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Janus: promotores que apontaram venda de sentenças são processados


 

Um ano após Justiça aceitar denúncia contra 15 pessoas, réus não foram interrogados

  • Da Redação

Publicado em 05/08/2009 às 09:27:07
Atualizado em 01/06/2023 às 19:41:24

Um ano após deflagrada a ação penal da Operação Janus, que apurou esquema de venda de sentença no Judiciário baiano, os 15 acusados sequer começaram a ser julgados. Já os dois promotores que denunciaram o caso e a juíza que aceitou a denúncia estão sendo processados nas esferas criminal e cível.

Depois de atuarem ativamente na Operação Janus, os promotores Paulo Gomes Júnior e Ramires Tyrone Carvalho estão sendo processados por dois desembargadores que foram citados pelos acusados, nas escutas telefônicas da investigação.

Os promotores também estão respondendo a um processo administrativo disciplinar (PAD) movido pelos magistrados, junto à Corregedoria do Ministério Público Estadual (MPE). Neste mês de agosto, quando completa um ano da Operação Janus, o processo continua estagnado na 2ª Vara Criminal.

Os 15 acusados de negociar sentenças - entre eles o advogado criminalista Abdon Antônio Abbade dos Reis, apontado como líder do esquema - sequer foram interrogados pela Justiça.

A ação penal da Operação Janus percorreu uma verdadeira via-crúcis processual por sete unidades do Judiciário à espera de julgamento. Quatro magistrados se recusaram a atuar no processo, alegando motivo de foro íntimo ou suspeição, como a juíza Janete Fadul de Oliveira, titular da 2ª Vara Criminal, acusada de envolvimento com pessoas do esquema.

Após ser rejeitado pelos magistrados, o processo retornou ao seu juízo de origem: a 2ª Vara Criminal, agora a cargo da juíza auxiliar Marivalda Almeida Moutinho. A magistrada também declinou da ação penal e a remeteu para a instância superior do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), alegando que algumas pessoas envolvidas tinham foro privilegiado.

No entendimento do Ministério Público, a ação deve tramitar no primeiro grau. O promotor Ramires Tyrone, da 2ª Vara Criminal, alegou, em recurso, que não há entre os 15 denunciados ninguém com foro privilegiado.

O calvário processual continuou. A ação foi remetida ao Serviço de Comunicações Gerais (Secomge), para ser distribuída a um desembargador da área criminal. Mas técnicos do órgão descobriram que algumas páginas não estavam numeradas e enviaram o processo para a desembargadora Lealdina Torreão, vice-presidentedoTJ- BA.

O mais recente capítulo do tortuoso caminho da ação penal ocorreu no mês passado, quando a desembargadora devolveu o processo da Janus à 2ª Vara Criminal, para a numeração das páginas. Só após concluído o trabalho, ele volta ao Secomge para ser distribuído.

Promotores de justiça processados Os acusadores que atuaram na Operação Janus viraram réus. Os promotores Paulo Gomes Júnior e Ramires Tyrone estão sendo processados pelos desembargadores Carlos Alberto Dultra Cintra e Jerônimo dos Santos.

Os magistrados representaram duas ações civis por danos morais e outras duas ações penais por denunciação caluniosa e abuso de poder contra os membros do Ministério Público Estadual (MPE).

Uma das ações penais - movida pelo desembargador Dultra Cintra contra os promotores - foi trancada pela desembargadora Ivete Caldas, que considerou que só o Ministério Público poderia representar contra Paulo Gomes e Ramires. O desembargador recorreu da decisão; um agravo regimental ainda será analisado pelo pleno do TJ-BA.

Ação penal idêntica foi movida pelo desembargador Jerônimo dos Santos contra os promotores. O relator do processo - o desembargador Ezerval Rocha - aceitou a ação. Mas Paulo Gomes e Ramires Tyrone conseguiram uma liminar para o trancamento da ação junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), até que seja julgado um habeas-corpus.

Os desembargadores entraram também com duas ações de indenização por danos morais contra os promotores, além de um processo administrativo disciplinar junto à Corregedoria do MPE, que está em curso.

O desembargador Dultra Cintra disse que resolveu processar os promotores porque os dois representaram contra ele junto à Procuradoria Geral de República (PGR) e ao Superior Tribunal de Justiça, usando fatos mentirosos. “Como as representações que os promotores fizeram foram arquivadas e porque os fatos foram caluniosos, eu resolvi processá-los”, disse.

O desembargador Jerônimo dos Santos disse ter se sentido ofendido porque os promotores representaram contra ele na PGE, sem que houvesse qualquer fato criminoso. Para o magistrado, não existe crime no fato de seu nome ser citado pelos acusados na Operação Janus, nas escutas telefônicas.

O promotor Paulo Gomes Júnior disse que permaneceria em silêncio sobre o caso, porque como promotor não pode comentar as provas produzidas na Operação Janus, que estão sobre segredo de Justiça. “Se eu comentasse as provas dos autos, estaria contrariando o sigilo de Justiça. Como cidadão, lamento a existência do foro privilegiado no Brasil”, declarou o membro do MPE.

Para o promotor Tyrone, os processos movidos pelos desembargadores têm o objetivo de intimidar o Ministério Público. “As ações têm como único propósito a intimidação. Continuaremos atuando com independência e altivez”, disse.

Juíza acionada por réu

A juíza auxiliar da 2ª Vara Criminal, Liz Rezende deAndrade, que atuou durante a investigação e do processo da Operação Janus, também está sendo processada por um dos acusados.

O advogado Abílio Freire de Miranda Neto, preso durante as investigações da Janus, acusado de participar de negociações para a venda de sentença sobre litígio envolvendo a Novo Horizonte e a Petrobras.

Abílio também processa o promotor Ramires Tyrone, que atuava na mesma vara da juíza Liz Rezende. O ação contra a juíza tramita no Tribunal de Justiça da Bahia, onde a relatora é a desembargadora Ivete Caldas.

A procuradora Miria Valença Góis deu parecer pelo arquivamento da ação. Ajuíza Liz Rezende foi a segunda magistrada a atuar no processo, após sua colega Nartir Dantas Weber, sair do caso no início.

Liz deu continuidade às autorizações de escutas concedidas por Nartir e decretou mandados de prisão, de busca e apreensão a pedido do MPE. A magistrada também foi quem acatou a denúncia contra os 15 acusados. Procurada pelo CORREIO, a magistrada preferiu não comentar o caso. O advogado Abílio Freire não retornou as ligações da reportagem.

Reportagens do CORREIO

Sábado, 9/6/2008 A Operação Janus é deflagrada pelo Ministério Público Estadual (MPE) e pela Polícia Federal, com a prisão de quatro pessoas e mandados de busca. 

Sexta-feira, 22/8/2008O CORREIO traz, em sua edição, a denúncia do MPE à Justiça contra 13 acusados de envolvimento no esquema de venda de sentença desbaratado na Janus. 

Sábado, 30/8/2008 O CORREIO pública, com exclusividade, primeira matéria de uma série de reportagens, revelando detalhes do esquema de negociações de decisões judiciais. 

Domingo, 31/8/2008 A audácia dos acusados de venda de sentença foi tão grande que eles tentaram negociar decisão da presidente do Tribunal de Justiça da Bahia, segundo denúncia do MPE obtida pelo CORREIO. 

Sábado, 1º/9/2008 O Conselho Nacional de Justiça, órgão de controle externo do Judiciário, solicitou processo da Operação Janus para apurar esquema de venda de sentença, publicou CORREIO.

Acusador perde o cargo após oferecer denúncia à Justiça O promotor público Paulo Gomes Júnior, que comandou as investigações sobre o esquema de venda de sentenças desarticulado na Operação Janus, foi exonerado do cargo de coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas, cerca de dois meses após denunciar o esquema à Justiça.

Advogado apontado como líder do bando voltou à vida normal

Uma no após ser preso, denunciado à Justiça como líder do esquema de venda de sentenças no Judiciário baiano, o advogado Abdon Antônio Abbade dos Reis retomou sua vida normal. Ele disse que também anseia pela celeridade do processo, para que possa provar sua inocência. Abdon acredita que a ação ainda pode ser arquivada.

Juíza deixa vara após retorno da colega acusada

A magistrada Liz Rezende de Andrade, que aceitou a denúncia do Ministério Público de envolvimento no caso de venda de sentença, perdeu o cargo de juíza substituta na 2ª Vara Criminal, onde tramita a ação. Liz teve de deixar o posto depois do retorno da titular à vara, a juíza Janete Fadul de Oliveira, acusada de envolvimento no caso.

(notícia publicada na edição impressa do dia 05/08/2009 do CORREIO)