Democracia: o peso da população e o limite da liberdade
Enquanto nações menores mantêm democracias vibrantes, as meganações enfrentam crises institucionais que enfraquecem seus sistemas democráticos
O V-Dem Report 2024, iniciativa da Universidade de Gotemburgo, Suécia, apresenta uma análise global dos estágios de autocracias e democracias, indicando tendências alarmantes. Alguns destaques do relatório 2024 são:
I - Componentes da democracia pioraram em mais países do que melhoraram na última década:
(a) A liberdade de expressão deteriorou-se em 35 países em 2023;
(b) A realização de eleições limpas piorou em 23 países e melhorou em apenas 12;
(c) A liberdade de associação foi restringida em 20 países e expandida em apenas 3.
II - O nível de democracia experimentado em 2023 retrocedeu aos níveis de 1985.
III - 71% da população mundial, cerca de 5,7 bilhões de pessoas, vive sob regimes autocráticos, aumento expressivo frente aos 48% de dez anos atrás. Apenas 29%, 2,3 bilhões de pessoas, vivem em democracias liberais ou eleitorais.
A democracia, que define cada indivíduo livre como agente do destino coletivo, perde espaço para o autoritarismo, com sua eficiência hierarquizada e repressora. Grandes nações, portanto, abrigam bilhões de pessoas sob governo centralizado e autoritário. Por outro lado, as democracias mais estáveis florescem em pequenos países com populações homogêneas e bem educadas.
Eis a questão: existe um limite populacional para a eficiência da democracia?
O V-Dem Report 2024 sugere um padrão claro: enquanto nações menores, como Noruega e Dinamarca, mantêm democracias vibrantes, as meganações frequentemente enfrentam crises institucionais que enfraquecem seus sistemas democráticos. Índia, com 1,4 bilhão de habitantes, é um exemplo disso. Embora se orgulhe de ser a maior democracia do mundo, o país enfrenta uma erosão contínua de suas liberdades civis e um aumento na centralização autoritária do poder.
Já a China, sob um modelo autoritário dito de orgulho nacional, utiliza sua máquina burocrática e centralizada para implementar políticas com impressionante brutalidade. Seu milagroso crescimento econômico, redução da pobreza e avanços tecnológicos são frequentemente apontados como um triunfo da centralização. Mas a que custo? Repressão de minorias, subjugação étnica, censura e o controle absoluto do Estado sobre a vida dos cidadãos expõem o alto preço humano desse modelo.
Por outro lado, pequenos países como os nórdicos e a insular Nova Zelândia demonstram que democracias podem ser eficazes quando combinadas com populações bem-educadas, coesas e relativamente pequenas.
Os cidadãos têm maior acesso a seus representantes, a política é mais deliberativa e menos polarizada.
Surge uma questão: existe um limite de diversidade e quantidade populacional para a eficácia da democracia?
A eficiência autoritária, exemplificada pela China, é sedutora em tempos de crise. Quando os governos democráticos enfrentam paralisia política, polarização e lentidão nos processos, as soluções rápidas de regimes autoritários parecem atraentes. No entanto, a história ensina que essa eficiência é frequentemente ilusória. Governos autoritários podem parecer estáveis, mas sua falta de flexibilidade e transparência os tornam frágeis e ilegítimos. Já as democracias possuem a capacidade única de se renovar e se adaptar. Isso exige instituições robustas, cidadãos informados e um compromisso contínuo com os valores componentes de uma democracia.
A polarização que domina o debate político democrático atual mina o essencial. Respeito ao livre expressar, pluralidade e direitos básicos da maioria ficam para trás. Fala-se de gênero e raça, mas esquecem saúde, saneamento e educação, as pautas identitárias encobrem corrupção e desigualdade. Ideologias deterioram e desrespeitam a convivência com o que é estranho. Pautas identitárias ou ideológicas, embora legítimas em certos aspectos, tornam-se divisivas quando colocadas acima da coesão social necessária para enfrentar desafios maiores. É necessário foco no coletivo, não apenas em minorias, mas também em maiorias quantitativas. Aliás, a democracia, por essência, é o governo eleito pela maioria.
A questão insurgente encontra uma resposta paradoxal, não é o tamanho da população, mas a capacidade dessa população de sustentar o processo democrático, que define o sucesso ou o fracasso de um regime. O notório Estadunidense, Henry Kissinger, advertiu em muitas ocasiões, "a legitimidade é a base do poder, mas a governança eficaz é a essência da sobrevivência". Assim como a moeda de uma nação, a democracia é uma abstração utilitária, e seu sucesso em populações grandes dependerá da disposição de investir na única variável que transcende números: o desenvolvimento humano.
O futuro da democracia, portanto, não está apenas em suas instituições, mas no coração e na mente de seus cidadãos, individualmente. Líderes políticos e cidadãos anônimos têm que estar à altura desse desafio.
Matheus Oliva é empresário.