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Geraldo Bastos
Publicado em 25 de junho de 2020 às 06:00
- Atualizado há 2 anos
A indústria automobilística nacional é um dos setores da economia que mais tem sentido os efeitos da crise provocada pela pandemia. Para se ter uma ideia, as 65 fábricas em atividade no país esperam encerrar o ano com uma produção total de 1,675 milhão veículos, entre automóveis de passeio, comerciais leves, caminhões e ônibus. A projeção inicial do setor, divulgada em janeiro, previa 3,050 milhões de unidades, ou seja, 40% a mais. Para piorar o cenário, os planos de investimentos das empresas estão congelados, os empregos em risco e a retomada do setor será lenta.
"Entramos em 2020 bastante otimistas, mas infelizmente o mundo foi atropelado pela pandemia. Vai ser um ano difícil", diz Luiz Carlos Moraes, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), lembrando que a produção da indústria automotiva ficou praticamente parada nos meses de abril e maio. As vendas também minguaram. Neste mês de junho, até terça-feira (23), por exemplo, foram licenciados, na Bahia, 3.124 veículos, uma queda de 46,4% em relação a igual período do ano passado. No acumulado do ano, as vendas encolheram quase 38% em todo o estado.
O presidente da Anfavea prevê uma retomada lenta e diz que é difícil prever quando o setor voltará aos patamares pré-pandemia. "É muito difícil precisar em quantos anos voltaremos ao nível pré-crise até porque vai depender também da agilidade do governo na aprovação de reformas, se vai fazer a reforma tributária, se vai estimular projetos de infraestrutura", diz.
Para piorar, os empregos nas fábricas não estão garantidos. "Sendo bem transparente: eu acho que o emprego está em risco, sim", conta Moraes. "Quando você tem uma retração desta magnitude e, por outro lado, se a retomada for lenta, a gente vai ter dificuldades. O setor está tentando segurar os empregos ao máximo possível, usando os mecanismos da Medida Provisória 936", acrescentou. A MP 936 permite a redução de salários e jornadas e a suspensão de contratos de trabalho durante a pandemia de covid-19. Luiz Carlos Moraes conta que praticamente todas empresas do setor usaram esse mecanismo. "A MP é muito boa, mas ela é temporária", afirma.
A entidade, diz Moraes, tem feito um trabalho "forte" em busca de alternativas para capital de giro de toda a cadeia do setor, que envolve as montadoras, fornecedores e concessionárias. Uma das alternativas para assegurar a manutenção do fluxo de caixa prevê a ajuda do BNDES, que receberia como garantia os créditos tributários que as montadoras têm a receber do governo, e que gira em torno de R$ 25 bilhões. "A discussão em relação aos créditos tributários avançou. Não está resolvida ainda, mas a gente está tendo um bom diálogo com a equipe econômica, tentando encontrar um caminho".
A retomada das atividades nas fábricas está em curso, mas o nível de produção dependerá do estoque atual. Hoje, a rede de concessionárias e as fabricantes têm em estoque veículos para até três meses de venda. É muito e inviabiliza, claro, a plena atividade das empresas. É o caso da Nissan, que esta semana anunciou a demissão de quase 400 trabalhadores da unidade de Resende (RJ). A montadora decidiu reduzir um turno da fábrica.
Segurança
Os fabricantes também estão empenhados em garantir as condições de segurança para que as empresas voltem a produzir, com a criação de um protocolo mínimo de retorno. "O que observamos na indústria de uma maneira geral é o seguinte: tinha área que estava rodando em dois turnos, outras em até três. Agora essas empresas estão voltando com a preocupação com a pandemia. Foi preciso reinventar a questão da higienização das linhas de produção, de banheiros, restaurantes, mudou de forma muito forte como garantir uma maior segurança e e assim evitar contaminações. Isto por si só já diminui a velocidades das linhas de produção. Tem fábrica com 3 mil, 5 mil, 8 mil trabalhadores. Então o cuidado é muito grande", diz o presidente da Anfavea. E ele completa: "A indústria depende da demanda, do consumidor final. Como a demanda ainda está muito baixa não adianta trabalhador em dois turnos, voltar a fábrica na velocidade normal porque você não vai ter cliente para comprar, vai estocar e consumir capital de giro. A velocidade da linha, então, vai depender desses dois fatores: segurança dos trabalhadores e o retorno da demanda final".
Diante da necessidade de preservar caixa, Moraes afirmou que os planos de investimentos do setor estão congelados. A boa notícia é que o cronograma de lançamentos previsto para este ano está sendo cumprido. Ele afirmou ainda que as sucessivas crises do governo federal também têm prejudicado o setor. "Essa crise política numa meio de uma pandemia dessa dimensão não ajuda. O debate faz parte, opiniões diferentes fazem parte da democracia, mas briga não. O Brasil está muito divido, estamos sempre nos extremos. A política deveria ser usada para juntar opiniões diferentes e construir soluções para sairmos o mais rápido possível desta crise. Pensar em 2022 não ajuda a resolver a crise de 2020", afirmou.