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Ditadura da estética


 

A pessoa acaba sendo oprimida por padrões de beleza que não a tornam efetivamente felizes, definidos idealmente pela indústria da moda

  • Dom Sergio da Rocha

Publicado em 26/08/2024 às 05:00:00

A busca pelo corpo perfeito ou pela beleza ideal torna-se frequentemente o sentido da vida para muitos, podendo se tornar uma espécie de poder que controla e manipula a vida das pessoas e exclui os que não se submetem aos seus padrões. A pessoa acaba sendo oprimida por padrões de beleza que não a tornam efetivamente felizes, definidos idealmente pela indústria da moda, dos cosméticos, das novelas e dos filmes, dentre outros. Por isso, pode-se falar de uma espécie de “ditadura” da beleza corporal ideal.

O justo cuidado com a aparência pode ser um fator de autoestima e bem-estar psicológico. É necessário cuidar bem de si próprio, adotar um estilo de vida saudável, mas o excesso no cuidado estético, na busca da estética corporal, pode causar sérios prejuízos de ordem emocional e distúrbios relacionados à autoimagem. No atual contexto cultural, com a centralidade da comunicação pela imagem, fotografias e vídeos, as aparências passam a receber especial atenção. Portanto, é preciso discernir bem os limites para evitar excessos na busca da forma física ideal. Os gastos do dinheiro e do tempo que se têm são indicadores do caminho que alguém está percorrendo.

O padrão de beleza disseminado por intenso marketing tem tornado infeliz muita gente que não consegue alcançá-lo, especialmente, adolescentes e jovens que dele se distanciam e, por isso, chegam a entrar em crise, mas até mesmo pessoas idosas que não se dispõem a assumir serenamente as marcas do tempo. As redes sociais, com sua larga influência, têm sido fator de autoestima distorcida para inúmeras pessoas. O modo como alguém vê a si próprio, especialmente o próprio corpo, tem consequências enormes na própria vida, comprometendo a sua felicidade. Há quem se avalie e dirige os seus passos unicamente em função do que os outros pensam e dizem a seu respeito, principalmente, sobre a sua aparência física e não a partir de uma justa visão de si mesmo. A questão da autoestima pode trazer sérias implicações de caráter psicológico e ético, interferindo no cuidado de si, no desempenho escolar e profissional, repercutindo na vida familiar e social. A conquista de uma justa autoestima constitui desafio contínuo e tarefa permanente. No coração de quem cultiva uma justa autoestima não há lugar para o desânimo que deprime, nem para a inveja que destrói.

É importante admitir serenamente os limites da natureza humana e do transcorrer do tempo. O risco de valorizar as aparências deixando de lado o essencial exige vigilância constante. É fundamental reconhecer que as pessoas trazem uma dignidade que supera as aparências e que o vigor espiritual e a alegria de viver não dependem de um ideal de corpo perfeito. Numa época em que tende a se difundir a ditadura da estética corporal, é importante resgatar a simplicidade de viver e o cultivo da beleza espiritual que permanece e se fortalece com o passar do tempo.

Dom Sergio da Rocha, cardeal arcebispo de Salvador