A última geração analógica
Quando tudo ainda era mato na internet, conectar-se convidava a uma experiência quase transcendental
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Colunista Kátia Borges
katiamacces@gmail.com
Assistindo a episódios de uma série ambientada nos anos 90, andei pensando que faço parte da última geração a ter crescido em um mundo analógico. É esquisito, mas é bonito ter feito essa travessia num campo aberto, ano a ano, grama aparada onde antes só havia mato alto, e visto tantas mudanças acontecerem velozmente.
Quando tudo ainda era mato na internet, conectar-se convidava a uma experiência quase transcendental. Obter o sinal desafiava a nossa compreensão sobre a impermanência das coisas – nada garantia que o acesso fosse durar mais do que cinco minutos. E haja paciência para recomeçar a operação do zero.
Daí vinha aquele ruído indolente, um “vai, não vai” que parecia eterno, até que finalmente surgissem diante de nossos olhos, subindo na tela cinzenta do computador de mesa, os primeiros números e letras. A história dessa capinagem tecnológica tem como pano de fundo a nossa adolescência e grande parte da vida adulta.
Nada se compara a ficar na praia o dia todo sem um aparelho celular funcionando na bolsa — uma aventura aos moldes da descrita naquele poema de Mario Quintana sobre sair de casa como quem foge. Qualquer urgência era resolvida nos orelhões, que nem sempre funcionavam. E as mães exercitavam sua profissão de fé.
E o que dizer das grandes reportagens que fazíamos sem o auxílio dos sites de busca ou dos aplicativos de troca de mensagens? O modo como as pautas surgiam e eram resolvidas, sempre frente a frente com as fontes, que só podiam ser localizadas quando alguém atendia o telefone fixo. Lugar de repórter era nas ruas.
Já somos históricos, olha só. Nós, que compramos computadores de mesa no começo dos anos 90 e que, ainda hoje, temos adoráveis amigos analógicos. “Eu, você, nós dois, já temos um passado, meu amor...”. E ele envolve, desde a era mesozoica, dezenas de disquetes coloridos, nos quais não cabe sequer um arquivo MP3.
Mas como pareciam velozes as configurações dos primeiros modelos de computadores de mesa, com seus 200 Mhz e 48 MB de memória Ram. Não dominava, e não domino ainda, esses termos tecnológicos definidores da capacidade dos aparelhos. Meus passeios nesses territórios, hoje capinados, urbanizados e poluídos, da internet é tão distraído quanto as caminhadas que faço no Parque da Cidade.