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Iza é só mais uma mulher que sangra por causa de macho

Sinceramente, acho que, entre outras coisas, nos faltam humor e malandragem

Publicado em 13 de julho de 2024 às 11:00

Sei que tá todo mundo comovido com a situação de Iza, uma mulher grávida que contou, em vídeo, a traição do namorado, pai da filha que está sendo gestada dentro da barriga dela. As mensagens de apoio são bonitas, uma ‘onda de carinho’ envolve a cantora e é bacana, acho. Ao falar, expor o caso, parece que ela dá uma ‘volta por cima’, né? Mas, se a gente lembrar da dinâmica da relação entre gêneros – neste lugar e neste tempo - fica fácil perceber que perdemos de novo. Pensando direitinho, no fim das contas, o que temos ali é só mais uma mulher - entre tantas - que sangra, em praça pública, por causa de macho.

Do outro lado, está o tal jogador com seguidores multiplicados nas redes sociais. Colados nele, adjetivos como ‘pegador’, ‘safado’, ‘escroto’ e quetais. Quase elogios, você sabe. Ou, pelo menos, nada que abale o homem padrão, muito pelo contrário. Eles são adestrados para uma vida ‘amorosa’ que prevê a ‘esperteza’ de descumprir acordos, trair e abandonar. Serem descobertos e/ou expostos são apenas acidentes de percurso. Esperados e perfeitamente administráveis, por mais barulho que a gente faça.

(Eles riem disso tudo. As provas, se você ainda precisa, são os abundantes comentários masculinos fazendo graça.)

(‘Jogou a aposentadoria dele no lixo’, ‘trocou uma Mercedes por uma bicicleta sem rodas’ e por aí vai o quiquiqui cacacá que apenas desconsidera qualquer traço de humanidade na mulher grávida.)

(Observe que o foco é brincar com o fato de que ele foi ‘burro’ por perder ‘vantagens’.)

Comum, comuníssimo. É assim na vida real, é assim no mundo das ‘celebridades’. O vídeo que nos emocionou, portanto, é mais um lembrete de que homens continuam curtindo fazer mulher de otária. Também de que mulheres – na lida com o que chamam de ‘amor romântico’ – ainda não conseguem mover as ‘placas tectônicas’ que podem nos levar, coletivamente, a outro lugar. Sinceramente, acho que, entre outras coisas, nos faltam humor e malandragem. Coisas para as quais não somos educadas e que – há anos - descobri imprescindíveis para a saúde emocional das que, como eu, vivem incontornável heterossexualidade.

‘Mas são eles que não prestam e precisam mudar’, você está pensando aí. Tem razão. Só que a vida é curta pra esperar transformações que chegam tão devagarinho e eu sempre quis me divertir. Já tenho 50 anos e, felizmente, não esperei que todos os homens desenvolvessem certas qualidades, antes de me apaixonar algumas vezes, casar e até parir. Aos pouquinhos, entendendo o tamanho do problema e, principalmente, que outro está posto. Ou seja, só posso atuar em mim. Na manha, ‘só por hoje’, fui aprendendo a língua que se fala do lado de lá.

Por exemplo, conforme imagino que você saiba, o maior medo do homem padrão é ser corno. Na opinião deles, prova inconteste de incompetência sexual. Então, se é pra publicizar uma atitude do tipo ‘lição’ em quem combinou uma coisa e fez outra, qual é a melhor arma? Exatamente. Mainha me ensinou que todo garanhão é corno. Completei com ‘ou quer ser e não tá sabendo pedir’.

De forma que, se fosse eu no lugar de Iza, depois de receber os tais prints do namorado com a garota de programa, o que ‘vazaria’ nas redes seriam fotos minhas - grávida mesmo, claro! - acompanhada por um ‘novo amor’. Real ou contratado pra atuar. Aí, sim, quem sangraria em praça pública seria o tal jogador. Esculachado pelos seus iguais, na única situação em que viram chacota pra geral.

(Não, eu não estou brincando, essa seria a ação da minha personagem na ficção das redes sociais, porque é de comunicação que se trata. Em seguida, ainda citaria Neymar dizendo ‘errei, fui moleca’ e só depois – bem depois – TALVEZ explicasse a verdade dos fatos, a depender do que me trouxesse a minha assessoria, em nossa reunião lá nas Ilhas Maurício, onde eu estaria pra relaxar. Com acompanhamento psicoterapêutico, claro.)

(Ele ia ser corno, sim.)

(Na vida real, eu podia até chorar, mas também ia rir para caráleo.)

‘Que infantil e ridículo, isso seria baixaria, a opinião pública ia ficar contra ela’, foi o que você pensou. Exatamente, é infantil. Mas o que é ‘maduro’ em qualquer jogo? Sim, e a ‘opinião pública’ ficaria contra, porque a ‘opinião pública’ gosta é de mulher ‘vítima’ sofrendo por macho que ‘errou, foi moleque’ e não o contrário. A ‘comoção’ a favor da mulher, quando há, não dura muito e, rapidamente, as coisas voltam pro lugar: homem apronta e a gente se lasca.

Qualquer peça que se move fora disso faz um barulho danado e esse é o preço que se paga. Por outro lado, é assim que a gente avança, pode observar a história da humanidade. Pessoalmente, tô de saco cheio de ver mulher sofrendo por causa de homem. Não suporto esse lugar. Se for o caso, prefiro ser ‘vagabunda’ do que ‘coitada’. Assim, tô bem mais no meu caminho. Mas cada uma é que sabe de si, claro. Escolhas.

Exemplo pequenininho e proletário de uma situação bem menos dramática, mas com muito potencial: nunca vou esquecer da cara do namorado que me acompanhava, mas ‘comia com os olhos’ toda mulher que passava naquela praia. Avisei que estava incomodada e nada mudou. Aí levantei da cadeira, tirei a parte de cima do biquíni e, – única banhista de topless naquele pedaço - evidentemente, passei a ser ‘comida com os olhos’ pelos transeuntes. Eu retribuía alguns olhares, toda ‘dada’. Ele quase morre. Pronto, trocamos os personagens e bastou. A deselegância do rapaz nunca mais se repetiu. Se o alecrim não se coloca, espontaneamente, em meu lugar, posso dar uma ajudinha. De boaça.

(No caso, ele passou a me achar ‘maluca’ e a ter medo de mim.)

(Massa.)

Veja, há o amor. Pleno, recíproco, saudável, respeitoso. Se você tem (ou teve) um, sabe que sob a regência dele, tudo pode ser dito, negociado, reconfigurado. Inclusive pactos de monogamia. Se amamos e somos amadas, nos enxergamos - mutuamente - como pessoas, reconhecemos a humanidade um do outro e compreender é um verbo inevitável. A gente cuida e é cuidada. A dor do outro dói na gente e isso não é só papo. Amor existe, que eu sei. Mas é sorte e raridade.

Na maioria das vezes – na relação entre gêneros – é só jogo mesmo e isso nem é um problema grave. Pode ser legal, inclusive, mas tem que saber jogar. Ou, então, vai continuar divertido só pra eles, a gente perdendo toda vez. Assim, não vale. Ou, pelo menos, eu não vejo graça. Se é jogo, tudo bem, simbora. Mas, aí, nesse caso, a gente precisa desenvolver mais competitividade. Eu acho.

(‘Mas ela ama ele’. Só que ele não ama ela. Então, pronto. Outra coisa que precisamos é, quando necessário, saber desamar. Mas aí já é outro papo.)

Flavia Azevedo é articulista do Correio, editora e mãe de Leo