
Taís ainda teve que voltar outras três vezes para repetir os exames. “O medo, infelizmente, é constante, mas tem coisas que são inevitáveis”. Quase um mês depois, a psicóloga apresentou sintomas de chikungunya. Desta vez, ela evitou procurar a emergência. “Tentei consulta online e busquei orientação de médicos. Tenho vários conhecidos que se contaminaram, já perdi as contas. Até hoje vejo técnicos rasgando a ponta da luva para encontrar a veia da qual será colhido o sangue, coisa que quem é da área de saúde sabe que não deve acontecer”.Protocolos O Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia (Cremeb-BA) emitiu uma recomendação sobre consultas e procedimentos, durante pandemia. No documento, a entidade indica a obrigatoriedade da utilização de EPIs compatíveis com o grau de risco da exposição.
“O receio de se contaminar não pode tirar a percepção de que algumas doenças não devem ser negligenciadas. Temos divulgado pareceres reforçando isso”, ressalta o vice-presidente do Cremeb-BA e conselheiro federal pela Bahia, Julio Braga.
De acordo com o presidente da Associação Bahiana de Medicina (ABM) e 2º vice-presidente nacional da Associação Médica Brasileira (AMB), Robson Moura, se por um lado a pandemia reduziu o movimento nos consultórios e hospitais, por outro, o medo desafogou as emergências.
“O tempo de espera nas emergências chegava a quatro horas. Cerca de 50% das pessoas que procuravam uma emergência médica não deveriam estar lá. Muitas não queriam esperar marcar uma consulta porque o convênio delimita uma cota e, automaticamente, elas conseguiam sair da emergência não só com a orientação, mas com todos os exames feitos e o resultado”.
Moura reforça, no entanto, que o que mais preocupa é o paciente que realmente precisa do atendimento. “Em São Paulo houve um crescimento exponencial em casos de pacientes com infarto agudo que estavam há seis dias com sintomas, mas tinham medo de se dirigir às emergências”.
Vigilância No início da pandemia, a professora Candida Madureira deixou de ir a duas sessões de hemodiálise das quatro que necessita fazer, por semana, na Clínica Senhor do Bomfim, unidade do Rio Vermelho. “Estava muito fragilizada com tantas notícias sobre a covid, vendo pessoas hospitalizadas e morrendo”.
Depois, não deu mais para faltar. “À medida em que o tempo vai passando, nós vamos encarando e tentando nos afastar do medo. Passei a tomar todas as medidas cabíveis de higiene, coloquei a máscara e fui”.
A administradora Maria Inês Braga também acabou cedendo à ida ao médico. “Já tinha um mês que estava precisando me consultar com um oftalmologista. Entretanto, meus óculos quebraram e não teve mais jeito. Cheguei lá e a recepcionista parecia uma astronauta, toda equipada. Vida que segue, tem que se cuidar. O mundo não pode parar, não é não?”, diz.
Ela conta que, antes de marcar a consulta, fez questão de se certificar de que a clínica estava cumprindo as normas de segurança. “Ainda perguntei ao médico se tudo tinha sido higienizado mesmo. Sei que é um problema que não vai acabar agora. Mas a gente tem que ir tentando se resolver, na medida do possível”, completa Inês.
REDUÇÃO CHEGA A 70% NA ÁREA DE OFTALMOLOGIA
Ainda que todas as especialidades tenham sofrido queda na procura, as clínicas e hospitais oftalmológicos estão entre as unidades de saúde com queda superior a outras áreas. Só na Clínica Prover Oftalmologia, na Pituba, a redução de consultas e exames é superior a 70%.
“Estamos distantes da retomada da demanda original, anterior à pandemia. A população, principalmente de faixa etária mais avançada, e que é a que mais precisa de acompanhamento médico, tem medo da exposição”, afirma o sócio e médico da clínica, Fabiano Marins.
Os atendimentos estão concentrados, em sua maioria, nos serviços de urgências e emergências, como acrescenta Marins.“Nota-se que há uma expectativa relativa à resolução da pandemia, o que faz com que muitos pacientes aguardem para retomar seu acompanhamento médico”.Doentes crônicos com glaucoma e os diabéticos que têm retinopatia estão entre os que mais interromperam o tratamento. “O agravamento destas doenças, podem gerar comprometimentos irreversíveis à saúde”, diz.
Todos os profissionais estão recebendo treinamento específico. “É necessário enfatizar a importância do atendimento ambulatorial e, com isso, diminuir a demanda por emergências, locais onde haveria maior probabilidade de contágio e que hoje devem ter como prioridade os pacientes com covid-19”.
PARA ESPECIALISTAS, TELEMEDICINA É ALTERNATIVA
As consultas médicas à distância por vídeochamada, redes sociais ou plataformas de cuidado remoto podem ajudar pacientes crônicos a não abandonarem os tratamentos na pandemia, como destaca a Diretora da ADJ Diabetes Brasil, Denise Reis Franco.“Fazer essa consulta via telemedicina é, hoje, uma maneira viável, nesse momento em que não podemos deixar de tratar outras patologias”. A modalidade foi autorizada no mês de março, em caráter excepcional, pelo Ministério da Saúde, por conta do estado de pandemia. O Conselho Federal de Medicina (CFM) também já tinha recomendado a prática.
A Agência Nacional de Saúde Complementar (ANS) determinou ainda, que consultas por telessaúde, ou telemedicina devem ter cobertura obrigatória pelos planos de saúde, conforme as regras pactuadas no contrato entre operadora e prestadores de serviço.
A imunologista, pesquisadora Titular da Fiocruz Bahia, Rede CoVida e Professora Adjunta da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Fernanda Grassi, também concorda que o procedimento vai favorecer o contato entre médicos e pacientes, que estão com medo da contaminação.
“A telemedicina não vem para substituir a consulta presencial, mas pode ser muito últil durante a pandemia. Nós temos que nos adaptar e fazer da melhor forma para que não haja prejuízos à saúde desses pacientes”, pontua a imunologista e pesquisadora.
ONDE MORA O RISCO
Diabetes O descontrole glicêmico aumenta o risco de doenças cardiovasculares. A ADJ Diabetes Brasil destaca, ainda, outras complicações como insuficiência renal, perda de visão e amputação de membros.
Hipertensão A Sociedade Brasileira de Hipertensão chama atenção para os pacientes crônicos procurarem serviços de emergência em casos de dor forte no peito, falta de ar intensa, perda de movimentos ou dificuldade para falar.
Problemas cardíacos Ignorar sinais como dores no peito, só faz aumentar as chances de já chegar ao hospital com um quadro de parada cardíaca, alerta a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), que criou o serviço gratuito de consulta remota, o Telecardiologia.
Problemas renais Segundo informações da Sociedade Brasileira de Nefrologia, o médico nefrologista faz revisões mensais para assegurar que a diálise esteja adequada.
Câncer A Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncologica (SBC) criou o protocolo Vias Livres de Covid. A suspensão do tratamento pode levar a explosão de novos casos, em situações mais avançados que o normal.
CUIDADOS QUE O PACIENTE PRECISA TER
Antes de sair de casa Máscara de proteção de algodão (de preferência com três camadas) e o álcool em gel são imprescindíveis. Mãos lavadas com água e sabão, sempre. “A máscara deve ser utilizada corretamente, cobrindo o nariz até a parte de baixo do queixo”, orienta a imunologista, pesquisadora Titular da Fiocruz Bahia, Rede CoVida e Professora Adjunta da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Fernanda Grassi.
Consultas A recomendação é que o paciente chegue exatamente no horário marcado, para evitar ficar muito tempo na sala de espera. Verifique também se as clínicas e hospitais estão adotando todos os protocolos de segurança, entre eles a higienização, o uso de equipamentos de proteção pelos profissionais e se estão evitando aglomerações. “A clínica também tem que ter esse cuidado. Mantenha o distanciamento social de dois metros”.
Atenção redobrada Caso o paciente esteja apresentando qualquer sintoma respiratório, Fernanda Grassi orienta que ele converse antes com o seu médico. “ Seja por vídeo ou telefone, faça esse contato antes”, completa a especialista.
PROTOCOLOS PARA CLÍNICAS E CONSULTÓRIOS
No agendamento da consulta, o paciente deverá responder a um questionário para informar se apresentou algum sintoma de covid-19 nos últimos 14 dias, manteve contato com pessoas identificadas ou suspeitas de estarem infectadas. Em caso afirmativo, o atendimento deve ser adiado por 14 dias.
Logo na entrada, deve ser aferida a temperatura de pacientes e profissionais.
O intervalo de atendimento entre pacientes deve ser, no mínimo, de trinta minutos.
Durante os atendimentos, os profissionais devem utilizar todos os EPIs — gorro, máscara, óculos ou protetor facial (máscara face shield), avental impermeável e propé.
Os membros da equipe devem retirar todos os adereços como anéis, pulseiras, cordões, brincos e relógios.
Realizar desinfecção do ambiente, do equipamento, dos materiais de uso individual e EPIs, após uso de cada paciente.
Retirar todos os itens de fácil acesso como revistas, jornais, tablets, folhetos ou catálogos de informações. Não pode haver também, a oferta de café, doces, balas e/ou biscoitos.