Rendidos à tecnologia: quarentena estimula uso de novas ferramentas
Vídeos em família, culto e som com os amigos estão entre motivos para conexão
-
Laura Fernades
laura.fernandes@redebahia.com.br
A mesma ferramenta que antes era julgada por afastar as relações sociais está sendo a salvação para muita gente na quarentena. Até quem não tinha o menor interesse se rendeu à tecnologia para conversar com a família que está longe, para fazer uma reunião, tocar uma música com os amigos e até participar da missa da Igreja. “Toda noite é uma festa no celular!”, ri a dona de casa Alintes Batista, 88 anos.
Já que tem “um celular pebinha”, “sem zap, sem nada”, Alintes tem recorrido mais à filha para usar seu smartphone e falar por vídeo com toda a família. “São muito filhos, netos e bisnetos, aí enche. Falo toda noite com todos, até os que moram fora do país”, conta Alintes, orgulhosa. “Mas às vezes me sinto mais saudosa, porque não substitui a presença física, né?”, pondera.
Matar a saudade foi o principal motivo para a dona de casa se render à tecnologia que não era tão forte em sua rotina. “Não tinha muito interesse, sabe minha filha? Mais aí a gente pensa: ‘será que vou estar viva?’. Então tem que aprender, né?”, questiona. Ao mesmo tempo, Alintes confessa que a aproximação demorou por uma simples razão: “Tenho medo de me viciar, porque o celular é bom, né?”, gargalha.
É por isso que sua filha, a bancária aposentada Alvair Roselee Silva, 63, não pensa duas vezes na hora de ajudar os pais a fazerem uma videoconferência. Principalmente agora que os parentes têm ligado mais para eles. “Aumentou mais a preocupação, porque minha mãe tem 88 anos e meu pai 92. A gente almoçava toda semana e de repente ninguém pode vir mais”, comenta Alvair, que mora com os dois.
A tecnologia, em sua opinião, está aproximando ainda mais toda a família nesse momento difícil de isolamento social e isso precisa ser aproveitado de forma consciente. “A gente quer as pessoas próximas, o contato físico de pegar, abraçar, beijar. Mas precisamos manter a distância para evitar o pior”, defende Alvair. “A gente sente falta, né? Mas é importante afastar até terminar tudo isso”, reforça.
[[galeria]]
Show Não dá para dizer que o músico e compositor Lyn Browne, 70, não tinha contato com a tecnologia antes da quarentena, afinal sempre gravou suas músicas no pequeno estúdio que montou em casa. Mas Lyn, administrador aposentado, confessa que não tinha muita intimidade com a videoconferência e teve que recorrer a ela para poder se apresentar com os amigos saxofonistas. “Agora, live é tudo, né?”, ri.
Juntos, os amigos músicos tiveram uma ideia: reunir todo mundo na plataforma de vídeo Zoom. Um tocava os primeiros acordes e o outro dava sequência à música. Mas o que parecia simples, não funcionou tão bem. “Estava com tanta certeza, que nem pensei em um plano B (risos). Esperava a outra pessoa entrar no tempo certo, mas ia um quarto de segundo de diferença”, conta Lyn.
A ideia, então, teve que ser adaptada e cada um resolveu gravar vídeos separados da mesma música. Afinal, o show não pode parar. Enquanto fazia a edição final no estúdio, “colando” um áudio no outro, Lyn observou que as ligações dentro de casa começaram a crescer. “Às vezes, pessoas que a gente passava quatro semanas sem falar agora está falando quatro vezes na mesma semana”, observa.
Agora, as pessoas têm convivido mais via celular, WhatsApp e videoconferência, acredita Lyn. “Parecem estar mais presentes”, acrescenta. O tempo de sobra e a vontade de jogar conversa fora são alguns dos motivos, em sua opinião. “Nunca precisei da videoconferência profissionalmente, mas com a família sim, porque tenho filho em Brasília. Mas partia deles. Agora, com a quarentena, tenho tido mais iniciativa, afinal tenho que dar uma corujada nos netos, né?”, justifica, rindo.
Educação No isolamento, a tecnologia é acionada para intensificar a comunicação. “Pai, mãe, tios, avô e avó estão usando mais para se relacionar”, pontua o mestre em computação aplicada Fabrício Oliveira, 36, coordenador do curso de sistema de informação e gestor do programa de inovação da Rede UniFTC. Mas é paradoxal observar, em sua opinião, que muitas pessoas vinham reclamando do uso excessivo dessa ferramenta.
Seja dentro de casa, seja nas escolas, o debate era intenso antes da quarentena. “Ela sempre teve dois lados: de beneficiar ou prejudicar, seja o ambiente acadêmico, profissional ou pessoal”, explica Fabrício. “Agora, a gente se encontra no caos, sendo forçado a se comportar de forma diferente. Você vê pessoas que não faziam uso da tecnologia obrigadas a usar, para fazer contato com outras. É um boom. Eu gosto. A gente só precisa se educar a ela”, opina."Você vê pessoas que não faziam uso da tecnologia obrigadas a usar, para fazer contato com outras. É um boom. Eu gosto. A gente só precisa se educar a ela” - Fabrício Oliveira, mestre em computação aplicadaEvangélico, frequentador de uma Igreja com alto número de pessoas acima de 60 anos, Fabrício tem recebido muitos pedidos de ajuda nos últimos dias. “Como faço isso no celular”, “o que é uma live?” e “como fazer uma videoconferência?” foram algumas das dúvidas que surgiram não só por parte dos fiéis, mas da própria Igreja que teve que recorrer à tecnologia para compartilhar seu conteúdo.
Fabrício acrescenta que na comunidade cristã, evangélica, os fiéis são atuantes. Por isso, não basta gravar um vídeo, eles querem interagir. Então, querem fazer uma live, para participar no momento em que a mensagem está sendo transmitida e ter microfone para dizer ‘concordo’, ou ‘não concordo’. “Como é um momento de distanciamento, essas situações permitem a participação”, aprova.
Apesar disso, Fabrício acredita que o Brasil é um país “atrasado em relação à tecnologia”. “Mas o caos sempre serve para tirar a gente da zona de conforto. O que agente precisa fazer agora – e isso cabe a todos os setores – é: temos o dever de tornar a tecnologia inclusiva, porque ela tem o poder de transformar. Os líderes do país estão percebendo que as pessoas têm sede de tecnologia. Precisamos tornar ela inclusiva, para que todos tenham acesso. A maior lição é essa”, provoca.
Onde fazer videoconferência
- Google Meet: serviço gratuito do Google permite reunir até 100 pessoas; - Hangouts: outra ferramenta do Google criada antes do Google Meet; - YouTube: usada para assistir vídeos, permite fazer transmissão ao vivo; - Instagram e Facebook: em ambos é possível fazer lives e escolher o tipo de público: privado ou não. Também dá para fazer uma gravação e gerar um link para enviar; - Wheredy.com: ferramenta tem a opção de conta gratuita para até 4 pessoas. Depois disso, é paga. Diferente do Google Meet, permite ver todas as pessoas em uma única tela; - WhatsApp: permite fazer videoconferência com um total de 4 pessoas; - Zoom: aplicativo gratuito para reuniões que duram até 40 minutos. A ferramenta, porém, tem sofrido problemas de segurança.