Trocamos o Fútil Ball por Fakebol
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Paulo Leandro
pauloleandro.jor@hotmail.com
Sonhei com o fútil bol de antigamente. Teve a cerimônia de entrada dos times em campo, em meio a foguetório e vaias. Cada time saudou sua torcida. Sua Ssa. entrou, junto com os bandeirinhas, debaixo do úuuuuuuuuu das torcidas; como bons xerifes, representantes da lei e da ordem, receberam os apupos da massa anarquista avessa a toda forma de poder e opressão.
Ah, sim, o juiz ladrão era necessário ao bom andamento do futebol, não queiram me convencer desta cascata de Var não, isso aí é só uma legitimação tecnológica da roubalheira, agora institucionalizada, sobe e desce, ganha e perde, quem os homens querem em suas articulações mercadológicas de gabinete, nas caladas, mandando desligar o viva-voz.
Os capitães se encontraram para tirar o toss, ou o cara e coroa para escolher o campo, e quem perdesse dava a saída. Os uniformes, lindos, sem patrocínio, sem mácula, um orgulho para cada torcedor, ingresso baratinho, um rango farto, amendoim, cana, suco, acarajé, abará, ‘sanduíste’, ‘limão-nada’, o estádio era um cardápio para milhares de famílias.
Mercado de trabalho tinha para todos: ambulantes vendiam bandeirinhas e camisas dos clubes lá dentro mesmo do estádio, cujos espaços eram compartilhados, tinha desde os últimos ipiranguenses, posicionados junto ao Y pintado bem grande na parte central inferior da arquibancada. Havia até a Baconha, uma nuvem espessa lá no canto superior!
Cada torcedor fazia sua bandeira, a de meu pai tinha escrito TE AMO bem grandona, mas eu era encantado por uma produzida por um motorista de táxi com os dizeres “Até que a morte nos separe”. As poucas torcidas uniformizadas (não se dizia organizada) era a Povão do Bahia, e a Dragões da Fiel, do Vitória, além da feminina SuperGal, do Galícia.
Hoje, as integrantes gatinhas da SuperGal devem estar belas coroas, como minha vizinha Pilita, irmã de meu irmão Zé Manoel, saudades de dona Lola e todo aquele clima amistoso de desporto, tantas vezes torci pelo Galícia como às vezes meu pai nos levava juntos para a torcida do Vitória.
O campo era todo cheio de buraco e montinho artilheiro, mas os times jogavam o fino e mesmo os pequenos tinham atrações, como Esquerdinha, Luis Ferreira, Zé da Gaita, chegávamos cedo, logo depois do almoço para assistir às preliminares, em rodadas duplas empolgantes.
O ordenado de jogador era pequenininho, mas dava para um filho de juiz, como o atual desembargador, ex-volante de todos os times de Salvador, comprar seu fusquinha, com o qual provava ao pai ser a carreira de jogador de time pequeno mais rentável em relação a de um magistrado!
Sim, tinha mercado para treinador, jogador, roupeiro, preparador físico, macumbeiro, futebol era meio de vida e as condições de trabalho eram bem precárias, às vezes podia até faltar bola para um coletivo-apronto e a preparação física era pular os montes de areia da construção civil.
Jogador não precisava ser Hulk, as canelas secas davam mais agilidade e baixinhos eram bem vindos nesta miragem, feita de pura arte, nossa chance de enfrentar esta realidade chata de hoje, pois o melhor mesmo, como dizem os estoicos, é aceitar para doer menos e fazer um belo funeral porque o futebol morreu e só sabe disso quem viveu o velho sonho.
Paulo Leandro é jornalista e prof. Doutor em Cultura e Sociedade