Quem é o empresário que diz ser dono dos R$ 51 milhões achados no bunker de Geddel
‘Ilustre desconhecido’ em Camaçari, Carmerino é acusado de dar golpe de consórcio
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Alexandre Lyrio
alexandre.lyrio@redebahia.com.br
Os substantivos próprios Carmerino e Polocal dizem algo ao leitor? Se você for de Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador, as chances de ter ouvido falar desses dois nomes até existem. Mas, ainda que bastante marcantes e incomuns, os vocábulos são praticamente desconhecidos na cidade do Polo Petroquímico. “Nunca ouvi falar”, foi a resposta que mais ouvimos de dezenas de moradores.
Carmerino Conceição de Souza é o nome do empresário que afirma ser dono dos R$ 51 milhões encontrados em um apartamento ligado à família do ex-ministro Geddel Vieira Lima, conforme antecipou a Coluna Satélite, do CORREIO, na última sexta-feira (18). Polocal é a holding que controla suas 18 empresas. Mas, por que um homem milionário e a sua mega empresa são ilustres desconhecidos na cidade em que mora? E onde funciona a sede dessas empresas?
O CORREIO foi até Camaçari conhecer o “império” de Carmerino de Souza e descobriu que o empresário não só anda sumido na área, como tem fama de golpista. As modestas sedes das suas empresas, que funcionam em dois bairros populares, estão de portas fechadas. Carmerino em Brasília e em reunião com outros empresários (Foto: Reprodução/Leitor CORREIO) Centenas de processos Moradores da cidade e até um dos seus ex-funcionários o acusam de enganar dezenas de pessoas com um golpe envolvendo consórcio de veículos. Além disso, a Polocal aparece em nada menos que 238 processos no Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA). A grande maioria das ações contrárias à empresa.
Buscas no cadastro de pessoas jurídicas da Receita Federal revelam que o grupo Polocal – com dez empresas na Bahia, seis no Distrito Federal e duas em Goiás – atua nos segmentos de veículos usados (ver vídeo abaixo), tecidos e intermediação de mão de obra.
No mesmo cadastro, o capital social das empresas de Carmerino Conceição de Souza é avaliado em pouco mais de R$ 6,9 milhões. Ligamos insistentemente para os números de todas as filiais, além da holding, que constam no cadastro. Na maioria, os números estavam “indisponíveis”.
Em outras, inclusive as que funcionam fora do estado, os números são direcionados para empresas de contabilidade nas quais a Polocal foi cliente. “Ele foi nosso cliente, mas de repente sumiu sem dar satisfação. Já faz um tempo”, disse a atendente de um dos escritórios. Outras duas deram respostas de igual teor e todas afirmaram não ter mais o contato do empresário.
Na intenção de visitar pessoalmente a Polocal Holding & Participações Ltda, que funciona com o nome fantasia Polocal Comercio & Servicos, atravessamos Camaçari para, no distante bairro do Poch III, Rua Tupis, 305, dar com a cara na porta. Os vizinhos sequer sabem ao certo o que funciona ali.“Rapaz, eu nem sei do que é essa empresa. É de meio mundo de coisa”, afirma um dos moradores.De fato. O letreiro na fachada, quase apagado, indica que a empresa é de tecidos, serviços, veículos, alumínio e monitoramento.
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“Moço, nunca parei para reparar que empresa é essa. De vez em quando vem um pessoal aí. Ultimamente anda fechada”, diz uma mulher. Outro vizinho afirma que já viu o dono da Polocal algumas vezes. “Ele parece ser um homem rico?”, perguntamos.“Olhe, ele já teve um carro importado, mas ultimamente andava com um popular vermelho”, disse o homem, que nos indicou a outra sede da empresa.Localizado na Gleba C, o outro imóvel, onde caberia bem um pequeno armarinho, também estava fechado. Vizinhos disseram que o espaço é alugado há uns cinco meses. “Eles locam carro e moto. Ou locam ou vendem, não sei”.
Ex-funcionário O morador ao lado nos apontou a residência de um ex-funcionário da empresa. Sem se identificar, o rapaz diz que trabalhou cerca de três meses para Carmerino. “Sem carteira assinada. Tudo de boca”. Ele era o responsável por vender os carnês do consórcio.“O pessoal pagava 40% do carro e indicava mais seis pessoas. Aí deveria ser contemplado. Essa era apenas uma das formas de consórcio”, conta.O problema é que Carmerino não cumpriu dezenas de acordos e, simplesmente, sumiu. “Agora, o povo tá em cima de mim, querendo me pegar. Tem gente que me liga todo dia para eu dar conta dos carros. Não posso fazer nada”, afirma.
O funcionário diz que ele próprio foi vítima de Carmerino no golpe do consórcio. “Eu não entrei no esquema de pagar 40%. Ia pagando os carnês aos poucos. Cheguei a pagar três carnês. Perdi dinheiro”, lamenta. “Quando vi que ele era mentiroso, caí fora da empresa”.
Mais golpes Proprietários de outras locadoras de veículos, que conhecem Carmerino de Souza, confirmaram o golpe do consórcio. “Olha, ele alugava carro, sim. Era a Polol Veículos. Depois ele se meteu com consórcio e deu um golpe na cidade. O pessoal tava querendo matar ele por aí”, disse o dono de uma empresa que aluga veículos. Uma das vítimas conta que perdeu mais de R$ 3,5 mil no mesmo consórcio.“Duas pessoas foram lá em casa com uma conversa boa, oferecendo prestações atraentes. Paguei mais de R$ 3,5 mil e nunca vi o carro. Conheço uma pessoa que deu R$ 10 mil de entrada”, disse uma mulher.Os 238 processos em que a Polocal é citada são de diversos tipos: são execuções fiscais da dívida ativa, cartas precatórias e procedimentos comuns. O site da Polocal ainda está no ar, mas os números de telefones indicados na página estão com “atendimento indisponível”.
Localizado Em um número com DDD de Brasília, o CORREIO finalmente localizou Carmerino. Ele diz que, na verdade, é dono de R$ 65 milhões entregues a um funcionário de Geddel na Caixa Econômica Federal (veja mais abaixo).
Sem esse dinheiro, ele diz que não conseguiu cumprir com os compromissos em Camaçari. Ao mesmo tempo, ressalta que suas empresas não estão quebradas.“Eu não quebro nem se eu quiser”, afirmou Carmerino ao CORREIO.Sobre as sedes de portas fechadas em Camaçari, ele afirma que suas empresas trabalham hoje de forma 100% virtual. Carmerino garante ainda que a Polocal tem quase mil funcionários.“Se eu fechar um acordo com o Banco do Brasil, como estou prevendo, teremos 30 mil funcionários”, declarou. O CORREIO ouviu outros empresários da região. Um deles, que chegou a ser o secretário de uma importante pasta na Prefeitura de Camaçari, diz que Carmerino chegou a procurá-lo em seu gabinete para avalizar a sua empresa junto ao Banco do Nordeste.
“Ele me procurou um dia como um empresário da cidade que vendia milhares de consórcios por mês. Queria que eu avalizasse a empresa dele em uma operação de financiamento de R$ 150 milhões com o Banco do Nordeste. Eu respondi: ‘rapaz, como vou fazer isso se estou aqui em Camaçari há um ano e meio e nunca ouvi falar em sua empresa?' Não caí na lábia dele. Ele é o velho 171”, definiu.
Bunker Desde o último dia 8, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) manteve a prisão de Geddel Vieira Lima e o tornou réu por lavagem de dinheiro e associação criminosa, Carmerino reclamou a propriedade dos R$ 51 milhões encontrados pela Polícia Federal (PF) no apartamento que ficou conhecido como o “bunker” do ex-ministro.
Segundo a Coluna Satélite, ele realizou ligações diárias para o escritório do advogado de Geddel, o criminalista baiano Gamil Föppel, alegando ser o verdadeiro dono do dinheiro. O empresário também enviou e-mails ao advogado para declarar a posse dos valores apreendidos no bairro da Graça, em Salvador, em 5 de setembro do ano passado, durante a Operação Tesouro Perdido, um dos desdobramentos da Lava Jato.
O episódio consta em um petição que a Satélite teve acesso e foi encaminhada por Föppel ao superintendente da PF na Bahia, Daniel Justo Madruga. Nela, o criminalista detalha os contatos feitos pelo empresário de “forma insistente”. Foto: Divulgação/PF “Meu sócio entregou R$ 65 milhões a um funcionário de Geddel” O empresário Carmerino de Souza afirma que Geddel Vieira Lima deu fim não a R$ 51 milhões, mas a R$ 65 milhões que um dos seus sócios teria entregue a um funcionário da Caixa, quando o ex-ministro ainda era vice-presidente do banco
Ele diz que procurou o político para conseguir uma carta-fiança junto à Caixa, pela qual teria que lhe dar garantia de um investimento no BNDES no valor de R$ 110 milhões. Essa garantia seria de R$ 65 milhões.
“A Caixa iria me repassar essa carta-fiança. Para isso, eu tinha que fazer essa aplicação. E esse valor foi repassado. Geddel destinou um funcionário para receber o recurso na Superintendência de Pessoa Física da Caixa. Meu sócio foi lá e entregou em mãos”, garante Carmerino.
O empresário afirma, porém, que não tem certeza que se trata do mesmo dinheiro que estava no “bunker”.“Se Geddel não fez a aplicação e colocou esse recurso nas malas, eu não posso afirmar. Eu não tô reivindicando os R$ 51 milhões. Quem tá dizendo isso é o advogado dele. O que eu tô reivindicando são os R$ 65 milhões”, diz.A transação com a Caixa, garante o empresário, teria ocorrido entre o final de 2015 e o início de 2016. Carmerino afirma que descobriu o “golpe” dois anos depois, recentemente, quando foi sacar o valor e viu que ele não existia.
Mas, qual a origem do dinheiro? “O dinheiro vem das minhas empresas. Isso aí eu tenho tudo comprovado”. O que Carmerino não tem é a comprovação da transação com a Caixa. “Tenho só os e-mails dos pedidos da carta e a documentação exigida”.
Carmerino afirma também que, além do advogado de Geddel (Gamil Föppel), procurou a PF, que não o teria recebido, além de familiares do ex-ministro, o qual diz conhecer pessoalmente “há muitos anos”.“Quero saber de Geddel quem é o funcionário que pegou o recurso na mão do meu sócio”, declarou.Ao CORREIO, através de nota, o escritório do advogado garantiu que o ex-ministro jamais manteve contato com Carmerino de Souza. “Em todas as oportunidades que o referido senhor buscou contato, a defesa técnica do senhor Geddel Vieira Lima orientou-o a procurar a autoridade policial, a fim de que, perante a polícia, prestasse os esclarecimentos que entendesse necessários acerca da sua alegada propriedade. O senhor Geddel Vieira Lima não conhece e jamais manteve contato com o referido senhor”, diz a nota.