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Mãe de santo acusa pastor de racismo, intolerância religiosa e LGBTQfobia na Bahia


 

"Disse que enquanto estiver vivo, que esse 'ponto de satanás' ia sair daqui", contou a ialorixá

  • Mario Bitencourt

Publicado em 03/07/2019 às 19:27:00
Atualizado em 19/04/2023 às 23:42:05
. Crédito: Blog do Anderson/Divulgação

A mãe de santo Rosilene dos Santos Santana Sousa, 45 anos, conhecida como Mãe Rosa, afirma ter sido alvo de racismo, intolerância religiosa e LGBTQfobia por parte de pessoas ligadas uma igreja evangélica. Dona do terreiro Ilé Asé Alaketu Omí Ógbá, ela tem 19 anos de candomblé e também atua na defesa dos direitos humanos em Vitória da Conquista, sudoeste da Bahia.

O caso ocorreu no início da noite de domingo passado (30), no bairro Vila América, e o boletim foi registrado no dia seguinte na 1ª Delegacia de Vitória da Conquista. Ela relatou que seu terreiro foi chamado de “casa de negrinhas” e “ponto de satanás”.

A mãe de santo conversou com o CORREIO e relatou que foi a uma padaria com a sua cadela de estimação. Quando retornava para o terreiro onde mora, encontrou uma mulher evangélica no caminho, que estava com a Bíblia na mão, e as duas iniciaram uma conversa amistosa sobre o animal. Quando chegou à porta do terreiro, Mãe Rosa se despediu e anunciou que havia chegado em casa, para o espanto da outra mulher, que deu início às ofensas.

Mãe Rosa relata que a evangélica ironizou e disse: "Você mora aí, é? Vou orar por você". Ela rebateu: "Não precisa, já tenho minha crença". Irritada, a evangélica teria dito a seguinte frase: "Ah, você é a sapatão que mora aí, então, né? A que fica levando essas negrinhas para esse ponto de satanás".

Surpresa com a reação, a mãe de santo, que é casada com uma mulher, alertou à evangélica que ela estava tendo uma postura criminosa. Em seguida, Mãe Rosa conta que se dirigiu à igreja evangélica frequentada pela mulher, localizada nas proximidades do terreiro de candomblé, para conversar com o responsável pelo local, o pastor Wellington da Silva, a quem ela conhece há muitos anos.“Na igreja, para a minha surpresa, o pastor já veio me atender todo nervoso. Acho que a mulher já tinha falado com ele sobre a conversa. Ele veio me empurrando com os dedos, me pressionando forte contra meus seios, e disse que enquanto estiver vivo que esse 'ponto de satanás' ia sair daí de qualquer forma”, relatou.Segundo a mãe de santo, ela nem teve chance de ser ouvida pelo pastor. “Eu fui lá levar uma cartilha da Defensoria Pública da Bahia sobre o Estatuto da Igualdade Racial, fui para levar educação, para que ele pudesse orientar as pessoas da igreja sobre respeito às religiões, mas ele me recebeu com essa agressão”, lamentou.

Outro lado O CORREIO tentou localizar o pastor Wellington, sem sucesso. Segundo duas pessoas que se dizem integrantes da igreja, denominada apenas como “Igreja Evangélica”, não foram desferidas agressões nem xingamentos à ialorixá, e que o pastor "apenas dito a ela que seriam feitas orações para a mãe de santo".

Na delegacia, o caso foi registrado contra o pastor, mas ainda não foi designado delegado responsável para realização das investigações, segundo informou uma agente da Polícia Civil que preferiu não ter o nome divulgado. A delegada titular da delegacia, Tânia Silveira, está de férias. Foto: Blog do Anderson/Divulgação Luta por direitos Mãe Rosa diz estar bastante abalada com a situação, sobretudo porque ela é militante dos direitos humanos – já comandou por 15 anos a Coordenação de Promoção da Igualdade Racial da Prefeitura de Vitória da Conquista e a Coordenação LGBTQ+.

A ialorixá também integra o grupo operativo da Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado, que recebe denúncias de crimes semelhantes aos que a mãe de santo sofreu. O terreiro dela atua em parceria com a Defensoria em diversas causas relacionadas aos direitos humanos, com assistência a minorias.“Durante minha vida, tenho buscado fazer um trabalho de assistência para as pessoas que mais necessitam e sem querer impor a ninguém a minha religião. Tenho duas filhas adotivas de pessoas que não as quiseram porque são negras, a mais velha tem 15 anos”, declarou a mãe de santo.“Aqui em casa já ficou uma senhora, a pedido da Defensoria, de Santo Amaro, por seis meses. O filho dela estava preso e ela era evangélica. Nunca tivemos problemas por conta de religião, ela me respeitava e eu respeitava ela. Meu terreiro quase não tem festa com batuque, somente três vezes ao ano”, completou ela.

Mobilização O advogado Rudival Maturano, que acompanhou a ialorixá durante o registro da ocorrência na delegacia, disse que espera que seja aberto logo procedimento para que as investigações sejam iniciadas. “O que vemos, inicialmente, é o crime de racismo e intolerância religiosa, além de LGBTQfobia”, comentou.

O caso em Vitória da Conquista fez mobilizar outros terreiros em solidariedade a Mãe Rosa. Para o próximo domingo (7), está sendo organizada uma feijoada, aberta ao público, que será um ato contra o racismo e a intolerância religiosa.

De acordo com dados da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi), de 2013 até o dia 30 de junho deste ano, foram registrados 172 casos de intolerância religiosa na Bahia e outros 321 casos de racismo. Somando com casos correlatos sobre o assunto (61), o total é de 556 registros. Este ano, foram 75 no total.

Rede de atuação O caso já está sendo acompanhado pela Defensoria Pública da Bahia, pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA), Sepromi, subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Vitória da Conquista e pela Coordenação Municipal de Promoção da Igualdade Racial da Prefeitura de Vitória da Conquista.

Ao CORREIO, a Defensoria e o MP-BA informaram que vão pedir à delegacia que os fatos sejam investigados e dará acompanhamento à situação para que sejam tomadas as devidas providências. Já a Sepromi e a Coordenação Municipal de Promoção da Igualdade Racial relataram que disponibilizaram apoio jurídico e psicológico para a mãe de santo.

“As providências iniciais já foram tomadas, agora é dar continuidade aos trabalhos para que não fique por isso mesmo. Estamos todos muito revoltados com essa situação, que precisa de uma resposta para a sociedade”, disse a ialorixá Olinda Pereira, coordenadora municipal de Promoção da Igualdade Racial.

Coordenador interino do Centro de Referência Nelson Mandela, ligado à Sepromi, Clerisvaldo Santos Paixão informou que “a rede de combate ao racismo e à intolerância religiosa da Bahia já foi acionada sobre o caso e, agora, vai monitorar para ver se as providências estão sendo tomadas”.

“Já enviamos comunicado à Secretaria de Segurança Pública, Polícia Civil e Polícia Militar para dar atenção ao caso e solicitamos agilidade, porque um dos problemas históricos de casos como esse é que os boletins de ocorrência são feitos e, depois, descaracterizados os tipos de crime, não sendo colocados como de racismo ou intolerância religiosa”, disse.

A Secretaria de Segurança Pública, por sua vez, informou apenas que “está acompanhando o caso” e que as investigações serão de responsabilidade da Polícia Civil. O delegado coordenador da 10ª Coordenadoria de Polícia do Interior (Coorpin/Vitória da Conquista), Cleber Andrade, não foi localizado para comentar o caso.

Já o MP-BA, diz que “tentará se reunir com as partes para colher mais informações e solicitará abertura de inquérito policial na região” e que, em 2019, foram registrados no órgão, até junho, 29 casos de intolerância religiosa: 13 em janeiro, 5 em fevereiro, 2 em março, 6 em abril, 1 em maio e 2 em junho.

No MP, o acompanhamento dos casos de racismo e intolerância se dá por meio do Grupo de Atuação Especial de Proteção dos Direitos Humanos e Combate à Discriminação (Gedhdis), que desde novembro de 2018 tem registrado os casos também por meio do aplicativo Mapa do Racismo, que facilita o envio de denúncia.