Do campus ao campo: colegas de república criam startup no oeste da BA para transformar dados em precisão agrícola
Em 2020, a startup recebeu um investimento de R$ 200 mil
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Nilson Marinho
Foi um encontro casual, sem nenhum propósito inicial de negócio entre eles, até porque os dois estavam nos primeiros anos do ensino superior. O baiano Gabriel Xavier Ferreira conheceu o mineiro Waldir Denver Muniz Meireles Filho em uma república estudantil enquanto ambos estudavam na Universidade Federal de Viçosa (UFV). Gabriel cursava agronomia, e Waldir, computação.
Gabriel, natural do oeste baiano, vinha de uma família com raízes no setor agrícola. Já Waldir desconhecia a área, mas começou a ter mais contato com o setor ao participar de projetos científicos na universidade. Em comum, o fato de dividirem a mesma casa, enquanto estudavam.
"Durante meu curso, trabalhei em pesquisas de coleta de dados no campo usando sensores, que geralmente são distribuídos em grandes áreas, possibilitando cobrir um vasto território sem a necessidade de uma infraestrutura complexa. Diferente de uma rede tradicional, onde cada sensor é independente, esses sensores interagem entre si, formando uma rede colaborativa", conta Waldir.
Gabriel, já totalmente imerso no mundo do agronegócio, viu grande potencial nessa tecnologia de sensores para aumentar a competitividade do setor. Ele também participou de uma palestra em que percebeu que a demanda era grande por informações precisas, como umidade do solo e dados climáticos — aspectos essenciais para o manejo eficiente.
Conversando com outros estudantes de agronomia, Gabriel começou a idealizar como aplicar essa tecnologia na agricultura. Após se formar, voltou a morar em Luís Eduardo Magalhães, onde passou a trabalhar em uma consultoria de irrigação. Na prática, confirmou a necessidade de dados precisos para os agricultores.
"Em 2016, Gabriel me ligou, explicou a ideia e propôs que eu fosse para o Oeste da Bahia para desenvolvermos a solução que ele visualizava. A decisão foi difícil, pois eu estava a 1.700 quilômetros de distância, em Belo Horizonte, e até então não fazia ideia de como era a região", lembra Waldir.
“Aqui, o clima e o modo de vida são bem diferentes do que eu estava acostumado. A cidade de Luís Eduardo Magalhães, onde estamos baseados, é um polo agrícola, com fazendas imensas, que chegam a ter vinte mil, cinquenta mil hectares”, completa o mineiro.
Criação
Em 2017, os amigos criaram a startup Kalliandra, nome de um arbusto robusto que, nas épocas mais árduas do ano, floresce e se destaca na vegetação seca. A ideia inicial era desenvolver um sistema para manejo de irrigação. Seria necessário coletar informações como quantidade de chuva, uso de irrigação e clima, alimentando um sistema que estima a umidade do solo para determinar a quantidade exata de água que o produtor precisa usar, economizando recursos.
“A ideia era que o sistema fosse alimentado automaticamente por sensores, sem precisar de intervenção manual. Esses sensores monitoram a umidade do solo em várias camadas e, com essas informações, conseguimos fazer uma estimativa precisa da irrigação necessária”, continua Waldir.
No final das contas, os sócios perceberam que a demanda por sensores era maior que a demanda pelo próprio sistema de manejo de irrigação. "Havia produtores que nem eram irrigantes, mas precisavam saber a quantidade de chuva. Tinham produtores também que precisavam saber o quanto de água estavam bombeando", explica o mineiro.
O sistema de monitoramento funciona independente da rede elétrica, de maneira totalmente autônoma, e é capaz de resistir às mais diversas intempéries climáticas e operações agrícolas. Para isso, a Kalliandra utiliza uma rede MESH proprietária, que permite que todos os equipamentos funcionem tanto como sensores quanto como repetidores de sinal, possibilitando uma cobertura completa de toda a propriedade com menos infraestrutura e em tempo real, sem atraso e com confiabilidade.
O carro-chefe é o pluviômetro digital, um instrumento utilizado para coletar e medir chuvas, e que hoje representa cerca de 70% dos negócios da empresa no campo. Além disso, a startup dispõe de estação meteorológica, monitor de pivô central, hidrômetros, sensores de umidade do solo, medidores de poço artesiano, entre outras soluções.
Atualmente, a Kalliandra ultrapassou as fronteiras de Luís Eduardo Magalhães e monitora mais de 250 mil hectares, chegando aos estados do Maranhão, Piauí, Goiás, Distrito Federal e Mato Grosso.
“Funcionamos por meio de um modelo de assinatura: o produtor contrata o serviço e recebe as informações em uma plataforma digital. É nossa responsabilidade manter os sensores funcionando e substituí-los, se necessário. Atualmente, temos cerca de 700 sensores em funcionamento e esperamos chegar a mil até o final do ano”, explica o mineiro.
Em 2020, a startup passou por uma grande virada ao ser selecionada por uma aceleradora, que investiu R$ 200 mil, além de oferecer mentorias para expandir o negócio. Desde então, a Kalliandra tem mantido contato com investidores para alcançar um faturamento estável, que permita continuar crescendo.