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PGR pede ao STF que prisão de ex-presidente do TJ-BA seja mantida


 

Maria do Socorro Barreto Santiago é acusada de participar de esquema de lavagem de R$ 517 milhões

  • Da Redação

Publicado em 15/06/2020 às 15:38:49
Atualizado em 21/04/2023 às 07:10:07
. Crédito: Foto: TJ-BA/Divulgação

A Procuradoria-Geral da República enviou ao Supremo Tribunal Federal parecer contrário ao habeas corpus que busca afastar a prisão preventiva da ex-presidente do Tribunal de Justiça da Bahia Maria do Socorro Barreto Santiago. A magistrada foi presa na Operação Joia da Coroa e está entre os desembargadores denunciados na Operação Faroeste por organização criminosa e lavagem de R$ 517 milhões em um esquema de venda de decisões judiciais que tinha o propósito legitimar terras griladas na região oeste da Bahia.

Segundo o subprocurador-geral da República Juliano Baiocchi Villa-Verde de Carvalho, o decreto de prisão da desembargadora, que partiu do ministro Og Fernandes, do Superior Tribunal de Justiça, foi 'expressamente fundamentado em elemento concretos, a delinearem a gravidade dos fatos e a necessidade da segregação, pois as condutas ocorreram até próximo da prisão, somente cessando com a medida extrema'.

"Ainda que a conduta de venda de decisões judiciais esteja obstada no momento pelo afastamento do exercício jurisdicional dos juízes e Desembargadores implicados nos fatos e que já tenha sido recebida denúncia pelo STJ, isso não significa que as demais condutas de ocultação de valores e de bens não irão continuar a ser desenvolvidas, que bens e valores assim ocultados não sejam usados para turbar a produção probatória, caso solta a paciente/agravante, ainda que afastada do cargo, mormente quando a paciente descumpriu, em plena fase ostensiva da investigação, anterior medida mais branda de não manter contado com servidores do TJ/BA", escreveu Baiocchi no parecer enviado ao Supremo.

O documento foi apresentado no âmbito de habeas corpus no qual a defesa de Maria do Socorro alegou fundamentação insuficiente e ausência de fatos contemporâneos para decretação de sua prisão preventiva. Os advogados da magistrada argumentaram que ela 'não oferece risco ao feito criminal', tendo em vista que já foi denunciada e está afastada do cargo.

" A Desembargadora Maria do Socorro jamais ocultou valores ou bens, muito menos turbou ou pretendeu turbar a instrução probatória e o único fato concreto em que insiste a acusação para a manutenção da prisão cautelar seria uma ligação telefônica para o seu gabinete no dia em que ocorreu a busca e apreensão, sendo que a Desembargadora Maria do Socorro não tinha ainda conhecimento do referido impedimento de contato com servidores do TJ/BA, ainda assim, o breve diálogo que se realizou sem qualquer conteúdo ilegal, representa um nada jurídico. Ou seja, o diálogo incompleto não serve – como nunca serviu – para lastrear a decretação da prisão preventiva da Desembargadora Maria do Socorro, em virtude da suposta necessidade de garantia da ordem pública e da conveniência da instrução criminal, muito menos para dar sustentáculo a presunções abstratas de que em liberdade a Desembargadora Maria do Socorro poderia fazer ligações para servidores de seu gabinete, em verdadeira utilização incabível do Direito Penal do Inimigo" afirmam os advogados, em nota para o CORREIO (leia a nota na íntegra no final do texto).

 Além disso, os defensores de Maria do Socorro afirmaram que a desembargadora tem mais de 60 anos de idade, sofre de diabetes tipo 2 e de hipertensão, fazendo parte do grupo de risco do novo coronavírus. Pontuaram ainda que os custodiados com mais de 60 anos do Batalhão da PM onde a magistrada está presa foram postos em prisão domiciliar

Nessa linha, a defesa pediu o afastamento da preventiva, com ou sem cautelares outras, dentre elas a de prisão domiciliar.

Após analisar o caso, Baiocchi registrou que 'elementos de prova suficientes sustentam coerente hipótese, para fins de preventiva, de que Maria do Socorro, na qualidade de Desembargadora do TJ/BA, negociava a venda de decisões, judiciais e administrativas, contando com o apoio de seu genro e operador, o advogado Márcio Duarte, para atender aos interesses de grupo liderado por Adailton Maturino, quanto a disputa judicial de valiosas glebas de terra situadas no oeste baiano'.

"Demonstrado que há anos a paciente/agravante pratica crimes usando de sua função pública, só cessando as ilegalidades com sua prisão, tanto que descumpriu cautelar no curso das investigações, mais que firme é a possibilidade de reiteração delitiva", registrou.

O subprocurador-geral lembrou que Maria do Socorro foi presa diante de indícios de que estaria destruindo provas e descumprindo a ordem de não manter contato com funcionários. Destacou ainda que as investigações identificaram movimentações financeiras de R$ 1,5 milhão, sem origem ou destino esclarecidos, relacionadas à desembargadora e que durante as buscas da Faroeste, a Polícia Federal encontrou 'inúmeras joias, R$ 56 mil, 9.050 euros e 200 dólares em espécie, além de 162 obras de arte em endereços ligados à magistrada.

Com relação ao argumento de que a desembargadora pertence ao grupo de risco do novo coronavírus, Baiocchi entendeu que não há 'prova plena de que o estabelecimento prisional não esteja dispensando cuidados de saúde específicos demandados pela desembargadora ou inobservando suas prerrogativas de membro do Judiciário ou de que a Administração Penitenciária não esteja tomando providências à prevenção do Covid-19 junto a presos e a funcionários, dentre elas, o isolamento de presos com suspeita de contágio no próprio presídio'.

"Tanto o Juízo responsável pela unidade prisional em que acautelada a paciente/agravante, quanto o STJ, o juiz natural da fase de conhecimento da lide penal a que responde a paciente, já checaram as condições da paciente e do estabelecimento prisional e concluíram que as condições físicas da custódia da ora agravante têm observado suas prerrogativas de membro do Poder Judiciário e as recomendações do CNJ quanto a prevenção ao vírus Covid-19", escreveu.

Nota da desfesa de Maria do Socorro Barreto 

A defesa da Desembargadora Maria do Socorro Barreto Santiago tomando conhecimento hoje de matéria jornalística publicada neste respeitado veículo de comunicação, em que apresenta os argumentos do Ministério Público Federal para a manutenção da prisão preventiva de sua constituinte diante de Habeas Corpus impetrado perante o STF, vem esclarecer que, ao lado do viés claramente humanitário da referida impetração, a regra no processo penal é a liberdade e apenas em circunstâncias excepcionais se poderá conceber a necessidade da prisão cautelar, que, no caso aqui referido, já perdura por 7 (sete) meses, em um contexto de pandemia, diante de uma idosa, diabética e hipertensa. Ao contrário do que afirma o MPF, quanto à circunstância de que o decreto de prisão foi 'expressamente fundamentado em elemento concretos, a delinearem a gravidade dos fatos e a necessidade da segregação, pois as condutas ocorreram até próximo da prisão, somente cessando com a medida extrema', não se sabe a que condutas se refere que teriam durado até próximo da prisão, certamente, se está fazendo confusão com outros atores processuais em ações penais correlatas que não aquela em que se encontra a Desembargadora Maria do Socorro e na qual se tem a absoluta convicção de que a instrução probatória demonstrará o equívoco acusatório a seu respeito.

A Desembargadora Maria do Socorro jamais ocultou valores ou bens, muito menos turbou ou pretendeu turbar a instrução probatória e o único fato concreto em que insiste a acusação para a manutenção da prisão cautelar seria uma ligação telefônica para o seu gabinete no dia em que ocorreu a busca e apreensão, sendo que a Desembargadora Maria do Socorro não tinha ainda conhecimento do referido impedimento de contato com servidores do TJ/BA, ainda assim, o breve diálogo que se realizou sem qualquer conteúdo ilegal, representa um nada jurídico. Ou seja, o diálogo incompleto não serve – como nunca serviu – para lastrear a decretação da prisão preventiva da Desembargadora Maria do Socorro, em virtude da suposta necessidade de garantia da ordem pública e da conveniência da instrução criminal, muito menos para dar sustentáculo a presunções abstratas de que em liberdade a Desembargadora Maria do Socorro poderia fazer ligações para servidores de seu gabinete, em verdadeira utilização incabível do Direito Penal do Inimigo.  Não há razoabilidade, muito menos proporcionalidade, para se manter e perpetuar no tempo uma prisão cautelar que mais se assemelha a um cumprimento antecipado de pena, transformando-se em diabólico axioma probatório-processual, com versão unilateralmente construída e que se eterniza com uma presunção absoluta de que a Desembargadora Maria do Socorro em liberdade iria buscar a prática de condutas compatíveis com a destruição de provas (todas elas já colhidas ou catalogadas e ainda que não fosse o caso, algo inimaginável até mesmo como retórica argumentativa).  Repita-se, não há fundamento válido para se manter uma prisão preventiva, diante de uma ligação telefônica realizada pela Desembargadora Maria do Socorro, no dia da efetivação das medidas de busca e apreensão realizadas, reafirmando-se sempre, por essencial, que ela ainda não tinha tomado conhecimento da sua proibição de contato com servidores, sendo que a mencionada ligação telefônica se baseia em uma conversa entre a Desembargadora e uma servidora no intuito de obter informações sobre um celular que havia sido esvaziado para uso de sua filha mais nova e que fora apreendido pela Polícia Federal naquela manhã, não tendo havido qualquer tentativa de obstrução ou destruição de prova, repise-se, a Desembargadora Maria do Socorro não sabia que tinha sido impedida de se comunicar com servidores do seu gabinete, tendo conhecimento, naquele instante, tão somente da busca e apreensão ordenada em seu gabinete, do afastamento de suas funções pelo período de 90 dias e a intimação para comparecimento à Polícia Federal para prestar esclarecimento. Portanto, como se disse, a prevalecer a leitura baseada na presunção de má-fé, repita-se, restando claro que não foi esse o real contexto do ocorrido, tudo ao mesmo tempo, no mesmo dia, na mesma hora, não houve tempo hábil de sequer a Desembargadora ter lido a decisão de 70 (setenta) páginas, que a impedia de se comunicar com servidores do Tribunal, documento este que fora entregue ao advogado da Desembargadora à época, não obtendo ciência de todas as medidas restritivas a ela impostas, em razão do exíguo tempo entre a saída dos agentes da Polícia Federal e a efetivação do contato ensejador da medida restritiva de liberdade.

Muito embora se esteja pretendendo deliberadamente confundir mérito com prisão cautelar, repita-se, prisão cautelar não pode ser utilizada como antecipação de pena, o que não seria admissível em uma ação penal, em que não há nos autos e nunca haverá qualquer prova de que a Desembargadora Maria do Socorro, como afirma o MPF, “negociava a venda de decisões, judiciais e administrativas, contando com o apoio de seu genro e operador, o advogado Márcio Duarte, para atender aos interesses de grupo liderado por Adailton Maturino, quanto a disputa judicial de valiosas glebas de terra situadas no oeste baiano”, pois isso nunca ocorreu.  Do mesmo modo, não é verdadeira a afirmação de que "Demonstrado que há anos a paciente/agravante pratica crimes usando de sua função pública, só cessando as ilegalidades com sua prisão, tanto que descumpriu cautelar no curso das investigações, mais que firme é a possibilidade de reiteração delitiva", referida prova não existe, pois tais afirmações não correspondem com a verdade factual e são afirmações veementemente repudiadas pela Defesa. Durante a instrução processual se demonstrará que todas as movimentações financeiras da Desembargadora Maria do Socorro, assim como o seu patrimônio é totalmente compatível com os seus 37 anos de magistratura. Por fim, resta clara a postura no mínimo insensível até aqui adotada pelo aparato estatal, diante de uma prisão provisória que já perdura por 7 (sete) meses, em um contexto de pandemia, diante de uma idosa, diabética e hipertensa, que ao lado da idade, se afiguram como duas comorbidades consideradas de extremado risco de MORTE em caso de contaminação por Covid-19, tudo isso diante de um cenário que já se alastrou intensamente por todo o complexo penitenciário do DF, onde se encontra presa, especialmente, quando o próprio CNJ já se manifestou de modo pedagógico a respeito do tema, preconizando a prisão domiciliar para esses casos, aliado às circunstâncias de que a legislação brasileira apresenta dezenas de medidas cautelares diversas da prisão passíveis de utilização no quadro que aqui se radiografa com precisão e dimensões, repita-se, humanitárias. No mais, reitera-se a confiança na Suprema Corte do país, guardiã derradeira da Constituição Federal e dos direitos e garantias fundamentais.  

Brasília (DF), 21 de junho de 2020.

Bruno Espiñeira Lemos Victor Minervino Quintiere Maurício Mattos Filho Advogados de Defesa