Receba por email.
Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Nilson Marinho
Publicado em 1 de outubro de 2024 às 04:53
Clara Cardoso, de 26 anos, estava em mais um dia de trabalho como operadora de telemarketing ativo. Era seu segundo ano na empresa, e as coisas não iam bem, relata. O assédio moral e diversas metas inalcançáveis estavam lhe tirando o sono.
Durante o meio do expediente, ela acenou para a colega da mesa ao lado ao sentir que suas palpitações haviam saído do controle. Além disso, ela suava muito e suas mãos já não conseguiam mais segurar o telefone, pois estavam muito trêmulas.
"Eu não sabia o que estava acontecendo, imaginei que era um infarto e que morreria ali mesmo. Foi horrível, a primeira vez que aquilo havia acontecido comigo", conta.
O que a jovem profissional sentiu foram os sintomas de uma crise de pânico, decorrente de um quadro de ansiedade até aquele momento não diagnosticado.
"Eu tinha muitas preocupações, havia acabado de me formar e ser mãe. Estava com muitos problemas em casa e trabalhando em uma área completamente diferente da minha formação. Além disso, estava inserida em um ambiente tóxico", completa Clara.
Questões de saúde mental, como as enfrentadas pela jovem, têm sido um desafio para 46,43% dos profissionais, segundo a 5ª Edição do Estudo Inteligência Emocional e Saúde Mental no Ambiente de Trabalho, realizado pela The School of Life, em parceria com a Robert Half.
Mas esses problemas também sobem os degraus da pirâmide trabalhista e afeta 38,05% dos líderes. Inclusive, estão fazendo uso de alguma medicação psicofarmacológica, principalmente para aumentar a produtividade, aliviar sintomas de ansiedade ou dormir melhor. No caso dos liderados, são 21,43% deles.
“A incidência relativamente alta de diagnósticos de estresse, burnout e ansiedade entre líderes e liderados sugere que as condições de trabalho contemporâneas têm prejudicado a saúde física e mental de muitos trabalhadores. Esse cenário pode ser ainda mais grave, considerando que muitos não buscam ajuda e permanecem sem diagnóstico adequado”, explica o psicólogo Saulo Velasco, Head de Aprendizagem na The School of Life Brasil.
“O uso significativo de medicação psicofarmacológica para aliviar sintomas ou aumentar a produtividade reflete uma tentativa legítima, mas potencialmente insustentável, de lidar com essas pressões. A menos que as causas subjacentes sejam abordadas, a medicação funcionará apenas como paliativo. Para enfrentar esse desafio, é essencial promover um equilíbrio entre trabalho, lazer e descanso, além de cultivar o bem-estar físico, emocional e mental”, completa Velasco.
O estudo mostrou ainda que 50,30% dos liderados consideram que a própria saúde mental é negativamente impactada pela maneira como a cobrança por produtividade acontece na empresa. E quando questionados sobre as três habilidades mais importantes para contornar situações de medo e estresse no trabalho, líderes e liderados elencaram as mesmas soft skills, inclusive com igualdade na ordem de prioridade: inteligência emocional; adaptabilidade e flexibilidade; e capacidade de comunicação eficaz.
Durante o estudo, foi mapeada a percepção de 387 líderes e 387 liderados com nível superior completo, idade igual ou superior a 25 anos e de diferentes regiões do Brasil.
“Evidentemente, os diagnósticos médicos de estresse, ansiedade e burnout devem ser acompanhados de perto por um profissional da área de saúde. No entanto, não podemos esquecer do papel das lideranças em reservar momentos para a gestão de seu time, em todos os aspectos, inclusive comportamentais e emocionais”, ressalta Maria Sartori, diretora associada da Robert Half.
“É fundamental ter abertura para conversar, apoiar e encontrar, em parceria com o profissional, estratégias para lidar com as adversidades do dia a dia de trabalho de forma mais saudável”, completa a diretora associada.
Soluções
Há empresas que têm se preocupado com o bem-estar de seus colaboradores e colocado em prática ações voltadas para a saúde mental. Em 2018, a Solar Coca-Cola, por exemplo, começou a construir uma agenda específica voltada para a saúde emocional dos trabalhadores.
Naquela época, eram abordadas questões relacionadas ao "Janeiro Branco", campanha de conscientização sobre a importância da saúde mental e emocional, e ao "Setembro Amarelo", voltado à prevenção do suicídio.
Em 2019, no entanto, a empresa passou a seguir os princípios da Organização Mundial da Saúde (OMS), integrando atividades de saúde mental à agenda de saúde geral, indo além das campanhas específicas de determinados meses.
No final de 2020, foi lançado um canal de suporte telefônico, por meio do número 0800, para atender os 18 mil colaboradores e seus mais 40 mil dependentes que, porventura, tivessem algum problema relacionado à saúde mental. Em 2021, com o auge da pandemia de COVID-19, o monitoramento e o suporte foram intensificados, especialmente para aqueles que estavam enfrentando processos de luto pela perda de familiares.
"Já em julho de 2023, percebemos que o serviço pelo número 0800, que oferecíamos desde antes da pandemia, não tinha a adesão que esperávamos. Por isso, mudamos estrategicamente e migramos para um serviço aprimorado de suporte psicológico por meio de um aplicativo, que oferece atendimento psicológico e psiquiátrico tanto para os colaboradores quanto para os familiares, com 25 especialidades focadas na saúde emocional", conta o coordenador de Saúde da Solar, Karol Magalhães.
“A adesão ao novo serviço foi muito positiva. Nos três ou quatro anos de uso do 0800, realizamos cerca de 1.150 atendimentos. Já com o aplicativo, em apenas um ano, realizamos mais de 6 mil atendimentos. Percebemos que a demanda por suporte psicológico está crescendo e, por isso, estamos sempre aprimorando o serviço para garantir um acompanhamento mais assertivo”, completa Magalhães.
Ainda conforme o coordenador de Saúde, a empresa faz o monitoramento do absenteísmo, e se for notado que um colaborador emitiu cinco atestados por CDF (Código de Doença F - transtornos mentais), um sinal de alerta é aceso.
“Nesse caso, convocamos o colaborador para uma consulta, humanizamos o atendimento e, se necessário, fazemos o encaminhamento adequado. Mas, em sua maioria, os acionamentos ocorrem quando as pessoas já apresentam algum grau de ansiedade ou depressão”, conclui.
Jamile Nunes Santos é analista de CSC e trabalha na fábrica da Sola em Simões Filho, Região Metropolitana de Salvador (RMS). Ela utiliza o aplicativo há um ano e meio pela facilidade de ter consultas na palma da mão, sem precisar se deslocar a um consultório.
“Eu já fazia terapia e dei continuidade pelo aplicativo, porque, para mim, além de ser muito mais em conta (já que eu não tenho esse desconto na folha de pagamento pelo plano de saúde), eu tenho acesso livre. Além disso, as marcações e o atendimento são eficazes e ótimos. Eu avalio como maravilhoso, acho excelente”, comenta Jamile.
“Esse aplicativo de autocuidado é muito bom. Além de nos ouvir com empatia, é uma ferramenta de fácil acesso para todos os colaboradores, tanto para aqueles que têm mais familiaridade com tecnologia quanto para os que têm menos, pois é muito simples de usar. Eles também têm um número 0800, que você pode ligar caso tenha dúvidas. Fui acompanhada pelo aplicativo durante a minha gravidez, e o pessoal do serviço sempre entrava em contato, até pelo WhatsApp, para saber como eu estava”, completou a analista de CSC.