Morre Lampião, o cãogaceiro, primeiro cachorro colunista de jornal no mundo
Lampião foi blogueiro e colunista do CORREIO
Lampião foi a força encarnada. Essa definição é de uma grande amiga e cabe muito bem. Não esqueço o dia que ele, solto em uma praia deserta, caiu pra dentro de outros cinco vira-latas que brigavam por uma fêmea no cio. O velho Lamp's não quis nem saber. Tive que pegar uma palha de coqueiro para afugentar a gangue de caramelos.
Impressionante como um cachorro retado daquele jeito podia ser, ao mesmo tempo, tão doce. Por isso mesmo foi amado e odiado. Amado por uma legião, odiado por uns cinco ou seis. Certa vez meteu o dente no saco escrotal (e tirou sangue) de um amigo vacilão. Graças a Lamp's, estudei sobre comportamento animal e aprendi a educá-lo. Com o tempo, melhorou muito a socialização com pessoas e outros cães.
Lampião, o cãogaceiro, foi blogueiro (acumulou mais de 16 mil seguidores no Instagram) e colunista do CORREIO. Primeiro colunista de um grande veículo de comunicação no mundo. Quando quase ninguém sabia o que significava "petfriendly", fez uma série apontando 100 lugares para levar o seu cachorro em Salvador.
Escreveu sobre saúde animal, impulsionou passeadores de cães, divulgou o trabalho de veterinários e fez uma lista de táxi dogs muito antes de existir Uber Pet. Também denunciou os valores abusivos cobrados nas clínicas veterinárias. Enfim, fez história no jornalismo animal. Outros caninos escritores surgiram depois dele.
Com 10 anos, Lampião adquiriu diabetes. Tomava injeções de insulina duas vezes ao dia. Ficou cego e desenvolveu artrite. Mas ele só queria seguir. E seguiu farejando uma vida limitada, mas não menos empolgante e feliz. Até porque os cães vivem muito mais o presente que o passado ou futuro. Simplesmente encaram as próximas pegadas sem muitos traumas e sem o desespero humano sobre o que virá.
Em vez de rabugento, a velhice o deixou ainda mais carinhoso. Ter um cão idoso e cego é se preocupar com cada detalhe em casa. Um simples chinelo mal colocado poderia ser obstáculo. Mas Lamp's se virava bem para encontrar água e comida. Seguia seu faro aguçado e o som das minhas palmas. Na rua, confiava 100% em mim e nos toques da coleira. Treinei ele para que subisse degraus e meio fios.
Ver um cão envelhecer é ter uma lição valiosa sobre a inconstância da vida. Você percebe o tempo passar com mais nitidez. O problema é que, no caso de Lampião, ele parecia imortal. Mas Lamp's se foi há algumas semanas. Só agora tive forças e serenidade para escrever algo.
Estive com ele nos seus últimos instantes. Agradeci muito pela amizade, companheirismo, proteção e aventuras que vivemos juntos. Agora, com cada lembrança, vem junto uma facada no peito e um riso. O bicho era engraçado demais! O velho Lamp's tá fazendo muita falta para mim e todo o bando (Maria Bunita, Besouro e Quitéria).
Um pedaço bonito da minha vida se foi. Perdi um amigo de todas as horas e que me fazia cumprir horários, manter rotinas. Tenho buscado ânimo justamente na força que ele encarnava na terra. Adeus, meu Lamp's! Até um dia quem sabe.
Não tenho nem como agradecer...
Paulinha, por dividir comigo essa nossa dor.
Tamires, por toda ajuda. Jamais vou esquecer o que fez por mim.
Mariana, por nunca ter largado minha mão (e dar a definição do início desse texto).
Débora, pela atenção, carinho e passeios para me distrair.
Mércia, pela preocupação constante e dicas veterinárias.
Cecília, por se colocar sempre disponível a ajudar.
Darino, João, Flávio, Bel, Tici, Karla e todos os amigos que entendem exatamente o que tô passando.
Dra. Andreza (nunca vou esquecer seu apoio na pior hora), dra. Elisângela (melhor endócrino) e dra. Fabiana (diretora do Hospital Municipal Veterinário).
Por todas as mensagens e ligações, muito obrigado!
* "Escreveu sobre saúde animal, impulsionou passeadores de cães, divulgou o trabalho de veterinários e fez uma lista de táxi dogs muito antes de existir Uber Pet".