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Sobre Governo, Sobre Transparência


 

Pouca transparência e péssima governança dão causa à barafunda administrativa da República Federativa do Brasil

  • Matheus Oliva

Salvador
Publicado em 18/11/2023 às 11:00:00

Cannes, França, 1964, a versão em cinema do romance brasileiro "Vidas Secas” é premiada. Um testemunho da vida sofrida do povo sertanejo, “Vidas Secas" deu notoriedade extraordinária ao seu autor. Uma obra de qualidade literária ímpar. Faz o leitor adentrar os leitos secos dos rios, sentir a fome que castiga, viver a exploração e a injustiça sofridas pela família de Fabiano e Sinhá Vitória, protagonistas da obra. Nascido em 1892, no município de Quebrangulo, Alagoas, próximo a Garanhuns, Pernambuco, terra natal do Presidente da República que tem preguiça de ler, Graciliano Ramos teve uma notória vida de gestor público.

Palmeira dos Índios, Alagoas, entre 1928 e 1930, Graciliano Ramos de Oliveira foi prefeito da cidade. A sua gestão foi um primor de governança e transparência, tão marcante quanto disruptiva para a época. Graciliano colocou as contas em ordem. Na sua despedida do cargo, os cofres públicos estavam cheios, talvez, ineditamente em toda a história do município. Investiu de maneira exemplar. Construiu escolas, abriu estradas, saneou comunidades. As contas do município ele expunha em parede da prefeitura para qualquer cidadão ler. Gestão à vista, ensinada nos cursos de administração de empresas. O prefeito renunciou ao cargo em 10 de abril de 1930, devido às pressões políticas contra seu trabalho. Apesar de receber subsídios simbólicos como prefeito, é dito que acabou empobrecendo durante seu mandato, ele não se envolveu em corrupção. Graciliano redigiu relatórios de prestações de contas ao Governo com altíssimo grau de transparência e elevada qualidade literária, e uma boa dose de ironia. Relatou tudo o que viu, o que fez e o que não fez:” O principal, o que sem demora iniciei, o de que dependiam todos os outros, segundo creio, foi estabelecer alguma ordem na administração... Para que semelhante anomalia desaparecesse lutei com tenacidade e encontrei obstáculos dentro da Prefeitura e fora dela — dentro, uma resistência mole, suave, de algodão em rama; fora, uma campanha sorna, oblíqua, carregada de bílis".

A Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) deu nome à sua vasta biblioteca de “Graciliano Ramos”. Trata-se de recurso extraordinário nas áreas de Administração Pública e Gestão Governamental no Brasil com aproximadamente 29.000 obras impressas e mais de 2 milhões em formatos digitais, incluindo livros, artigos, teses, dissertações, dicionários, extensa gama de materiais, a biblioteca oferece diversos serviços, incluindo monitoramento e divulgação de periódicos especializados. Está disponível para servidores públicos ativos e aposentados do Executivo, do Judiciário e do Legislativo, nos níveis federal, estadual e municipal, assim como professores universitários, pesquisadores e alunos da ENAP.

A transparência de contas públicas é essencial para a boa gestão e prestação de contas aos pagadores de impostos do Brasil. Ser transparente é uma obrigação. A sociedade tem todo o direito de saber para onde vai o seu dinheiro duramente conquistado com seus esforços. A reforma tributária ora em votação no Congresso Nacional, perderá qualquer sentido de implementação, caso mantenha-se a opacidade, o labirinto, o cipoal, o kafkiano processo tributário, que se materializa numa teratológica máquina burocrática de arrecadação de impostos, execução de desperdícios e esbulho dos rendimentos da minoria das minorias, qual seja, o indivíduo.

Para administradores públicos, a Biblioteca Graciliano Ramos está aí para ser consultada e o exemplo de bom senso e dignidade do gestor romancista, está aí para ser espelhado. Para o indivíduo, a menor das minorias da sociedade, não é aconselhável se acomodar na inocência e resignação, como fez o ignaro protagonista de “Vidas Secas”, Fabiano, ao ser injustamente preso: “Sabia perfeitamente que era assim, acostumara-se a todas as violências, a todas as injustiças. E aos conhecidos que dormiam no tronco e aguentavam cipó de boi oferecia consolações: — “Tenha paciência. Apanhar do governo não é desfeita.”

Pois… como bate o Estado no indivíduo brasileiro! Muitos tapas na cara! Das vidas secas e sofridas de Garanhuns, aos palácios suntuosos à beira do lago, aviões públicos para fins de semana de entretenimentos particulares, regalias gastronômicas acompanhadas de vinhos a preços astronômicos e toda sorte de luxo e extravagâncias em Brasília, capital federal. Pouca transparência e péssima governança dão causa à barafunda administrativa da República Federativa do Brasil.

Matheus Oliva

Criador da MO - Movimento

& Oportunidade

mo@matheusoliva.com.br