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Oferta de cursos de Medicina cresce 157% em cinco anos na Bahia


 

Qualidade do ensino é questionada por autoridades médicas

  • Da Redação

Publicado em 05/04/2023 às 06:00:00
Atualizado em 13/04/2023 às 00:35:40
. Crédito: Marina Silva/CORREIO

Um estudante morador do interior da Bahia que sonhasse em ser médico antes dos anos 2000, quase sempre precisaria se afastar da família e se mudar para cidades distantes. Porém, o curso se tornou cada vez mais atrativo para empresários da área de educação com o passar dos anos e o número de instituições privadas que oferecem Medicina nas suas grades explodiu. Em cinco anos, houve um aumento de 157% no número de faculdades privadas que têm a graduação no estado. Enquanto isso, o número de universidades públicas da Bahia permaneceu o mesmo no período.

Em 2017, apenas sete faculdades particulares tinham Medicina na grade. Eram 970 vagas para quem passasse no vestibular e estivesse disposto a arcar com os custos da graduação de seis anos. Cinco anos depois, em 2022, o estudo Demografia Médica revela que 18 instituições privadas formam médicos no estado e 2.424 vagas são oferecidas por ano, o que representa um aumento de 149%. 

Na contramão da expansão das faculdades privadas, as universidades públicas pouco mudaram. Apenas 21 novas vagas foram criadas nos cursos de Medicina entre 2017 e 2022, em 11 instituições baianas. Se por um lado há quem defenda que o aumento desses cursos pode suprir a carência de médicos, especialmente no interior do estado, há quem se preocupe com a qualidade da formação desses novos profissionais. 

Leia mais: Bahia tem menos de dois médicos para cada mil habitantes, revela pesquisa

Mario Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e coordenador do estudo Demografia Médica no Brasil, analisa que o grande desafio é que os novos médicos formados a cada ano contribuam para a dispersão dos atendimentos no interior.“Por enquanto, as escolas médicas privadas do interior têm funcionado como uma espécie de ‘república de estudantes’. São cursadas por pessoas que não são da região e que retornam para grandes centros depois de formados”, pontua. Na prática, é como se as faculdades do interior formassem exércitos de médicos generalistas, que voltam para as capitais para se especializarem nas residências médicas. Grande parte dos recém-formados que continuam nas cidades afastadas dos centros urbanos se tornam plantonistas e atendem como clínicos gerais. O resultado disso é uma população desassistida, que precisa recorrer a grandes cidades quando há necessidade de atendimento especializado. 

João Humberto Andrade, 22, cursa o sexto semestre de Medicina na faculdade Estácio, em Alagoinhas. Assim como grande parte dos seus colegas, ele pretende começar a fazer plantões médicos assim que se formar e, só no futuro, se especializar na área de Dermatologia. “Eu só me vejo voltando para Salvador quando tiver mais tempo de trabalho, porque as oportunidades são maiores no interior", afirma. 

Para Marcos Sampaio, presidente do Conselho Estadual de Saúde da Bahia (CES-BA), a oferta de vaga nas faculdades particulares deve ser acompanhada de programas de formação de médicos especialistas. “As pessoas acabam se matriculando e depois vão em busca da cidade grande porque os cursos não garantem os avanços nas especialidades, o que precisa ser estimulado”, afirma. 

Qualidade do ensino As preocupações com a expansão dos cursos de Medicina não são somente sobre os locais onde os futuros profissionais vão atuar. A abertura de faculdades privadas é vista com desconfiança por uma parcela da classe médica. Otávio Marambaia, presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia (Cremeb), faz críticas à qualidade das graduações espalhadas pelos municípios baianos. “A maioria dos cursos não tem condições de funcionar por não possuírem campo de estágio e corpo docente qualificado. Transformaram o ensino médico em comércio e qualquer pessoa que disponha de recursos financeiros pode fazer um curso de Medicina em condições inadequadas”, analisa. Já Carlos Joel Pereira, presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abames), diz que as críticas aos cursos são feitas por uma parte da área médica contrária à formação de novos profissionais, por receio de concorrência. “Qualquer curso para ser autorizado recebe uma comissão de especialistas do Ministério de Educação que vão in loco checar se as condições previstas são atendidas pela instituição”, pontua. 

Em 2020, o estudo Radiografia das Escolas Médicas, realizado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), revelou que das 17 cidades baianas que na época ofereciam a graduação do curso, apenas Salvador oferecia todos os parâmetros ideais para a prática da medicina. Entre os requisitos a serem cumpridos estão: cinco leitos públicos de internação para casa aluno e que seja disponibilizado um hospital com mais de 100 leitos exclusivos para o curso.Proibição para novos cursos de medicina é encerrada nesta quarta A proibição da abertura de novos cursos de medicina no Brasil, em vigor desde 2018, será encerrada a partir desta quarta-feira (5). A informação é do ministro da Educação, Camilo Santana, que afirmou que a medida teve efeito contrário ao pretendido, já que acabou sendo superada por decisões judiciais.

"Houve uma portaria de moratória em 2018, com o objetivo de suspender a ampliação de vagas e cursos de medicina no Brasil. O que aconteceu de 2018 para cá? Foi o período em que mais se criou vaga de medicina no Brasil. Saímos praticamente de 109 mil vagas, das [faculdades] privadas, para 158 mil. Foi um aumento de quase 50 mil vagas, e temos 225 processos judiciais para serem definidos", afirmou o ministro ontem.

Na Bahia, onde reportagem do CORREIO revelou que as graduações custam entre R$ 5,9 mil e R$ 12,8 por mês, ao menos quatro faculdades entraram com ações na Justiça para garantir que seus cursos de Medicina fossem oferecidos nos últimos cinco anos. 

Outras instituições baianas que recorreram à Justiça conseguiram que ao menos quatro novos cursos fossem criados no estado no período da proibição. “Até então havia o impedimento para a abertura de um protocolo de pedido de cursos médicos. Agora, todas as instituições que entram na Justiça atendem os requisitos para funcionarem”, diz Carlos Joel Pereira, presidente Abames.

Na segunda-feira (3), o ministro da Educação Camilo Santana indicou que a ideia inicial do governo é permitir a criação de vagas em cursos de Medicina somente em regiões onde faltam médicos. 

Antes da decisão que passa a vigorar hoje, o Conselho Federal de Medicina já havia solicitado ao Supremo Tribunal Federal (STF) seu ingresso como “amigo da corte” em uma ação que contesta a abertura indiscriminada de cursos de medicina no país. 

*Com a orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro.