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Um mês após morte de indígenas na Bahia, família clama por justiça


 

Investigação ainda está em andamento; um suspeito foi preso

  • Luana Lisboa

Publicado em 14/02/2023 às 17:01:00
Atualizado em 13/04/2023 às 17:12:25
. Crédito: Reprodução/Redes sociais

Vinte e oito dias após a morte dos indígenas Pataxó Nawir Brito de Jesus, 17 anos, e Samuel Cristiano do Amor Divino, de 25, no extremo-sul da Bahia, as famílias continuam pedindo por justiça. Os jovens foram assassinados a tiros no último dia 17 de janeiro, e o caso ainda está sob a investigação da Polícia Civil. Um soldado da Polícia Militar que prestava serviço de segurança privada na região foi preso. O cacique Renato Pataxó afirma que o crime foi cometido por pistoleiros contratados por fazendeiros, em uma disputa por terras da região.

Samuel Cristiano do Amor Divino deixou um filho de 1 ano e 7 meses, que está sob os cuidados da avó, com quem o rapaz morava na aldeia de Barra Velha, nas proximidades do Povoado de Montinho. Samuel e o primo, Nawir, foram baleados na BR-101, trecho da cidade de Itabela, quando iam do Povoado até uma das fazendas que estão ocupadas por um grupo indígena no processo de retomada feito pelos povos Pataxós. Conflitos na região têm sido constantes.

Ao CORREIO, Akuã Pataxó, irmã de Samuel e prima de Nawir, contou que na última vez em que viu o irmão, pediu para que ele não fosse à fazenda, sabendo que o local já estava sendo, noite e dia, alvo de tiros. "Ele tinha ido há uma semana para a fazenda e no dia 14 retornou para a aldeia. Eu pedi para que ele não voltasse por conta dos pistoleiros, mas ele quis ir, lutar pela nossa terra", conta.

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Ela recapitula os acontecimentos que antecederam o crime, e relembra que o ataque aos indígenas tem acontecido diariamente no extremo-sul da Bahia. "Todos os dias, eles atacam, virou rotina. No dia da fatalidade, meu irmão tinha ido para Montinho comprar alimento para levar para a fazenda. Um carro seguiu eles e aconteceu essa fatalidade. Só fomos saber quem tinha morrido na tarde do dia seguinte", relembra.

Desde então, a família tem passado pelo luto e pelo temor de que o crime fique impune. Através de um vídeo, a mãe de Samuel pede por justiça. "Eu quero justiça. Justiça e indenização do fazendeiro, porque Samuel deixou um filho que dependia dele e que precisa de cuidado e estudo pelos próximos anos", afirma.

Nas imagens, ela segura o filho de Samuel no colo. "Eu não quero que fique por isso mesmo, igual aos muitos índios [sic] que mataram e ninguém fez nada por eles", continua.

Investigação Akuã acredita que uma forma de facilitar a proteção dos indígenas na região e a investigação é a intervenção da força-tarefa no território. Uma força-tarefa coordenada pela Secretaria da Segurança Pùblica (SSP) atua na região desde o ano passado. Na época das mortes de Nawir e Samuel, as autoridades afirmaram que o caso seria prioridade e a força-tarefa foi reforçada. Apesar disso, Akuã diz que em todas as vezes que agentes públicos vão à região para intervir ou investigar, os pistoleiros nunca estão no local. "E quando dão as costas, eles voltam a nos atacar. É como se fossem avisados com antecedência", comenta.

No último dia 30, um soldado da Polícia Militar suspeito de participar das mortes de dois jovens indígenas no extremo sul da Bahia foi preso depois de se apresentar à Polícia Civil. O PM, que não teve nome divulgado, compareceu à delegacia acompanhado de dois advogados. Procurado por equipes da Força Integrada (FI) de Combate a Crimes Comuns envolvendo Povos e Comunidades Tradicionais da Secretaria da Segurança Pública, o PM, segundo as investigações, prestava serviço de segurança particular na região. Ele é lotado na 87ª Companhia Independente de Polícia Militar (CIPM). 

O crime é investigado pela Polícia Civil. Procurada pelo CORREIO, a assessoria do órgão afirma que a investigação está em curso e que detalhes não podem ser divulgados neste momento.

Apesar disso, a ministra dos Povos Indígenas do Brasil, Sônia Guajajara afirmou no mês passado que acionou o Ministério da Justiça para enviar a Força Nacional ao local, e classificou o crime como "cruel assassinato". Procurado, o Ministério da Justiça não enviou um posicionamento até a publicação da matéria.

"Eu sei que isso não vai trazer o meu irmão de volta, mas o queremos hoje é justiça, e que o culpado seja preso", pede Akuã.

Histórico de violência No dia 4 de setembro do ano passado, o jovem Gustavo da Silva foi morto a tiros em uma fazenda no município de Prado, também no extremo sul da Bahia. Segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), o registro é fruto de invasão do Território Indígena (TI) Comexatibá por grupo de pistoleiros, com ao menos cinco homens armados com armas calibre 12, 32, fuzil ponto 40 e bomba de gás lacrimogêneo. No conflito, os invasores ainda alvejaram outro adolescente, com um tiro no braço e outro de raspão.

Secretário de Assuntos Indígenas do Prado, Xawâ Pataxó conta que o grupo de grileiros somava mais de cinco homens em dois carros. A invasão do Território Indígena Comexatibá aconteceu após retomada indígena de terras em 1º de setembro. A situação se acirrou depois da iniciativa de reconquista de territórios originários. “Muitos indígenas estão com medo, alguns estão em aldeias nos interiores mais próximos à floresta no próprio território e outros estão amedrontados sem poder sair de suas comunidades até para comprar alimento. Estão com dificuldade em comprar alimento porque se [saírem dos territórios] correm risco de ser mortos”, denuncia. 

A APIB ainda aponta para a falta de demarcação no território tradicional Pataxó. “Cansados de esperar, no mês de junho de 2022, aconteceu a ocupação pacífica de uma área do território que era explorada pela monocultura de eucalipto. A partir de então, houve vários ataques aos Pataxó [...] mas sem quaisquer providências por parte dos órgãos públicos de segurança”. 

Dias após a morte de Gustavo Conceição da Silva, de 14 anos, pistoleiros fizeram duas invasões à comunidade Pataxó Aldeia Nova, no TI Barra Velha, em Porto Seguro. Nos dois casos não houve feridos, já que os indígenas se refugiaram quando as invasões começaram.

“Como a gente não tem arma e viu movimentação estranha, a gente falou com famílias para estar recuando. [Os pistoleiros] derrubaram portas, invadiram casas”, disse o cacique Purinã Pataxó à época. Ele afirma que o objetivo da invasão foi amedrontar a comunidade e assassiná-lo, visto que é o líder na região. 

*Sob orientação da sub-editora Carol Neves