Março é o mês que registra mais nascimentos na Bahia
Isso acontece todos os anos. Por quê? Ninguém sabe. Confrontados com o estudo feito pelo CORREIO, nenhum especialista arriscou uma explicação certeira
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Alexandre Lyrio
alexandre.lyrio@redebahia.com.br
Dona Aída, a filha Maria José e o neto Bruno: aniversários juntos. A esposa e o sogro dele também são de março“Depois de nove meses você vê o resultado”, diz o axioma libidino-momesco versado por dois filósofos da pagodagem, Beto Jamaica e Compadre Washington. Até então, para o senso comum, era o Carnaval o responsável pelo aumento nos índices de gravidez no país e, especialmente, na Bahia. Acreditava-se que, em novembro, a taxa de natalidade crescia mais que em qualquer outra época do ano. A folia de fevereiro, portanto, era rotulada como a festa da luxúria. Era. Um estudo realizado pelo CORREIO mostra, com base em números do IBGE, que março é o mês em que ocorre o maior número de nascimentos na Bahia e no Brasil. As estatísticas, tanto do estado como do país, mostram que, historicamente, há um pico de natalidade em março, outro, sempre menor, em maio e, depois daí, o número de nascimentos só cai, até dezembro. Confira no gráfico ao lado, que abrange dez anos (2003 a 2012), como o padrão se repete ano a ano. Na Bahia, nos últimos dez anos, março somou quase 37% a mais de nascimentos do que o lanterninha de nascimentos - dezembro: 212 mil contra 155 mil. Considerando o país inteiro, a diferença de março com o último colocado (neste caso, novembro) é de 27%. A essa altura, você já fez a contagem do nono mês anterior a março. É junho. Fomos atrás de uma explicação. Ouvimos médicos obstetras, ginecologistas, cientistas sociais, demógrafos e até astrólogos. E o que eles dizem? Quase nada. Não há uma explicação definitiva e consensual para o fato.PalpitesSão muitas as opiniões e pouquíssimos os estudos sobre essa sazonalidade nos nascimentos. Uma das maiores autoridades em ginecologia e reprodução humana na Bahia, o médico Elsimar Coutinho deixa de lado o cientificismo. Na verdade, Coutinho credita ao licorzinho de jenipapo, ao friozinho do Inverno, ao trançar de perna do forró o aumento das concepções em junho e nascimentos em março. “É possível que essa sazonalidade seja associada ao período de férias. Na Bahia, especialmente as férias de São João. Os maridos convivem mais com as famílias e é quando se faz mais filhos. Tem aquele friozinho, as pessoas dormem juntas, se aconchegam. O ambiente de junho é muito mais apropriado. Se existe uma diferença estatística, a explicação é provavelmente essa”, diz o médico, que derruba o mito do Carnaval. “No Carnaval as pessoas pulam o dia todo, se cansam e fazem pouco sexo. Muito beijo na boca não dá filho, meu filho. É uma festa liberal, mas não fecunda. O São João é muito mais fecundo”, disse, esquecendo-se da fogueira para aquecer os corações e até do amendoim para resolver qualquer problema.O assunto é misterioso, mas tem sua autoridade. Procuramos dos poucos estudiosos brasileiros a se arriscar na questão e descobrimos Morvan de Mello Moreira, professor da Universidade Federal de Pernambuco (Ufpe). Doutor em Demografia e especialista em Fecundidade e Natalidade, Morvan é autor de um dos poucos trabalhos acadêmicos no país sobre o tema. No artigo “Sazonalidade dos nascimentos no Brasil”, Morvan publica números regionais e nacionais. O trabalho conclui que, em se tratando de sazonalidade de nascimentos, só há uma certeza: a de que ela existe. “Em grandes aglomerados humanos sempre há sazonalidade. Em quase todos os países há um mês que se destaca. No Brasil, é março”. Baseado em diversos estudos, principalmente de outros países, o trabalho aponta que a sazonalidade ocorre por uma enormidade de fatores. Desde agentes biológicos, como a qualidade do sêmen, a taxa de ovulação e qualidade dos zigotos, até questões ambientais, como efeitos da temperatura e da intensidade da luminosidade, e determinantes socioculturais como a urbanização, os ciclos agrícolas, o calendário de lazer, a taxa de casamentos e a frequência dos coitos.AstrosO problema é que nenhum desses fatores explica cientificamente o mistério de março. Talvez a astrologia? Estudiosa de estatística astrológica há quase 30 anos, acostumada a cálculos com datas do calendário, a psicóloga Marihita Cocentino diz que não conhece qualquer referência de que existam mais piscianos e arianos do que pessoas de outros signos. “A única coisa que consigo pensar é que maio é o mês das noivas. Você casa em maio e fabrica o bebê em junho”, sugere Marihita. “Caramba, que curioso! Não tenho nenhuma opinião a respeito e quero acompanhar sua pesquisa”, diz o astrólogo e colunista do CORREIO Oscar Quiroga, aumentando o mistério. Professor do departamento de Ginecologia, Obstetrícia e Reprodução Humana da Ufba, o médico Manoel Sarno também não saberia explicar o fenômeno. “Nos EUA havia a crença de que se nascia mais na Lua Cheia. Um estudo analisou mais de 167 mil partos e mostrou que não havia diferença estatística”, revela. AniversáriosAlheios a qualquer estudo sobre o assunto, os nascidos no mês de março, em alguns casos, convivem com famílias inteiras na mesma situação. O jornalista Bruno Carvalho, que completou 34 anos ontem, costuma comemorar aniversários junto com a mãe, Maria José, e a avó, Aída, que também nasceram em março. A primeira faz 67 anos hoje e a segunda completa 91 na quarta-feira. A esposa dele? Fez aniversário na sexta-feira. E o sogro, no mesmo dia que ele. “Aqui o pessoal namorou muito em junho. Pelo visto São João costumava ser animado”, brinca Bruno. A advogada Luanda Rodrigues, 28 anos, chega ao ponto de ficar preocupada com a própria conta bancária. A mãe fez aniversário sexta-feira, o pai ontem, o sogro também, a cunhada e a sogra no dia 26, e o irmão no dia 31. “Março é o mês que fico quebrada”, destaca. SaúdeEnquanto isso, os que se arvoram em estudar o tema começam a construir a ideia de que o mistério do mês de março pode mudar a Medicina. “É crescente o reconhecimento do significado dos padrões sazonais dos nascimentos para o planejamento da saúde”, diz o estudo de Morvan. “Já sabemos, por exemplo, que quem nasce no Verão está mais propenso às doenças da estação, como a conjuntivite e doenças de pele, muito comuns nos bebês”, observa o obstetra Paulo Gomes Filho, diretor da maternidade Climério de Oliveira, em Salvador. Se esses estudos continuarem, quem sabe se descubra até qual a melhor época para se fazer filho, quer dizer, segurar o tchan. “Tchu, tchu, tchu, pá”, diriam os pensadores do Gerasamba. Europeus têm padrões parecidos ao Brasil, mas alguns países apresentam outros picosLonge de existir um padrão universal da sazonalidade, há grupos de países que se assemelham nos períodos em que registram as maiores taxas de nascimento. Alguns contribuem para a tese de que o frio do Inverno ajuda a aumentar os índices de natalidade nove meses depois. No gráfico acima, Suécia e Alemanha, países do Hemisfério Norte - e que, portanto, têm as estações invertidas com relação ao Brasil - existem picos regulares de partos no Verão de julho, o que indica que a concepção ocorre em novembro — início do Inverno. Por outro lado, eles se diferenciam do chamado padrão europeu de sazonalidade, no qual, segundo o demógrafo Morvan de Mello Moreira, o maior número de nascimentos acontece na Primavera – em março e abril, semelhante ao Brasil. No chamado padrão americano, são mais frequentes os nascimentos no período de julho a setembro, também contribuindo para a tese do frio. “Mas essa é apenas uma constatação pontual. Não tem como dizer que a sazonalidade se explica por esse fator. Existem países muito diferentes em aspectos climáticos e de temperatura que têm a mesma sazonalidade. Da mesma forma, existem inúmeros exemplos de países próximos e com características semelhantes que têm sazonalidades bem diferentes”, observa Morvan.