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Publicado em 8 de abril de 2024 às 05:00
Ao longo da última década, o bairro do Comércio, na Cidade Baixa, concentrou as ações de restauração e revitalização do Centro Histórico de Salvador. Os resultados aparecem particularmente concentrados na tradicional Praça Cairu, marco da abertura dos portos do Brasil, na passagem da Corte Portuguesa, em 1808.
Se o primeiro estágio da recuperação do Centro Histórico, capitaneada pelo Estado, trinta anos atrás, priorizou o núcleo central da área tombada pela Unesco – o Pelourinho e seu entorno –, as múltiplas ações da Prefeitura na Cidade Baixa configuram um segundo estágio da recuperação do nosso imponente Centro Histórico.
A Praça Cairu é o principal ponto de referência desse espaço urbano, tendo sido transformada em imensa esplanada destinada ao pedestre, após inteligente remanejamento do trânsito de veículos. Mas não só isto, a Cairu – onde está situado o Elevador Lacerda – concentra hoje importantes equipamentos turístico-culturais.
Aí estão, a Casa da Música da Bahia – instalada na famosa casa dos azulejos – cuja segunda etapa encontra-se em execução, a Casa das Histórias de Salvador e o Arquivo Público Municipal, com seu rico acervo documental, além, naturalmente, do Mercado Modelo. Este tradicional centro de artesanato, que ocupa o prédio da antiga Alfândega, foi objeto agora de ampla modernização, tendo sido encontrada nova ala subterrânea, o que permitiu a ampliação da galeria de arte instalada no seu subsolo. Aí também se encontra a imponente Basílica da Conceição da Praia, local de onde partem dois eventos dos mais tradicionais e importantes na vida da Cidade: a caminhada até a Colina Sagrada do Bonfim e a procissão marítima do Senhor dos Navegantes.
Acresça-se o contato direto com a Baía de Todos os Santos, com a sua lendária Rampa do Mercado, onde aportavam os saveiros vindos do Recôncavo para abastecer a Capital e, tão próximo quanto isolado, o singular Forte de São Marcelo, esse importante marco histórico-militar-arquitetônico, que continua a desafiar gestores, urbanistas e empreendedores, que ainda não lhe encontraram uma destinação nobre e dinâmica, capaz de incorporar à vida da cidade o “umbigo” da Baía de Todos-os-Santos.
Extremamente importantes, todas essas obras físicas são, contudo, insuficientes para dar vida nova ao bairro do Comércio e à própria Praça Cairu, se não lhe for agregada pelo menos uma função transformadora. É preciso fomentar aí atividades que sejam capazes de fortalecer a base da economia urbana e adicionar oportunidades de trabalho e renda, numa cidade-município que se caracteriza pela fragilidade de sua economia.
No caso do bairro do Comércio, resulta evidente a necessidade de retrofit habitacional para os seus imóveis – tanto os velhos casarões de séculos passados, quanto os antigos edifícios comerciais implantados ao longo do século XX, em área conquistada ao mar pelo aterro do Porto – devendo ser obrigatório o uso dos pavimentos térreos por atividades comerciais e de serviços.
Já a Praça Cairu apresenta vocação natural para ser o polo de turismo rodoviário e marítimo de Salvador. O ambiente está preparado para se tornar o Centro de Visitantes da cidade, reunindo o que houver de melhor do receptivo turístico, ao longo do casario situado no sopé da Ladeira da Montanha, entre as igrejas da Conceição da Praia e do Corpo Santo, sem prejuízo do uso residencial nos poucos pavimentos superiores. Registre-se, aliás, a existência, na praça, de uma agência de turismo, a sinalizar o caminho a ser seguido.
Sinto-me fortemente identificado e comprometido com o Centro Histórico da cidade por haver, em 1985, supervisionado a recuperação da antiga Alfândega, depois do incêndio que a atingiu e, na primeira metade da década seguinte, coordenado o projeto de recuperação do Pelourinho.
Há muito ainda a ser feito pelo Centro Histórico de Salvador. Que não se tenha de esperar por mais um quarto de século para novas iniciativas desse porte.
Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional. Autor de Cidades e Municípios: gestão e planejamento.