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FLEM e Ceasa: nada a ver

Contratada apenas para gerir, administrativa e operacionalmente, a Ceasa e suas unidades de varejo, terá a FLEM capacidade e condições de desenvolver projeto transformador desta natureza?

  • Foto do(a) author(a) Waldeck Ornelas
  • Waldeck Ornelas

Publicado em 9 de setembro de 2024 às 05:00

Uma notícia, sem maiores pretensões, informa que a Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado contratou a Fundação Luís Eduardo Magalhães (FLEM) para administrar a Central de Abastecimento da Bahia (Ceasa). Mera rotina administrativa, não fora a excentricidade que reflete.

A FLEM foi criada para ser um centro de inteligência do Estado, qualificar quadros técnicos e administrativos, desenvolver soluções e gerar inovações para o setor público. Seus cadernos e debates sobre temas baianos a credenciavam para tornar-se um importante think-tank dedicado ao desenvolvimento estadual. Bem orientada, deveria ter evoluído, nos dias de hoje, para uma Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação, com base no marco legal de CT&I.

A Ceasa de Salvador foi implantada no âmbito de uma política nacional de abastecimento das regiões metropolitanas e cidades de grande porte. De iniciativa federal, representou importante equipamento modernizador, como estrutura de suporte para o comércio atacadista de gêneros alimentícios. Constituída sob forma empresarial, teve seu controle assumido pelo Estado, tendo sido posteriormente integrada à Cesta do Povo. Na privatização da Cesta do Povo, a Ceasa ficou pendurada na estrutura da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, sem que lhe tenha sido atribuída importância econômica.

Diante de natureza, perfis, objetivos, estruturas, papéis e finalidades tão distintos, qual não é a surpresa quando nos deparamos com o estabelecimento de uma relação negocial entre o Estado e a FLEM, para “administração física, operacional, comercial e financeira” da Ceasa e seus mercados varejistas. 

Várias questões se colocam diante de um analista que procure entender esta relação que, no popular, é um verdadeiro “casamento de jacaré com cobra d’água”.

Estaria o Estado abrindo mão da atividade para que a FLEM houvera sido criada, não obstante viver-se um momento em que muitos falam de retorno do “enigma baiano”, em face da inércia econômica por que passa a Bahia? Apesar disto, não consta que tenha havido qualquer ato oficial estabelecendo novas atribuições para a FLEM, em substituição às originais.

A Ceasa, por sua vez, abrange uma central atacadista, situada na rodovia CIA-Aeroporto, mas administra também mercados públicos de varejo, no Ogunjá, Sete Portas e Paripe, tendo recentemente aberto um varejão em Amaralina, a sinalizar novas iniciativas nessa direção. No mínimo, demandaria o restabelecimento de sua estrutura empresarial, para atender aos objetivos.

Aliás, a função de varejo da Ceasa mostra-se extremamente importante e estratégica no momento em que assistimos à maior rede de supermercados em operação na capital fechar, pura e simplesmente, mais de duas dezenas de suas lojas em Salvador, sem que tenha havido qualquer explicação pública. Sucessora dos supermercados Paes Mendonça, é o que acaba de acontecer com a rede Bom Preço, que houvera sido adquirida pelo Carrefour. Abriu-se uma grande lacuna no mercado de abastecimento alimentar da população soteropolitana.

Em uma cidade que se ressente de base econômica, produtiva e geradora de emprego e renda para a população, cumpre anotar que a Ceasa tem claro e evidente potencial para nuclear um importante e estratégico distrito de abastecimento alimentar, desde que desempenhando bem e com eficiência o seu papel de centro atacadista de gêneros alimentícios.

Contratada apenas para gerir, administrativa e operacionalmente, a Ceasa e suas unidades de varejo, terá a FLEM capacidade e condições de desenvolver projeto transformador desta natureza?

Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional. Autor de Cidades e Municípios: gestão e planejamento.