Menos luxo no Carnaval de rua em Salvador após a I Guerra Mundial
O empobrecimento da Bahia com os efeitos da guerra reduziu o poder de compra dos comerciantes, que importavam fantasias e alegorias da Europa
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Nelson Cadena
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O Carnaval de rua de Salvador foi reinventado em 1920 e 1921, um novo modelo: mais pobre, menos luxuoso, espetáculo de menor impacto e ainda com o rescaldo do medo e das incertezas decorrentes do turbulento período entre 1914 e 1920. Os efeitos da I Guerra Mundial (1914-1919) provocaram um grande abalo no formato de Carnaval, até então vigente.
Dois outros eventos, no período, também impactaram a festa de Momo: a pandemia da chamada Gripe Espanhola de 1918/19 e a anunciada invasão sertaneja, no Carnaval, de 1920; supostamente os “jagunços” de Horácio de Mattos e de outros coronéis da Chapada Diamantina planejavam invadir Salvador, em represália ao governo, no período do Carnaval. As manchetes dos jornais aterrorizavam os baianos.
O Carnaval ficou mais pobre com a nacionalização, digamos assim, dos insumos para brincar a folia. O lança-perfume alemão deu lugar ao produto nacional; as fantasias importadas pelos grandes clubes, da Alemanha e da França, deixaram de existir. O empobrecimento da Bahia com os efeitos da guerra reduziu o poder de compra dos comerciantes, que importavam fantasias e alegorias da Europa e, consequentemente, dos grandes clubes, e dos foliões.
A proibição de máscaras à noite, a partir das 18 horas, se intensificou, embora o povo desse um jeitinho de burlar como fez em relação a todas as restrições oficiais, ao longo da história. Em 1920 surge a chamada espanta-poeira, uma alegoria para os foliões das pranchas de bonde e dos corsos, a elite de Salvador. Popularizada, a partir da década de 1970, com versões a cores e mais sofisticadas, pelos blocos de trio, com o nome de mamãe-sacode.
Em 1920 e 1921 os desfiles dos grandes clubes ocorriam na Rua Chile, avançando na direção da Avenida Sete com um ponto de apoteose, no trecho da Praça Castro Alves, onde os Corsos desfilavam em círculo, nesse cenário ocorriam as batalhas de flores e de serpentinas e os esguichos do lança-perfume, abre-alas da paquera.
A demanda de foliões pelas pranchas-de-bonde, camarotes sobre trilhos, cresceu. Aproveitava-se a carcaça do bonde, sem bancos, decorava-se, e os foliões, em torno de 50 a 60 em cada vagão, vestiam uma fantasia criada para a ocasião. Tinha um espaço reservado para o motorneiro e outro para uma pequena banda de música. De sopro. A maioria tinha o patrocínio de alguma casa comercial.
Em paralelo, tinha o Carnaval alternativo dos pequenos blocos, financiado pelos comerciantes da Baixa dos Sapateiros. No Largo de São Miguel ocorria a apoteose. Tanto na Rua Chile como na Baixa dos Sapateiros tinha fartura de gambiarras, iluminavam e faziam parte da decoração. O Carnaval eram luzes. Fazia sentido, numa cidade escura em vários trechos dos circuitos. E os afros e afoxés, como se organizaram após a guerra? Fica para a semana.
Nelson Cadena é publicitário e jornalista, escreve às quintas-feiras