Cachaça não é água não... é plágio
O maior sucesso da festa de Momo de 1953 é ainda hoje uma das músicas mais interpretadas pelas bandas de sopro nos carnavais de rua pelo país
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Nelson Cadena
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Baianos e uruguaios ouviram o estribilho “Se você pensa que cachaça é água/ Cachaça não é água não/ Cachaça vem do Alambique/ Água vem do Ribeirão... Sete a oito anos antes da música estourar nos rádios como novidade e encher de cruzeiros os cofres da gravadora Copacabana, milhares de cópias foram vendidas, às vésperas do Carnaval de 1953. O maior sucesso da festa de Momo, daquele ano, é ainda hoje uma das músicas mais interpretadas, pelas bandas de sopro, nos carnavais de rua de todo o Brasil.
A música que estourou no Carnaval de 1953 era da autoria do jornalista baiano, Marinósio Trigueiros Filho. Poucos a conheciam, foi divulgada nas rádios como uma composição de Maribeau Pinheiro, Heber Lobato e Livio de Castro. Informado do plágio pela TV, Marinósio, que então residia em Londrina, acionou a Justiça. Os supostos autores do sucesso carnavalesco rebateram as acusações do músico e jornalista soteropolitano. Chamaram Marinósio de louco, aproveitador. “Se a música tem alguma semelhança, azar dele”, declarou Lobato.
Não tinha “alguma semelhança”, era idêntica, conforme provou com documentação _ um disco de cera e um registro autoral _ o verdadeiro autor, provocando um terremoto nas hostes carnavalescas do Rio de Janeiro. Diretores da União Brasileira de Compositores, com o cantor Ataulfo Alves, no papel de mediador, forçaram uma negociação, um acordo de cavalheiros. Marinósio receberia 60% dos direitos autorais, em troca de renunciar ao processo de plágio e não mais comentar o assunto que já era manchete em jornais e revistas de todo o país.
A música original foi criada por Marinósio, em um bar de Salvador, em meados da década de 1940, continuou a interpretar na boemia baiana e gravou pelo selo Melodia com o título “Tenha Cautela” e o subtítulo “Cachaça não é água”, musicado pela orquestra de Jack Sceep. Foi além, apresentou a música no Carnaval de Montevideo, em 1946, seguramente no tradicional desfile de rua das entidades negras, o Candombe, que tive a oportunidade de conhecer antes da pandemia. Gravou na capital uruguaia com o conjunto vocal Afoxé, dirigido pelo compositor.
Marinósio era reconhecido como um pesquisador do folclore nacional, exibia didaticamente instrumentos musicais como o agogô, o ganzá e o agué. Na juventude apresentava-se no cassino Atlântico. A música foi um hobby, compôs várias faixas de discos de cera, marchas e sambas. O DOPS da ditadura Vargas, chegou a fichar o artista, em 1939. Sua outra paixão foi o jornalismo. Escreveu para o jornal Última Hora, dos Diários Associados, fundou o jornal O Combate e, no fim da vida, presidiu a Associação Paranaense de Imprensa, com destacada atuação na defesa da liberdade de opinião. Na Bahia, é provável que tenha exercido a profissão, isso não consegui apurar.
Nelson Cadena é publicitário e jornalista, escreve às quintas-feiras