De "praga" a fonte de renda: comunidade rural na Bahia transforma planta medicinal em produto lucrativo
A planta vista como praga virou fonte de renda para produtores rurais
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Nilson Marinho
A etnobotânica, doutora Carolina Kffuri, chegou à comunidade rural de Miramar, a cerca de trinta quilômetros da sede de Eunápolis, no sul da Bahia, com a missão de encontrar na natureza daquela região algo que pudesse ser rentável para os agricultores locais.
Naquela época, ela fazia parte do projeto Desenvolvimento Socioambiental para a Agricultura Familiar (DSAF), desenvolvido pela Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) em parceria com a Veracel Celulose, uma indústria com operação na região, da qual, hoje, ela é especialista em responsabilidade social.
No primeiro dia de prospecção, a pesquisadora se aproximou da porteira que dá acesso à comunidade, e seus olhos se voltaram para um arbusto de pequenas flores brancas que crescia próximo à entrada. Não havia dúvidas: era a erva-baleeira (Varronia curassavica), uma planta medicinal com forte efeito anti-inflamatório, conhecida localmente como maria-preta.
Ao passar pela porteira, outra surpresa a aguardava: centenas de plantas espalhadas por toda a propriedade, totalizando cerca de 200 hectares de população nativa. "Eu vi aquele boqueirão lotado de plantas e pensei: 'Nossa, eu nunca vi isso antes.' Foi uma alegria muito grande", relembra.
Animada com a descoberta, a pesquisadora sentou com os moradores da região. Queria saber como eles usavam aquela planta que foi utilizada para a composição do primeiro fitoterápico totalmente produzido no Brasil: o Acheflan. Inclusive, a criação do medicamento é considerada um marco na indústria farmacêutica do país.
Durante o papo, no entanto, a pesquisadora ouviu dos moradores que aquela planta era indesejada. Alguns viam como uma praga que precisava ser exterminada ao menor sinal de crescimento; poucos, por sua vez, a utilizavam para o tratamento de dores de cabeça, mas ninguém como algo que pudesse trazer qualquer tipo de renda para a localidade.
“Para minha surpresa, a resposta foi: ‘Nós matamos tudo'. Eles viam a planta como uma praga nas pastagens, dificultando a produção de outras culturas, como o café, mamão e até na criação de gado, já que o animal não se alimenta dessa planta”, conta Carolina.
A partir daí, foi dado início a um processo para investigar o potencial medicinal da planta que nascia em Miramar para a indústria farmacêutica, especialmente por seu princípio ativo anti-inflamatório. Foram coletadas amostras em áreas de sombra, sol e locais alagadas, extraídas seus óleos essenciais e enviados para análise de composição química na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), instituições com suportes técnicos e com tradição no estudo da espécie.
"Descobrimos teores interessantes de alfa-humuleno, alguns superiores a 2%, chegando até 6%. Também encontramos trans-cariofileno, outro composto importante no efeito anti-inflamatório. Além disso, identificamos farnesoato de metila, que, ao compararmos com outros óleos essenciais do Brasil, estava ausente ou presente em quantidades muito baixas. Nossas amostras continham até 30% desse composto", conta Carolina.
Com base no potencial da planta para a extração de óleo essencial, os pesquisadores da UFSB passaram a estudar o tempo de rebrota e a quantidade de óleo que poderia ser extraída por hectare. A conclusão foi que, em grandes áreas, seria possível produzir até 10 litros de óleo por hectare, com o preço de mercado variando entre R$ 1.500 e R$ 3.000 por litro.
Descobriu-se também que as marias-pretas da região possuem compostos químicos exclusivos. A equipe agora tenta descobrir quais são as funções delas e se podem ser usadas para a produção de bio insumo agrícola e insumos veterinários.
"Há uma diferença importante: você pode ter uma plantação ou uma população nativa. No nosso caso, temos a população nativa. A caracterização dessa população é interessante, pois, embora exista um padrão genético, a planta se manifesta de maneira diferente em cada região, gerando o que chamamos de quimiotipo, que são especificidades das plantas de acordo com o ecossistema onde estão inseridas", explica Gabriela Narezi, professora da UFSB e coordenadora do projeto.
Os resultados foram apresentados aos moradores, que começaram a ver a planta como uma possível fonte de renda. Cláudio Conceição, agricultor que mora há 14 anos em Miramar, foi um dos primeiros a acreditar no projeto. Antes da descoberta, ele plantava mandioca e fazia farinha manualmente, além de cultivar maracujá. Hoje, completa sua renda com a venda do óleo essencial. Atualmente, das 84 famílias que vivem em Miramar, mais de 10 se dedicam à atividade.
"No começo, eu não acreditava muito, mas, como sempre vivi no campo, lembrei que meus avós usavam plantas para tratar doenças. Então, tive uma certa esperança na maria-preta", diz Cláudio.
O processamento das folhas é feito em uma dorna, equipamento doado pela Veracel, utilizado para a extração do óleo na sede do Instituto Fotossíntese, outro parceiro do projeto, já que, na comunidade, há limitação da energia elétrica
A dorna, com capacidade para 300 litros, é feita de inox 316L, material qualificado para que as famílias possam solicitar a certificação do óleo para vendê-lo à indústria farmacêutica. Cada família pode colher até 250 quilos de folhas, o que resulta em cerca de 2,5 quilos de óleo essencial, gerando um lucro médio de R$ 5 mil.
No final do ano passado, o projeto foi premiado na 14ª edição do Prêmio Fieb Indústria Baiana Sustentável na categoria e Trabalhos da Academia (pós-graduação) e de Centros de Pesquisas Aplicadas. Cláudio foi convidado a subir ao palco na companhia dos pesquisadores. “Eu pedi para me beliscarem, não estava acreditando. Uma erva que era odiada, chamada de praga, sendo capaz de nos levar até lá…”, reflete o agricultor.